O envolvimento dos militares nos desdobramentos da Lava Jato e no governo Bolsonaro tem sido objeto de intenso debate. Em postagem no Facebook, o antropólogo e especialista em estratégia militar Piero Leirner, disse que os militares inicialmente depositaram suas esperanças em Sergio Moro, enxergando nele um agente capaz de “enterrar o petismo de vez”.
No entanto, a intervenção do ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal (STF), que criticou a Lava Jato e bloqueou algumas de suas ações, frustrou as expectativas dos militares, levando-os a buscar um novo “cavalo” para suas ambições: Jair Bolsonaro.
Apostando em Sérgio Moro e o Suposto Golpe
Inicialmente, os militares viram em Sérgio Moro uma figura que poderia desempenhar um papel decisivo na política nacional, acreditando que ele poderia ser uma “ponte” para um projeto que encerraria o petismo de forma definitiva. Contudo, as ações de Gilmar Mendes e os ataques à Operação Lava-Jato alteraram drasticamente essa perspectiva.
“Quando eu e o Romulus Maya dizíamos em 2020 e 2021 que a opção militar era Moro, não estávamos palpitando. A gente via essa costura em discussões que rolavam em listas de e-mails e fóruns (enviados por amigos que tinham acesso), e que incluíam de generais “moderados” como os que saíram no começo do Governo passado aos “bolsonaristas” da coterie do (e o próprio) Villas Bôas”, publicou Leirner.
Transição para Bolsonaro
Com os embates entre Gilmar Mendes e a Lava Jato, os militares começaram a depositar suas esperanças em Jair Bolsonaro, que viram como uma alternativa viável. A figura de Bolsonaro era vista como uma possibilidade de prolongar o mandato daqueles que o apoiavam (os generais). No entanto, a dinâmica política sofreu novas reviravoltas.
“Todo mundo ali considerava Bolsonaro uma cabeça de ponte para um “definitivo e mais limpo” projeto que enterraria o petismo de vez, primeiro como Juiz, depois consagrado na urna (avaliação duplamente equivocada deles, o que mostra bem como seus projetos nem sempre dão certo).
Taí quem botou esse horizonte abaixo.
“Gilmar sempre teve consciência de quem eram os patrões de Bolsonaro, e como eles estavam em sinergia com o Judiciário. O canal principal era a ligação do “círculo gaúcho de VB/Etchegoyen” (na ativa via CMS) e o TRF4, especialmente na figurinha carimbada do Thompson Flores (afastado ontem pelo CNJ, vamos ver se isso se confirma no plenário)”, explicou Leirner.
Descarte de Bolsonaro e Desassociação Militar
Conforme Bolsonaro enfrentava desgastes e suas políticas se afastavam dos interesses militares, especialmente após os eventos de 8 de janeiro de 2023, os militares rapidamente se distanciaram do presidente. Adotou-se o discurso de que os militares envolvidos na suposta tentativa de golpe agiram por conta própria, preservando assim a imagem da instituição.
É importante destacar que essa desvinculação não implica em uma separação dos militares da instituição como um todo, mas sim em uma mudança de estratégia diante das circunstâncias políticas.
“Gilmar não só foi o operador oculto do enterro da Lava Jato (suas entrevistas recentes apontam cada vez mais nessa direção) como, ao fazer isso, prolongou o prazo de validade que os militares deram a Bolsonaro por mais 4 anos, tornando-se a opção (que até então seria rejeitada, como deixavam subentendido Santos Cruz e outros) em 2022 (e assim entende-se porque Bolsonaro nunca falou um ‘a’ sobre Gilmar… O próprio cavalão [Bolsonaro] sabia que ali tirou a sorte grande)“, disse Leirner.
“Não é à toa que foi então que Bolsonaro começou o telecatch com o STF, deslocando para este a carga que antes era dirigida ao PT (mas, novamente, poupando Gilmar). Para o STF, por sua vez, a reabilitação política ainda tinha a conveniência de, afinal, poder de fato vencer Bolsonaro e impedir que mais dois ou três ‘tipo-Kassio’ chegassem no cafezinho do STF“, acrescentou Leirner.
Os generais, em meio a esse cenário de incertezas políticas, adotaram uma postura pragmática em prol dos próprios interesses militares. Optaram por uma estratégia de equilíbrio, posicionando-se de forma a garantir sua influência independentemente do desfecho eleitoral. Essa postura envolveu tanto uma campanha de resistência contra investidas de Bolsonaro quanto uma abertura para adaptações políticas necessárias.
“Já para os generais, não houve outra alternativa a não ser fazer o que sempre faziam: abrir uma pinça, jogar com um pé em cada canoa, e sem radicalizar demais começar a fazer a campanha de que a Instituição ‘resistia’ às investidas de Bolsonaro. Ao mesmo tempo, a própria Instituição despachava generais, coronéis e outros para o entorno deste, barbarizando, para se garantir em caso de vitória. É o famoso ‘hedge’, nada muito complexo“, comentou Leirner.
Com o retorno de Lula ao cenário político e uma aparente estabilidade institucional, os militares encontraram novas oportunidades de fortalecimento.
“Lula governa, porém, em um contexto de relativa harmonia, garantindo assim mais recursos para as Forças Armadas e uma ampliação de sua influência no PIB nacional. Enquanto isso, o STF absorve gradualmente os poderes outrora atribuídos à Operação Lava Jato“, concluiu Leirner.
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