Ministra Carmen Lúcia, do STF
Nessa quarta-feira (22), o Supremo Tribunal Federal (STF) esteve avaliando uma solicitação da Procuradoria-Geral da República (PGR) para proibir a desqualificação de mulheres em processos de investigação e julgamento de delitos contra a dignidade sexual feminina.
A PGR busca assegurar que o STF vete qualquer inquirição sobre o passado sexual das vítimas ou seu modo de vida durante tais procedimentos.
A demanda foi apresentada ao STF por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1107, sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia.
A PGR sustenta que a tática de desqualificar a vítima, ao escrutinar e divulgar seu comportamento e estilo de vida, pode induzir a juízos errôneos sobre se algumas mulheres merecem ou não a tutela judicial contra a violência experimentada, sendo que o critério decisivo a ser considerado deve ser o consentimento.
A PGR exemplifica com um incidente de grande repercussão em que, durante uma audiência de um suposto caso de estupro, o comportamento de uma mulher de Santa Catarina foi posto em xeque pelo defensor do réu.
De acordo com a PGR, o advogado adotou uma postura intimidadora e, para deslegitimar a acusação, exibiu imagens da vítima tidas por ele como “inadequadas“, apesar de não terem conexão com o caso, e ainda a acusou de “utilizar sua virgindade como ferramenta de autopromoção nas redes sociais“.
Apesar dos apelos da vítima para que cessasse a exposição feita pelo advogado, nem o magistrado nem os representantes do Ministério Público (MP) ou da Defensoria Pública intervieram.
Segundo a PGR, esse tipo de narrativa persiste porque encontra brechas para tal, “em ambiente que precisaria ser garantidamente seguro, porque mediado pelo poder público”.
A PGR solicita que seja vedado às partes e seus defensores mencionar o histórico sexual ou o estilo de vida das vítimas durante o processo, e que o juiz responsável atue decisivamente para interromper tal conduta, notificando as autoridades pertinentes para que investiguem a responsabilidade penal e administrativa do acusado, além de ignorar tais argumentos na decisão final.
A deslegitimação da vítima de um crime sexual, como possa ser um estupro (o mais violento de todos), encontra eco em visões popularescas do que se chama atualmente “masculinidade tóxica” ou simplesmente machismo.
É uma tática malabarística para se inverter o ônus da culpa e descolá-lo do agressor, fixando-o na vítima. Tática essa, que às vezes dá certo.
Assim aconteceu com o suposto estupro da catarinense Mariana Ferrer em 2018. A partir da repercussão do caso nasceu o termo tragicômico “estupro culposo”, cunhado por uma matéria do Intercept, que “denunciava o modo brutal e humilhante com o qual o advogado de defesa do agressor se referia à vítima.”
A decisão do STF sobre a (ADPF) 1107 pode pôr um fim à “cultura” do “merecia ser estuprada”.