Forças Armadas

Almirante negro impõe novamente derrota aos almirantes de branco! Senado aprova inserção de João Cândido no rol dos Heróis, onde estão Tamandaré e Barroso

A Marinha do Brasil, contam senadores, tentou impedir a Comissão de Educação do Senado de inscrever o nome de João Cândido no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria,  ao lado de Tamandaré, Barroso e Deodoro.  Mas, não conseguiram, o Marinheiro João Cândido se tornou unanimidade nacional, sua luta é reconhecida como justa por direitistas, esquerdistas e centristas. A pauta segue agora para análise da Câmara dos Deputados. Alguns esperam que a Marinha tente de alguma forma impedir a aprovação, mas parlamentares acreditam que não haverá problemas para um final feliz.

Izalci Lucas disse que pediu vistas ao processo em consideração ao pedido da Marinha. O senador leu a nota da força, onde novamente os almirantes expressam sua insatisfação ante a derrota imposta por simples marinheiros que, como homens livres, reagiram ao tratamento desumano e extremamente cruel imposto aos mesmos.

O senador Flávio Arns sugeriu que a Marinha pedisse desculpas.

“… O Papa Francisco está pedindo perdão para a humanidade por tantas coisas, presidentes de países desenvolvidos estão pedindo perdão por tantas atrocidades que aconteceram no passado. Isso ajuda a construir uma sociedade de paz. Então, eu sou a favor do projeto e argumento para que a Marinha do nosso País, tão importante, tão necessária, um órgão tão prestigiado e valorizado por toda a sociedade, assim como o Exército e a Aeronáutica, se coloque definitivamente ao lado das instituições, da democracia e do respeito ao ser humano na história – na história, porque isso foi lá atrás –, para reconhecer que aconteceu, que não vai ser negado. Não vamos negar, aconteceu, mas o respeito existe…”

Na nota a Marinha, entre vários absurdos, tenta se justificar e diz que nos EUA e Inglaterra também se aplicava castigos físicos e que isso não tem a ver com racismo.

Sob a ótica da Marinha do Brasil, a Revolta dos Marinheiros, ocorrida em 1910, constituiu-se em um triste episódio da história do País e da própria Instituição. Hoje, dificilmente podemos aquilatar, com precisão, as origens e desdobramentos daquela ruptura do preceito hierárquico.

Em todos os momentos da sua história, a Marinha se pautou pela firme convicção de que as questões envolvendo qualquer tipo de reivindicação somente obteriam a devida compreensão e respaldo dos superiores por meio da argumentação e, sobretudo, do diálogo entre as partes envolvidas. Aspectos esses fundamentais para o pleno exercício da liderança e para a manutenção dos vínculos de lealdade.

Por essa razão, considera-se que o movimento ocorrido em novembro de 1910 não pode ser considerado como “ato de bravura” ou de “caráter humanitário”. Vidas foram sacrificadas, incluindo duas crianças mortas, atingidas indiretamente após disparos de canhões pelos rebelados. Ademais, material da Fazenda foi danificado, a integridade da Capital Federal foi ameaçada, e uma crise institucional de extrema gravidade foi instalada.

A ameaça de bombardear a cidade do Rio de Janeiro, mantendo-a na mira de poderosos canhões dos navios, é um aspecto importante para entender como a população civil foi tomada refém para que fossem atendidas as demandas apresentadas pelos amotinados.

Quaisquer que tenham sido as intenções do Sr. João Cândido Felisberto e dos demais que participaram da Revolta, a fizeram sem esgotar outras formas de persuasão e convencimento. Tomaram os navios pela força e romperam as estruturas basilares de toda e qualquer instituição militar: a hierarquia e a disciplina. Essa é a razão pela qual a Marinha não reconhece o heroísmo das ações daquele movimento e o considera uma rebelião.
Assim, a elevação de um indivíduo à condição de Herói Nacional o insere na expectativa de que sua vida, trajetória, ou atuação em evento específico torne-se exemplo a ser seguido pelas futuras gerações. Sua vida e seu legado poderiam se tornar um modelo de conduta para toda a sociedade. Entende-se que as ações de João Cândido no contexto da Revolta de 1910, bem como suas punições na carreira militar, algumas delas relacionadas a atos de violência contra os seus pares, não são aderentes aos aspectos de heroísmo.

Por sua vez, com base na História Naval Brasileira, a Marinha não considera que os castigos físicos aplicados na época estavam corretos. Entretanto, castigos corporais começaram a ser aplicados ainda no século quinze, ante faltas disciplinares a bordo de navios à vela. As Marinhas da Grã-Bretanha, da Espanha, da França, dos Estados Unidos e da Alemanha os mantiveram até o século XIX e início do século XX. No entanto, esse tipo de punição nunca esteve associado a questões raciais ou quaisquer outras, senão ao mau comportamento.

Porquanto a Lei 11.756/2008, aprovada Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, anistiou João Cândido e os demais revoltosos. Ainda em ato muito anterior à Lei agora exposta, o Congresso Nacional já havia conseguido anistia aos revoltosos em 25 de novembro de 1910 por meio do Decreto 2.280. Naquela ocasião, os Parlamentares saíram de uma posição de repulsa e indignação para encarar a anistia como única solução para aquele grave problema.

Nesse contexto, cabe ressaltar que a Lei 11.597, de 2007, que trata da inscrição de nomes no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, é condicionado ao laureado ter “oferecido a vida à Pátria para a sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo”. Ato que não se verifica na Revolta dos Marinheiros de 1910, considerada uma insurreição, provocou mortes a inocentes, a desordem e a ruptura institucional.

A revolta dos marinheiros de 1910 foi, de fato, um acontecimento na história do país. Todos os envolvidos, dentre eles a Marinha, setores do Governo, os revoltosos e outras instituições tiveram culpas e omissões. Mas reconhecer erros não justifica avalizar outros e, por conseguinte, exaltar as ações dos revoltosos.

Portanto, remanesce considerar a revolta dos marinheiros ocorrida em 1910 como um péssimo exemplo e um episódio a ser lamentado. Exaltar esse ou qualquer outro acontecimento de semelhança, violência e gravidade em nada contribui para a educação e formação de uma sociedade democrática.

 

Apesar da nota da força naval, 110 anos após a Revolta da Chibata, novamente João Cândido coloca os almirantes de joelhos.

Texto do Senado

Comissão de Educação (CE) aprovou nesta quinta-feira (28) projeto que inscreve o nome de João Cândido Felisberto no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O PLS 340/2018, do ex-senador Lindbergh Farias, teve parecer favorável do senador Paulo Paim (PT-RS) e segue agora para análise da Câmara dos Deputados, se não houver solicitação para análise em Plenário.

Nascido no Rio Grande do Sul em 1880, filho de ex-escravizados, João Cândido trabalhou por mais de 15 anos na Marinha de Guerra do Brasil, tendo sido instrutor de aprendizes de marinheiro. Ele foi o marinheiro que liderou a Revolta da Chibata, ocorrida em 1910 em navios atracados na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e entrou para a história como o Almirante Negro.

Em reunião anterior o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) pediu vista “para melhor conhecimento da matéria”. Nesta quinta-feira o parlamentar votou favoravelmente ao projeto, mas leu para o colegiado nota de posição da Marinha, em que a instituição considera que o movimento ocorrido em novembro de 1910 não pode ser considerado como “ato de bravura” ou de “caráter humanitário”. 

De acordo com a nota técnica, “a revolta dos marinheiros de 1910 foi, de fato, um acontecimento triste na história do país. Todos os envolvidos, dentre eles a Marinha, setores do governo, os revoltosos e outras instituições tiveram culpas e omissões. Mas, reconhecer erros não justifica avalizar outros e, por conseguinte, exaltar as ações dos revoltosos”.

Emocionado, Paim enfatizou que respeita a Marinha e que não a vê como um polo racista no Brasil.

—O nosso próprio homenageado, o Almirante Negro, que num movimento para a sociedade já é um herói, escreveu a sua história dentro da Marinha, mas a Marinha, no documento, reconhece que ela discordou também da chibata.

Paim destacou o apoio de diversas personalidades e instituições, entre elas a Defensoria Pública da União, a Coordenadoria de Assuntos Raciais, a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as, a Coalizão Negra por Direitos, a Associação Brasileira de História, a Frente Nacional Antirracista. Ele lembrou ainda homenagens feitas a João Cândido, entre elas as realizadas pelo governo e pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, além da Fundação Palmares.

— Em 24 de julho de 2008, 39 nove anos depois da morte de João Cândido Felisberto, publicou-se, como a própria Marinha reconhece, no Diário Oficial da União, anistia total e irrestrita àqueles que lideraram a Revolta da Chibata. Em 7 de maio de 2010 — olhe bem —, a Transpetro, a pedido do Presidente da República, batizou com o nome de João Cândido o primeiro navio do Promef (Programa de Modernização e Expansão da Frota).

Segundo o senador, “João Cândido é, na verdade, um agente social, que lutou e deu sua vida em defesa da dignidade e da justiça, uma personagem da história brasileira”.

— À época dos acontecimentos, ele já era tratado como herói, tornando-se então figura lendária. É cantado em verso e prosa até os dias de hoje. Por muitos e muitos anos, o assunto não veio ao debate, mas as raízes, que são profundas e verdadeiras, jamais morrem. Elas não morrem, elas ficarão sempre vivas. Eu sempre digo que as causas são indomáveis e ninguém consegue vencer as causas onde elas são justas. Elas se eternizam, elas tornam-se povo. Isso também faz a história de um povo e de um país.

O senador Flávio Arns (Podemos-PR) ratificou seu apoio a Paim.

— Esse é um fato que aconteceu naquela época. Já me manifestei que o comportamento mais adequado da Marinha seria pedir perdão para a sociedade para os fatos ocorridos, da mesma forma como o Brasil deveria pedir perdão pela escravidão que ocorreu no nosso país. Isso não pode se repetir e temos de reparar aquilo que cometemos — afirmou.

Líder da bancada do PT no Senado, o senador Paulo Rocha (PT-PA) disse que foi procurado pelo comando da Marinha.

— Uma homenagem a João Cândido não significa uma posição de aversão à Marinha. Nós consideramos a Marinha uma das forças armadas mais próximas da situação de nosso povo. Eu quero demonstrar com isso o sentimento que nós temos em relação à Marinha, para poder não colocar essa questão que o companheiro Paulo Paim colocou na defesa e na homenagem a esse grande brasileiro chamado João Cândido (…) Porque ele não atuou só como marinheiro; ele foi um personagem muito importante na luta dos negros, dos povos daquela época. 

Esperidião Amin (PP-SC) considerou o assunto muito sério e complexo. 

— A nota técnica na Marinha deve constar por inteiro nos anais dessa sessão. Porque uma coisa é homenagear uma pessoa, outra coisa é interpretar um movimento — no caso, um movimento que não foi de um dia. (…) O personagem merece, sim, o meu voto favorável porque, de alguma forma, contribuiu para uma evolução.

Revolta

O principal motivo da revolta foi a insatisfação dos soldados da Marinha com os castigos físicos, os maus-tratos e as más condições de trabalho. Os castigos cruéis eram proibidos na Marinha desde 1889. Mesmo assim, eram impostos pelos oficiais aos soldados, negros em sua maioria. Várias tentativas de negociação fracassaram, entre elas a que contou com a participação do então presidente da República Nilo Peçanha.

O estopim para a revolta foram as 250 chibatadas destinadas ao marinheiro Marcelino Menezes, acusado de agredir um oficial. A punição incluiu a proibição de que ele recebesse atendimento médico.

Por quatro dias, quatro encouraçados apontaram seus canhões para a Baía da Guanabara. A tensão terminou com o compromisso do governo, em acordo aprovado pelo Senado e assinado pelo presidente Hermes da Fonseca, sucessor de Nilo Peçanha, de dar fim ao uso da chibata e anistiar os envolvidos na revolta.

A anistia prometida, contudo, não ocorreu. João Cândido foi expulso da Marinha e preso por dois anos na Ilha das Cobras. Mesmo inocentado das acusações, foi banido, sendo perseguido até mesmo ao buscar trabalho na Marinha Mercante.

Paim afirma que Cândido morreu em 1969 sem o devido reconhecimento de suas contribuições, sem patente e na miséria. Em 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.756, que concedeu anistia póstuma a João Cândido Felisberto e aos demais participantes da Revolta da Chibata.

Fonte: Agência Senado

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Sociedade Militar