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O CONGOLÊS E OUTRAS VÍTIMAS ANÔNIMAS

No dia 24 de janeiro o Brasil ficou chocado com mais um crime bárbaro. Infelizmente podemos dizer: o crime bárbaro da semana. O jovem congolês Moise Kabagambe ao ir ao quiosque na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, onde trabalhava, foi cobrar uma dívida trabalhista. No final ele foi brutalmente espancado até a morte por cinco funcionários (ler a notícia).

Ainda enquanto os fatos eram nebulosos, a primeira narrativa foi que Moises teria sido vítima de racismo, contudo, logo as imagens revelaram que os agressores não eram brancos e tentar empurrar uma complicada teoria de racismo estrutural não atingiria os objetivos. Então a narrativa se voltou para xenofobia.

Não demorou muito para que um pequeno grupo de jovens tivesse destaque na TV colocando fogo em pneus e impedindo o trânsito em uma via próxima ao local, coisa que seria facilmente resolvida por uma viatura da PM, mas politicamente não era interessante.

O discurso dos jovens manifestantes estava desconexo com a realidade, pois os autores foram logo identificados e estão presos, e tenho certeza de que as penas serão exemplares. Os quiosques onde o homicídio ocorreu serão transformados em memorial a cultura congolesa e africana.

Poucos dias depois em Guarulhos-SP, a policial militar Tatiana Regina Reis da Silva, de folga, foi assassinada em frente a sua casa. A mídia não se abalou, a família não teve apoio de Ongs, não houve manifestações nem interdição de vias.

Ela não foi morta por ser mulher, por ser negra ou por ser pobre. Talvez por ser policial, e com certeza por fazer parte de uma triste estatística: policiais tem quatro vezes mais chance de serem vítimas de homicídios no Brasil.

A cortina de fumaça identitária muitas vezes interessa as autoridades que irão fazer palanque com as tragédias e acaba sendo um problema para a Segurança Pública, pois tira o foco da verdadeira questão é ideal ao oportunismo político e incentiva mais separação na sociedade, criando fantasmas que às vezes não estão ali, contudo isso não quer dizer que não existam.

A grande maioria dos assassinatos de negros não foi por racismo, os de mulheres não foi por machismo e os de estrangeiros não foi por xenofobia e sim pela alarmante violência que domina o país há décadas, fazendo as maiores vítimas os mais pobres, por uma questão social. O que faz com que crimes ocorram é a enorme sensação de impunidade.

O Brasil chegou a ter mais de 60 mil homicídios ao ano, número considerado epidemia pela OMS. Apenas 8% dos homicídios chegam à sentença em julgamento, ou seja, 92% dos autores não são identificados.

Desses que são presos recebem uma série de beneficies da legislação, alguns gozam das saídas temporárias, casos notórios apontam essa insanidade quando no dia dos pais, condenados que até mesmo após matarem o próprio genitor ou o filho saem pelas ruas.

Jovens, a maioria negros, são executados pelo crime organizados, muitos nem ao menos chegam a ter um enterro, para o desespero da família. No Rio de Janeiro mesmo, as execuções costumam ser dentro de pneus enquanto a vítima agoniza tendo o corpo incendiado, o famoso “micro-ondas”. Tribunais do crime decidem quem vive e quem morre, as ordens são emanadas de dentro dos presídios pelo país.

Nenhuma das ações que se sucederam após casos semelhantes ao ocorrido com o congolês geraram efeito, justamente por ignorarem o verdadeiro problema. Os índices criminais continuam os mesmos; quadrilhas permanecem atuando dentro e fora dos presídios; morros, favelas e periferias permanecem dominados pelo crime organizado; e políticos se elegem com discursos identitários ignorando as reais causas da violência no Brasil.

A cobrança deve ser por resultados, seja em crimes de preconceito como em qualquer outro. Deveriam estar atentos para que os índices criminais fossem reduzidos, para que as investigações realmente ocorressem em todos os casos e reduzisse essa proporção, para que haja controle nos presídios, para que o Estado retome as áreas dominadas pelo crime levando atendimento social e segurança. O restante é meramente narrativa.

Enquanto isso não corre, policiais, pobres, ricos, negros, brancos, jovens, idosos, homens, mulheres, tanto anônimos pelo Brasil, continuarão sendo vítimas de crimes tão violentos quanto o que ocorreu ao pobre Moise.

Davidson Abreu é especialista em Segurança Pública com 28 anos de experiência.

Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas. Escritor e palestrante.

Autor do livro Tolerância Zero e outros.

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