“As estratégias de Presença e de Dissuasão continuarão a ser priorizadas. No entanto, também assumirá posição de destaque a estratégia de Projeção de Poder.”
Com a publicação do novíssimo “Conceito Operacional do Exército Brasileiro”, logo no início do mandato do presidente Lula, por meio de portaria do Estado Maior do Exército Brasileiro, assinada em 10 de fevereiro de 2023, pouco depois do auge da polarização entre os extremos políticos brasileiros à esquerda e à direita, o Exército, sob a batuta do recém-empossado comandante, General Tomás Miné, redefiniu-se em alguns aspectos relevantes e reafirmou posicionamentos anteriores relacionados à atividade fim da força. Quem se interessa por compreender os movimentos dos militares brasileiros no último ano e nas próximas duas décadas terá que se debruçar sobre o documento.
O documento, endossado pelo General de Exército Valério Stumpf Trindade, Chefe do Estado-Maior do Exército, destaca a abordagem das Forças Armadas frente a ameaças e desafios emergentes, indicando suas posturas e objetivos a alcançar até 2040.
A Missão Constitucional
As diretrizes inseridas no manual, que traça o rumo a ser tomado pelo Exército, obviamente estão em fase de implantação, não são metas aplicáveis instantaneamente. Inicialmente, com óbvia motivação de dissuadir possíveis tentativas de alterar de alguma forma sua missão constitucional e as funções subsidiárias, a força reafirmou o compromisso de se manter dentro da atual missão constitucional.
“1.3.2.1 Não existem indicações de que a missão constitucional e as atribuições subsidiárias do EB sofrerão alterações no horizonte temporal considerado (2040)… 2.2.2 Cabem às FA, como instituições de Estado, a Defesa da Pátria, a Garantia dos Poderes Constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da Lei e da Ordem. 2.2.3 Sem o comprometimento de sua destinação constitucional, recai também sobre as FA o cumprimento de atribuições subsidiárias. 2.2.4 Nesse contexto, constituem-se como atribuições subsidiárias gerais a cooperação com o desenvolvimento nacional e a defesa civil; a participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse social; e a atuação, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, contra delitos transfronteiriços e ambientais.”
Este compromisso com a estabilidade e ordem constitucional, e principalmente a afirmação “Não existem indicações de que a missão constitucional e as atribuições subsidiárias do EB sofrerão alterações”, se configura como uma clara mensagem de resistência contra pressões de parcelas da sociedade que enxergam na força terrestre e nas outras instituições militares (Marinha e Força Aérea) uma espécie de mediadores políticos.
Projeção de Poder
Uma novidade interessante é a introdução de Estratégias de Projeção de Poder. O trecho: “As estratégias de Presença e de Dissuasão continuarão a ser priorizadas. No entanto, também assumirá posição de destaque a estratégia de Projeção de Poder” indica uma postura mais agressiva na defesa dos interesses nacionais. Projetar poder significa exatamente avançar com armas e soldados para dentro do território inimigo.
Outra menção, que mostra como o Exército enxerga o posicionamento do Brasil no cenário geopolítico mundial, diz que o país tem vocação para assumir a liderança na América do Sul.
“O Brasil, potência emergente de médio porte e com vocação para a liderança na América do Sul, será um dos países instados a participar do jogo das grandes potências. Devido às suas características geopolíticas, associadas à tradição diplomática de bom relacionamento com todos os seus vizinhos imediatos e com a quase totalidade das demais nações do mundo (sem comprometer a sua soberania)”, diz o texto assinado pelo General de Exército Valério Stumpf.
O texto do Estado-Maior do Exército faz ainda uma previsão interessante e surpreendente, dizendo que o Brasil pode ser instado a atuar fora das fronteiras do país justamente por conta de sua posição de liderança e das possíveis associações de forças insurgentes e paramilitares com organizações criminosas brasileiras.
“A instabilidade securitária instalada no arco noroeste da América do Sul concentra o principal foco de tensão no subcontinente. A interconexão entre grupos paramilitares, forças guerrilheiras insurgentes e a criminalidade organizada que comanda o narcotráfico contribui para a resiliente instabilidade instalada naquela região, agravada pelo tensionamento social associado à pobreza. A crescente associação desses grupos com organizações criminosas brasileiras indica um fator de risco adicional ao Brasil, potencializando o incremento da atuação da criminalidade organizada transnacional em território nacional. Nesse diapasão, é muito provável que o Brasil seja instado a atuar, de forma mais assertiva, na mitigação da insegurança que caracteriza o ambiente instável no arco noroeste sul-americano. No mesmo sentido, é provável que o País aprofunde sua atuação nas principais questões que demandam uma governança concertada em segurança e defesa na América do Sul.”
Documento completo – Robson Augusto – Revista Sociedade Militar