O depoimento de um oficial condenado por desvio de óleo combustível de um navio de guerra da Marinha do Brasil e centenas de denúncias contra instituições militares chamam a atenção para uma situação preocupante ligada à vigilância interna contra o cometimento de ilícitos nas Forças Armadas.
Mesmo que as instituições não possuam órgãos como as corregedorias, que existem há décadas nas polícias militares e que têm o poder de fiscalizar com agilidade o cumprimento de leis e regulamentos por toda a tropa – do comandante ao soldado mais novo – dado o grande número de ilícitos praticados por altos oficiais, os militares de baixa patente têm procurado outros canais competentes para a apresentação de denúncias sobre ilícitos praticados nas organizações militares.
No caso acima mencionado, que terminou com a comprovação de que, de fato, o óleo combustível destinado à navegação da embarcação estava sendo vendido por um oficial superior, fica evidente que, mesmo tendo conhecimento de condutas criminosas, militares ainda se sentem intimidados e, por isso, é muito baixo o número de denúncias que ocorrem internamente contra superiores, por medo do corporativismo.
Nota-se no extrato da denúncia, abaixo, o sargento declarando que, se fosse identificado, seria perseguido. O militar destaca ainda, sutilmente no próprio texto, o que foi confirmado por outro militar ouvido anonimamente pela Revista Sociedade Militar, que oficiais naquele navio possuíam um comportamento reconhecido como arrogante, foram definidos pelo sargento como “lords de marinha” em meio a plebeus. O militar ouvido, suboficial da reserva, completou dizendo que a maior parte das denúncias anônimas ou identificadas são feitas por graduados.
“[…] venho denunciar furto de oleo diesel que esta acontecendo na corveta frontin, navio da marinha do brasil que esta sediado na ilha de mocangue em niteroi, o responsavel pelo furto é o capitão de corveta Leornado … …, o negocio lá esta tão bom que le [sic] já esta andando de carro de luxo, se conseguir pegar as escutas telefonicas dele a parti [sic] do mês de junho 20011 vai descobrir muita coisa, o furto é maior quando o navio esta em porto fora como Santos e Vitória, só estou denunciando porque ele que [sic] ser muito certo e é o maior papa oleo diesel,”LORD DE MARINHA” não posso me identificar senao vou ser perseguido, mas qualquer dúvida posso responder através do mail [sic] [email protected]”.
A denúncia foi realizada no Ministério Público Militar e em paralelo ao Comandante da Marinha. O oficial acabou condenado pelo desvio de mais de 100 mil litros de combustível.
Os números das denúncias
Informações prestadas pelo Ministério Público Militar após solicitação da Revista mostram números interessantes e indicam que, das três forças singulares, a Marinha do Brasil é a que possui proporcionalmente o maior número de denúncias apresentadas nos diversos canais disponíveis.
A quantidade de denúncias anônimas ou identificadas feitas pelos canais públicos do Ministério Público Militar (Ouvidoria, SIC, procuradorias e outros) apontando possíveis contravenções ou crimes ocorridos nas Forças Armadas, no ano de 2023 é a seguinte: Marinha do Brasil: 227; Exército Brasileiro: 613 e Força Aérea Brasileira: 74.
O Ministério Público Militar prestou ainda outras informações importantes, que mostram que de fato a maior parte das denúncias, anônimas ou não, possuíam razoabilidade a ponto de evoluir para inquéritos e processos na Justiça Militar da União ou Justiça Federal e que os canais disponibilizados têm funcionado bem no que diz respeito a apuração dos ilícitos apontados.
Estatísticas por cada força armada
- No ano de 2023, dos casos relacionados à Marinha do Brasil que chegaram ao conhecimento do MPM, 87% (197 denúncias) se transformaram em inquéritos, IPM ou processos/
- Nos casos relacionados ao Exército, 86% (531 denúncias) evoluíram para inquéritos, IPM ou processos, e
- No que diz respeito as denúncias relacionadas à Força Aérea Brasileira, 92% (68 denúncias) evoluíram para inquéritos, IPM ou processos.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar
Informação completa recebia do Ministério Público Militar pelo editor da Revista Sociedade Militar
Quantidade de denúncias anônimas ou identificadas feitas pelos canais públicos do MPM (Ouvidoria, SIC, procuradorias e outros) apontando possíveis contravenções ou crimes ocorridos nos seguintes órgãos ou por membros dos mesmos, no ano de 2023: – Marinha do Brasil: 227/ – Exército Brasileiro: 613/ – Força Aérea Brasileira: 74
No que se refere ao quesito 1 no ano de 2024 (até 04/03/2024- data de solicitação dos dados):
Quantidade de denúncias anônimas ou identificadas feitas pelos canais públicos do MPM (Ouvidoria, SIC, procuradorias e outros) apontando possíveis contravenções ou crimes ocorridos nos seguintes órgãos ou por membros dos mesmos, de janeiro até março de 2024: – Marinha do Brasil: 53/ – Exército Brasileiro: 70/ – Força Aérea Brasileira: 15
No que se refere ao quesito 2 no ano de 2023:
Quantidade de denúncias anônimas ou identificadas feitas pelos canais públicos do MPM (Ouvidoria, SIC, procuradorias e outros) apontando irregularidades/ilícitos nos seguintes órgãos ou por membros dos mesmos, que efetivamente foram transformadas em inquéritos, IPM e/ou de fato se tornaram em processos na justiça militar ou comum, no ano de 2023: – Marinha do Brasil: 197 / – Exército Brasileiro: 531 / – Força Aérea Brasileira:68
No que se refere ao quesito 2 no ano de 2024 (até 04/03/2024- data de solicitação dos referidos dados):
Quantidade de denúncias anônimas ou identificadas feitas pelos canais públicos do MPM (Ouvidoria, SIC, procuradorias e outros) apontando irregularidades/ilícitos nos seguintes órgãos ou por membros dos mesmos, por ano e por instituição a partir de janeiro de 2019, que efetivamente foram transformadas em inquéritos, IPM e/ou de fato se tornaram em processos na justiça militar ou comum, de janeiro até março de 2024:
– Marinha do Brasil: 51 / – Exército Brasileiro: 65 / – Força Aérea Brasileira: 12
Os chamados de 2024 que não tem a notícia de fato, já foram encaminhados e estão aguardando a análise do Promotor de Justiça Militar, dentro do prazo de 30 dias.