A partir da posse do presidente Lula os comandantes das Forças Armadas tem sido pressionados para estreitar parcerias com os membros das Forças Armadas da China, que hoje é principal parceiro comercial do Brasil. Alguns comentaristas chegaram a dizer que as Forças Armadas Brasileiras têm uma política externa particular que não necessariamente acompanha a que é implementada pelo Itamarati.
Todos os anos, o que já é uma tradição, as instituições militares do Brasil enviam muitos oficiais para concluir cursos em academias militares norte-americanas e muitos dentro dos quartéis já temem que a ampliação das parcerias com a China acabe fechando portas para que brasileiros ingressem nas cobiçadas instituições de elite dos Estados Unidos e consequentemente percam a oportunidade de passar um ano ou mais residindo por lá.
Uma pesquisa rápida no Diário Oficial da União, seção II, onde encontram-se as designações para cursos, intercâmbios ou viagens a serviço, é capaz de revelar superficialmente como a interação com os militares norte-americanos é muito mais intensa do que é com os chineses. Enquanto até a data dessa pesquisa, 25 de junho de 2023, as Forças Armadas Brasileiras registraram em Diário Oficial 3 designações a serviço para a China, no mesmo período foram registradas 104 designações para cursos, intercâmbios ou outras viagens a serviço para os Estados Unidos da América.
Nos últimos anos os brasileiros estiveram na China algumas vezes para a realização de cursos. Mas, desde o início do governo Lula já percebe-se um aumento na presença de militares chineses no Brasil, em visitas oficiais aos quartéis e até recebendo condecorações militares.
Em trabalho realizado durante um curso de mestrado militar realizado na Marine Corps University, entre 2020 e 2021 instituição de ensino militar ligada à marinha dos Estados Unidos, um oficial superior do corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil – Commander A. de A. Baptista, Brazilian Navy – discorrendo sobre essa problemática da alegada desproporção entre as relações internacionais empreendidas pelos militares, já apontada desde aquela época, apresenta cinco possíveis cenários causados pelo potencial estreitamento de laços entre militares chineses e militares brasileiros.
Influência chinesa, cenários
Diz trecho do trabalho de conclusão de curso com cerca de 45 páginas (tradução livre): “A crescente influência chinesa no Brasil pode mudar as relações Brasil-EUA. Primeiro, os EUA podem perceber que a China está preenchendo o vácuo econômico da região e decidir mudar sua postura intensificando as relações com o Brasil. Esse cenário seria bom para o lado brasileiro. Enquanto as grandes potências lutam por influência, o Brasil pode se beneficiar do apoio tanto da China quanto dos Estados Unidos.
No segundo cenário, as grandes potências podem obrigar o Brasil a escolher entre um dos dois países. O Brasil teria que levar em consideração muitos fatores, inclusive sua distância geográfica; relações históricas; identidades sociais, culturais e políticas; e relevância econômico-financeira. Isso seria complicado porque existem muitos domínios onde as duas grandes potências competem por influência no Brasil como este trabalho mostrou até aqui. Dependendo de qual lado o Brasil escolher, a cooperação militar Brasil-Estados Unidos pode se intensificar ou ser encerrada.
No terceiro cenário, os EUA e a China podem iniciar um conflito. Nesse caso, a situação seria a mesma da anterior, porém com respostas mais drásticas e repentinas. Um ponto interessante desse cenário é que ele exige que o Brasil considere que as grandes potências podem exigir que outras nações escolham um lado, cabendo ao Brasil orientar sua estratégia nacional. Como os investimentos nas forças armadas custam dinheiro e tempo para desenvolver capacidades e treinar a força de trabalho, é crucial que o Brasil comece a se preparar para escolher um lado.
No quarto cenário, os EUA podem não ver a influência chinesa no Brasil como uma ameaça e manter suas políticas atuais com cooperação limitada em áreas críticas. Nesse cenário, a cooperação militar Brasil-Estados Unidos não mudaria, e o Brasil deveria continuar tentando se engajar na cooperação militar entre as duas grandes potências.
Em um quinto cenário, os EUA podem decidir mostrar seu soft power diminuindo a cooperação militar com o Brasil por causa de seu envolvimento com a China por meios econômicos. Esse seria um cenário complicado onde o Brasil poderia fortalecer a cooperação militar com a China e perdê-la dos EUA. Entretanto, o Brasil cairia na situação de escolher um lado.”
O texto avança e perto da conclusão o oficial apresenta colocações bastante interessantes para o contexto atual
Como ponto positivo diz que a “influência chinesa no Brasil pode aumentar a cooperação militar Brasil-Estados Unidos. Primeiro, cria oportunidades para o Brasil interagir com as potências militares globais mais significativas, uma vez que as Grandes Potências não exigem que outros países escolham um lado. Em segundo lugar, o Brasil poderia melhorar significativamente sua infraestrutura com o BRI. Em terceiro lugar, poderia encorajar os EUA a reconsiderar o aumento da cooperação militar em áreas sensíveis, como espaço e tecnologias cibernéticas, para evitar a capacidade chinesa de preencher o vácuo onde tradicionalmente os EUA limitam a cooperação.”
Como ponto negativo aponta as possíveis “armadilhas de dívida”, questões que podem levar a um relaxamento da fiscalização do nosso mar territorial ou outras situações e por fim o risco a soberania do país.
“existem armadilhas que o Brasil deve evitar. Alguns autores chamam isso de “diplomacia da armadilha da dívida” e “empréstimos predatórios”, como os casos das Maldivas, Quênia, Tadjiquistão, Sri Lanka e Venezuela.165 Por exemplo, em 2013, a China começou a construir uma base na Argentina para monitorar atividades espaciais por cinquenta anos. No entanto, sabe-se que os militares dirigem o programa espacial chinês. Entre 2016 e 2018, navios de pesca chineses acusados de realizar pesca predatória na Zona Econômica Exclusiva (ZEE) da Argentina.167 Esses fatos podem ser desconexos. No entanto, podem ser um indicador de que o grau de dependência dos investimentos chineses pode colocar em risco a soberania de um país.
Isenção de responsabilidade: as opiniões e conclusões expressas neste documento são do autor aluno individual e não representam necessariamente as opiniões do comando e do pessoal do corpo de fuzileiros dos EUA ou de qualquer outra agência governamental. … citação, abstração ou reprodução de todo ou de qualquer parte deste documento é permitido, desde que seja feito o reconhecimento adequado.”
Chinese influence on Brazil; Brazil-US military cooperation, impact; Great Power competition; Economy. Baptista, A. D. A. (Commander – Brazilian Navy) link: https://apps.dtic.mil/sti/citations/AD1177924
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar