Segundo o antropólogo Celso Castro, professor da Fundação Getúlio Vargas e um dos maiores especialistas em estudos militares do Brasil, os militares vivem em um mundo fechado que acreditam ser superior ao dos civis. Essa visão, reforçada por uma formação endógena e hierárquica, contribuiu para o retorno dos militares à política nas últimas décadas.
Em entrevista ao site Pública, por ocasião dos 60 anos do início do regime militar (1964-1985), Castro discutiu a forte separação simbólica entre militares e civis, ressaltando como essa divisão molda a identidade e a percepção dos profissionais das Forças Armadas.
Na entrevista, Castro, autor do livro “Espírito Militar”, descreve como a identidade militar se constrói em oposição à identidade civil. “Há uma cosmologia que divide o mundo em dois: o militar e o civil”, explica. “No mundo militar, tudo é organizado, patriótico e eficiente. Já no mundo civil, impera a bagunça, a desorganização e a corrupção”.
Essa visão dicotômica é reforçada, segundo Castro, pela endogenia das Forças Armadas. Endogenia aqui refere-se ao fato de que a maioria dos seus membros provém de dentro da própria instituição, isto é, são filhos, netos ou familiares de militares.
“A maioria dos cadetes é de filhos de militar, estuda em colégios militares e frequenta clubes e hospitais militares“, relata Castro. “Isso cria um círculo de giz que separa os militares dos civis, que são vistos como ‘personagens de ficção científica‘”.
Essa percepção de superioridade, somada à ideia de “salvar a pátria”, teria levado os militares a se sentirem aptos a intervir na política.
“Aqui dentro a classificação individual que você vai obter em termos de nota vai ser decisiva em todos os momentos da sua carreira. Depois que você se forma em uma determinada classificação individual, não tem empate“, ressalta Castro, evidenciando a diferença de valores e expectativas entre os mundos militar e civil.
Além disso, a percepção de que os militares são menos corruptos e mais eficientes também contribui para a visão de superioridade em relação aos civis. Para os militares, a formação básica recebida nas academias militares os prepara para qualquer missão, garantindo uma suposta eficiência que os distingue dos civis.
Exemplos dessa visão dicotômica
- Corrupção: Na visão dos militares, colar na academia é um crime grave, pois prejudica os colegas. Já na faculdade civil, colar não é visto como algo sério, pois a classificação individual não tem tanta importância.
- Eficiência: A formação militar é vista como excelente e adaptável a qualquer missão, seja Garantia da Lei e Ordem, Operação Acolhida ou até mesmo cuidar da pandemia de Covid-19.
Diante desse cenário, Castro ressalta que a geração de militares que retornou à política recentemente, como ministros e figuras de destaque, é profundamente influenciada por essa visão de mundo fechado e desigual. A crença na superioridade militar e a percepção dos civis como menos eficientes e mais corruptos alimentam o desejo de voltar ao poder e adquirir influência política.
A visão de mundo dos militares, caracterizada por um “círculo de giz” que os separa dos civis, contribuiu, segundo Castro, para o seu retorno à política nas últimas décadas.
Fonte: Pública