Enfim, o ambicioso sonho judaico de criação de sua nação em Eretz Israel foi concretizado em 14 de maio de 1948, por David Ben-Gurion, icônico chefe-executivo da Organização Sionista Mundial (OSN), após uma espera milenar. A predestinada região bíblica, conhecida como Terra Prometida, agora tinha um nome: o Estado de Israel. Concomitante a tal júbilo, enormes preocupações povoavam a mente dos israelitas: o mundo árabe beligerante ao qual estavam inseridos e uma permanente angústia em saber que os piores inimigos do povo judeu ainda se encontravam soltos, entre eles o responsável pela logística do atroz mecanismo de morte do Holocausto: O Tenente-Coronel “SS” Otto Adolf Eichmann.
Convergente a esses dois objetivos elencados, a dissuasão estatal foi a senda escolhida pelos judeus para demover atitudes hostis; não somente dos árabes, mas de qualquer nação pretensamente agressora. Cientes de que a eficiência de um serviço de inteligência modelar adjudicaria à incipiente nação o respeito alheio, operações de inteligência audaciosas foram iniciadas, como a obtenção do discurso secreto de Nikita Khrushchov, em 1956, uma evidência explícita da eficiência do Mossad, mesmo diante do “impenetrável” regime soviético.
Incansável diante de uma procura meticulosa, Simon Wiesenthal, notório sobrevivente do Holocausto e investigador particular, foi o primeiro a identificar o nome de Eichmann como uma figura proeminente na Solução Final do Problema Judaico, informação que foi compartilhada com a inteligência israelense. Fruto de sua obstinação, Wiesenthal obteve, em 1953, o primeiro informe acerca do possível paradeiro de Eichmann: a cosmopolita Buenos Aires.
O grande diferencial da missão a ser brevemente relatada, e isso precisa ser ressaltado, foi o fato de ela ter sido uma ação clandestina operada em um país amigo e soberano. Diante disso, possíveis efeitos colaterais políticos eram esperados, além do aspecto ético condenável da ação. Mas o fato é que teve de ser assim, após a detida deliberação israelense, tudo com o objetivo de tornar a operação o mais sigilosa possível, desprezando, com isso, qualquer apoio do governo argentino.
A primeira fase da Operação Garibaldi teve um objetivo nítido: identificar o algoz. Aspectos como a provável aparência atual, nome fictício, local de trabalho, impressões digitais, cicatrizes e tatuagens, tudo foi levado em conta. Sabia-se, pelos arquivos de Wiesenthal, que Eichmann possuía tatuado sob sua axila esquerda o seu tipo sanguíneo, atitude comum nos oficiais da “SS”, bem como uma cicatriz de apendicectomia e duas obturações feitas em ouro. No intuito de facilitar as operações, notícias de supostos rumores da presença de Eichmann no Kuwait foram publicadas nos jornais portenhos, tudo com o objetivo de repassar um amadorismo investigativo generalizado, encorajando-o a assumir uma postura negligente e despreocupada na terra austral.
Em 1959, após uma complexa investigação, Eichmann foi identificado parcialmente, comparando-se detalhes corporais muito particulares, que são praticamente inalterados com o passar do tempo, como as reentrâncias auriculares, possibilitando ao Mossad o início da próxima fase: a captura. O arqui-inimigo dos judeus morava em uma frugal residência na Rua Garibaldi, no distrito de San Fernando, em uma situação muito diferente de seus tempos faustosos como oficial da Schutzstaffel, com o nome de Ricardo Klement.
A equipe selecionada por Harel foi a quintessência do que havia de melhor em termos de recursos humanos no mundo sigiloso israelita. Ciente de que sua equipe deveria se abster de qualquer auxílio portenho, Harel montou uma célula autossuficiente, composta por Rafi Eitan, um mestre em operações sigilosas e audaz por natureza; Shalom Dani, um exímio artesão na arte de falsificar documentos; Ehud Revivi, hábil planejador e poliglota; Eli Yuval, mestre no disfarce; Zev Keren, conhecido como o “homem das mãos de ouro”, diante de sua perícia em abrir qualquer fechadura; Ezra Eshet, homem equilibrado e extremamente capaz em logística; Yitzhak Nesher, possuidor de um rosto inocente e de características essenciais, como sua fleuma e seu dom de inspirar confiança; Dina Ron, a “dona de casa” que residiu com Yitzhak na “casa segura” que recebeu Eichmann após sua captura; Eli Haggai, médico que cuidou da sedação do capturado e da saúde dos agentes durante a operação; e o próprio Isser Harel, como chefe geral da “Operação Garibaldi”, além de outros agentes menos proeminentes.
Ao chegarem a Buenos Aires, oriundos de diversos países e de forma separada, colocaram em prática tudo aquilo que já haviam planejado em Israel, como a seleção dos “refúgios” (residências previamente preparadas contra revistas policiais) e os locais de fortuitas reuniões operacionais, como os profusos cafés argentinos, ambientes nos quais os agentes passaram despercebidos, entre inúmeras outras ações necessárias. Assim, em uma noite fria na capital portenha, em maio de 1960, após meticuloso e profissional planejamento, Adolf Eichmann foi capturado pelo Mossad.
Ciente de que o governo argentino promovia certa proteção aos ex-nazistas, o então primeiro-ministro David Ben-Gurion decidiu exfiltrar Eichmann ao invés de entregá-lo às autoridades portenhas. Durante os nove dias “de cativeiro” sua identidade foi comprovada diversas vezes, possibilitando a fase conclusiva da Operação: a exfiltração. E não tardou; em 20 de maio de 1960 o responsável pela logística da Solução Final Judaica foi sedado e disfarçado de tripulante da empresa aérea israelense “El Al”, rumando em direção ao Estado de Israel.
O desfecho sequencial da Operação Garibaldi foi o julgamento de Eichmann e sua natural condenação pela atroz participação no Holocausto. O ex-oficial da “SS”, sob número 45326, o qual em épocas de fausto envergava reluzentes botas e um impecável uniforme negro, foi enforcado em 1 de junho de 1962. Otto Adolf Eichmann foi cremado e suas cinzas foram espalhadas no mar Mediterrâneo, fora dos limites das águas territoriais israelitas.
É mister destacar, e este é o intuito deste artigo, que a Operação Garibaldi teve inúmeros reflexos, como a conscientização da opinião pública mundial acerca dos horrores envolvidos no Holocausto. Ademais, levou ao mundo, e sobretudo ao universo árabe circundante, a mensagem de que as ações necessárias à defesa dos interesses do Estado de Israel eram altamente eficientes e de grande alcance estratégico, levadas a cabo por um sistema de inteligência altamente profissional, capaz de realizar as façanhas de espionagem mais audaciosas, em total devoção à causa judaica.
…
Autor: Cel R/1 EB QEMA Ernani Humberto Teixeira de Paula Filho
Referências:
– A Casa da Rua Garibaldi (Isser Harel) /
– Gideon’s Spies: The Secret History of the Mossad (Gordon Thomas) /
– Caçando Eichmann (Neal Bascomb)
Revista Sociedade Militar