Forças Armadas

Currículos militares: “enquanto não mudar, a república democrática não se consolida”, diz historiador com formação militar

Nessa quinta-feira (7), dia em que se comemorou a Independência do Brasil, Renato, ou melhor, o cadete Resende, do primeiro ano da Academia da Força Aérea (AFA), aos 19 anos, foi destaque na tropa em que desfilou em Brasília, na Esplanada dos Ministérios. Levou a flâmula da academia vibrando com a formação, os valores e até as dificuldades que escolheu para a vida.

Neste ano de 2023, ele cursa o primeiro ano da academia, em Pirassununga (SP), e tem na ponta da língua os valores de sua formação. “O código de honra do cadete está representado aqui na flâmula: coragem, lealdade, honra, dever e pátria. Eu acho que esse é o fator que a academia mais agrega ao profissional e ao cidadão”. Sua rotina começa antes das 6h e só termina depois das 23h.

“A gente vai construindo a mentalidade ainda como adolescente e vai se encaminhando para a vida adulta”. Entre as atividades, a sua formação de cadete inclui acampamentos e saltos de paraquedas, além de um amadurecimento diante da saudade de casa. Em compensação, ele acredita que as amizades ao longo da formação são tão fortes que se assemelham a uma família.

O cadete Resende garante que temas como cidadania e direitos humanos são valores trazidos permanentemente.

“Temos palestras e aulas com profissionais de diferentes áreas que estimulam o culto a esses valores. O cadete é formado para ser um oficial e tem que se preocupar com essas questões”.


ANJOS TUTELARES DA DEMOCRACIA

Enquanto os militares defendem a formação acadêmica atual, pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil refletem sobre a necessidade de uma reavaliação curricular para jovens que querem seguir a formação militar. ​

Precisamos começar pela reformatação dos currículos militares, condicionados ainda, em grande medida, pela cultura da guerra fria e de suas atualizações: guerra híbrida, etc. A chave de tudo encontra-se na formação dos militares, a começar pelas Agulhas Negras e pelas demais escolas de formação de oficiais.

Eles são ensinados a manter esta tradição de anjos tutelares. Enquanto isso não mudar, a república democrática não se consolida”, diz o historiador Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Na mesma linha de raciocínio, o professor Heraldo Makrakis, pós-doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, acredita que a reformulação da doutrina é essencial para redesenhar o papel que as Forças Armadas devem cumprir no Estado.


IDEIAS DISTORCIDAS

A questão da reformulação dos currículos de formação militar não nasceu ontem, mas obviamente ganhou mais força depois do governo de Jair Bolsonaro, devido ao envolvimento aberto de milhares de militares na sua gestão.

No longínquo 2016, em maio, o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores divulgava sua “Resolução sobre a conjuntura”,  publicação que visava “orientar seus filiados no estudo dos problemas atuais do país e guiá-los para a luta” que pretendiam “travar contra os golpistas [que, segundo a esquerda política, estariam] prestes a derrubar Dilma e afastar o PT do poder depois de 13 anos.”

A Resolução petista, entre outros pontos, tocou na reforma dos currículos de formação militar, conforme abaixo:

“Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; (…)

Alguns dias depois, os oficiais generais que presidiam os chamados “clubes militares” das três Forças Armadas lançaram uma nota chamada “Democratas e Nacionalistas“, em que contestavam a reforma educacional proposta pela Resolução. Segundo os generais, almirantes e brigadeiros, os currículos das escolas militares seriam “um reduto de resistência à releitura da História que [os reformadores esquerdistas] pretendem”. 

Os militares também disseram na Nota que “os textos dos livros didáticos, particularmente os de História, eram revisionistas, e de “ideias distorcidas”, “fazendo verdadeira lavagem cerebral em nossos jovens estudantes, há longo tempo (…), sob o olhar complacente e até mesmo sob o aplauso de pais e mestres politicamente corretos”.

Em 2022, ainda sob Bolsonaro, em entrevista à Agência Pública, o ex-ministro dos direitos humanos Paulo Vannuchi, afirmou que “uma das primeiras tarefas do governante que substituir Bolsonaro será mexer no currículo das escolas militares”. “A herança da ditadura tem de ser combatida com reforma profunda no ensino militar. É necessário entrar na Agulhas Negras e fazer uma mudança no ensino militar”, sustenta Vannuchi.

Texto de JB.Reis 

 

 

 

 

 

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Publicado por
JB Reis