Obs: Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Revista Sociedade Militar. Sua publicação tem a intenção de estimular o debate sobre o quotidiano militar/político/social e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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2020 – O que esperar?
Desde o início do ano pensava em redigir algum artigo, porém devido ao último feriado e atividades profissionais isso acabou tardando um pouco; entretanto com os últimos acontecimentos narrados pela imprensa envolvendo um chamamento para manifestações no dia 15 de março, entendi que o momento era oportuno.
Embora o artigo seja uma humilde análise de certos assuntos que aparentam ter apenas relação com a política, não se pode esquecer que existem reflexos dos temas envolvendo a sociedade e o Direito, motivo pelo qual a estrutura deste escrito será a de um artigo jurídico.
Quanto ao interesse da advocacia pelos temas, a situação é plenamente possível, pois o Direito do ponto de vista de uma ciência social não pode considerar os ordenamentos sem avaliar seu destinatário final (indivíduo/sociedade), e o advogado além de ser essencial à administração da justiça (Art. 133, CF), “no seu ministério privado […] presta serviço público e exerce função social” (Art. 2°, §1°, Lei n° 8.906/94); neste sentido a literatura de NEVES(1) complementa sobre a importância da advocacia, dizendo que os advogados protegem os homens do seu maior inimigo que é próprio homem.
Sobre a política somente menciono um pensamento de Platão onde “Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”(2).
Acrescento ainda que como de praxe o presente artigo apresentará apontamentos jurídicos, citações de literaturas diversas, indicação de notícias, vídeos e matérias jornalísticas, tudo devidamente citado, com o objetivo de melhor alicerçar o texto e permitir ao leitor por si só ao acessar algum dos conteúdoscriar sua linha de raciocínio autônoma.
1 – Os polêmicos vídeos do início de 2020.
Tentando melhor entender a polêmica evolvendo os vídeos (3)/(4) que conclamam pessoas a se reunirem no dia 15/Mar serão citadas várias reportagens referentes ao tema, todas elas com os links de acesso, onde o leitor poderá fazer o respectivo acesso, e por si só chegar as suas considerações.
É possível se concluir salvo engano, após ver na internet reportagem(5) da Jornalista Vera Magalhães de 25/Fev no site “BRPolítico”, e o programa(6) o “É da Coisa” do Jornalista Reinaldo de Azevedo de 27/Fev, que além dos vídeos terem sido disponibilizados, o atual Presidente teria os compartilhado, e que também circulam certos cartazes com posicionamentos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) conforme escrito na reportagem(7) do jornalista Humberto Trezzi do “GaúchaZH” de 26/Fev; motivos pelos quais tais situações foram repudiadas por ministros do STF, políticos e entidades da sociedade civil, informou matéria(8) do portal “G1” de 28/Fev. Posteriormente em uma live(9) de 27/Fev. o Presidente informa que os vídeos foram de anos anteriores, no que a jornalista Vera Magalhães na mesma data replicou no Telejornal(10) da TV Cultura dizendo que os vídeos eram atuais.
A conclusão, como já dito é do leitor; acredito que como advogado devo falar sobre a “reunião de pessoas”, onde a Carta Magna diz que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (Art. 5°, Inc. XVI, CF). É importante lembrar que mesmo previsto na constituição tal direito não é sem limites; além das exigências previstas no artigo, se deve atentar dentro de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade para eventuais colisões com outros direitos.
Existem muitas considerações que poderiam ser feitas, porém a mais importante no momento, talvez seja o elemento objetivo que compõe o direito de reunião, explicado por MASSON em seu Manual de Direito Constitucional, em que “para ser constitucionalmente legítima a reunião deverá ser pacífica e sem armas. Não pode haver conflagração física nem violência (a não ser que esta seja externa, sendo deflagrada por pessoas estranhas ao agrupamento)”(11).
Além do elemento objetivo acima apresentado, existe outra questão que não pode ser esquecida quando lidamos com a livre manifestação de pensamento (Art. 5°, Inc. IV, CF) e a liberdade de reunião (Art. 5°, Inc. XVI, CF), que é a controversa lei n° 7.170/83 (crimes contra a segurança nacional).
A lei sobredita possui artigos, dentre os quais o Art. 22, Inc. I, II e IV (fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa, ou de qualquer dos crimes previstos na lei); o Art. 22, § 2°, alínea “b” (distribuir ou redistribuir ostensiva ou clandestinamente boletins ou panfletos contendo a mesma propaganda); o Art. 23, Inc. I a IV (incitar à subversão da ordem política ou social; à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições; à luta com violência entre as classes sociais; e a prática de qualquer dos crimes previstos na Lei); e o Art. 26 (caluniar ou difamar o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação).
A lei que define os crimes contra a segurança nacional possui muitos outros artigos, parágrafos, incisos e alíneas, entretanto considero s.m.j os acima apresentados os mais relevantes em função da polarização existente, dos cartazes que já circulam, e de todo o contexto pelo qual o país atualmente está passando.
Destaco ainda que as pessoas de um modo geral podem continuar a fazer críticas ou debates de quaisquer doutrinas conforme o Art. 22, §3°, da lei em tela; desde que não hajam condutas tipificadas pelos delitos já apresentados.
Embora considere que a lei acima possa quando indevidamente interpretada, ocasionar consequências negativas e diretas sobre a livre manifestação de pensamento e a liberdade de reunião, tal legislação se encontra em vigor, e como vemos nos noticiários algumas vezesfatos são relacionados a essa norma.
A questão básica que toda pessoa precisa entender é que não existe lei que se aplique para o cidadão x e para o y não; nem posicionamento legal para um determinado alinhamento ideológico e para outro não; afinal como já dito por Salvador Allende “no basta que todos sean iguales delante de laLey, es necesario que laLeysea igual delante de todos”(12) (traduzindo, não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos).
Pelo exposto, além de particularmente não concordar com quaisquer atos que possam implicar ou estimular em sentimentos contra os poderes da República e contra o STF; entendo também por força de ofício que além de dizer o que é ou não é permitido, devo mencionar também aquilo que é melhor para a pessoa, visto que até a presente data não tenho conhecimento de que fervor ideológico tenha servido para isentar uma pessoa de um procedimento judicial e/ ou administrativo, ou que a camiseta canarinho tenha servido como um “manto sagrado” protetor contra qualquer mal.
Em resumo, o momento pede um ânimo sereno e cauteloso.
2 – Os fatores preocupantesde 2020.
Recentemente fui convidado a opinar sobre o fato de que uma pessoa teria sido parada no meio da rua e possivelmente sido ameaçada em função de ideologias diferentes; onde disse que já faz tempo que existem certos fatores que podem causar problemas para a sociedade em geral e para a nossa democracia.
Alguns dos fatores que serão mostrados adiante a princípio jápoderiam ser visíveis desde o ano de 2018 na última campanha presidencial que foi marcada talvez de forma inédita mais por um sentimento contra o passado, do que pela procura de propostas para o futuro, conforme a narrativa do livro de MOURA e CORBELLINI(13), na qual se verifica quesomente no período que antecedeu a 64 foi visto um esvaziamento tão alarmante do centro e um aumento dos extremos (direita x esquerda).
Não pretendo fazer juízo de valor, nem dizer sobre os governos, deixarei ao leitor a liberdade de fazer ou não essa análise. Apenas direi de forma muito particular, após longa pesquisa quais os fatores que considero, salvo engano,perigosos para a democracia, e que seriama crise econômica, a falta de revisão histórica do período da ditadura de 64/ pedidos de intervenção militar,o desapreço pela política, o aumento do preconceito social, uma eventual militarização do governo, a extrema e belicosa polarização da sociedade, o conflito de ideologias (direita x esquerda),a eterna luta contra um comunismo ameaçador do país, o uso das religiões, oculto a um salvador da pátria/ popularidade, o nacionalismo exacerbado,o recrudescimento do eterno discurso anticorrupção, um controle sobre a livre manifestação de pensamento, e restrições à liberdade de informação.
A crise econômica.
Uma coisa transparente é o fato de que a crise econômica talvez seja um dos principais e primeiros fatores que atingem e fazem gerar reclamações dentro da sociedade. Uma grande parte das pessoas não sente o impacto de restrições à liberdade de expressão, etc., masquando isto atinge o salário ao ponto do mesmo não dar mais até o final do mês, aí sim a população reclama, e é justamente nesta hora que uma campanha ideológica pode facilmente gerar aquele sentimento onde todas as tristezas de alguém são de responsabilidade do outro.
A título de conhecimento acrescento que nas pesquisas deste artigo, consegui encontrar um documentário(14) onde é possível ser visto que a grande crise passada pelo Japão e que antecedeu o período da segunda guerra mundial, ocasionou um movimento nacionalista de ultradireita, que teve grande influência nos ataques que introduziram o país no conflito.
Falta de revisão histórica do período da ditadura de 64/ pedidos de intervenção militar.
Entendo que somente uma falha no conhecimento possa levar pessoas a pedir o retorno de um regime ditatorial, pois preciso concordar com Rui Barbosa quando dizia que “a pior das democracias é preferível que à melhor das ditaduras”(15) e com o anterior Presidente da OAB, Dr. Claudio Lamachia quandomencionava que “para os males da democracia, mais democracia. Não podemos repetir os erros do passado”(16).
Tentando entender por quais motivos não foi feito uma profunda revisão histórica, com a devida divulgação de todos os fatos referentes ao período de 1964 a 1985, encontrei a resposta na literatura “Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil hoje” de ABRANCHES (diversos autores), onde o Prof. Daniel Aarão Reis da Universidade Federal Fluminense escreve:
O que se perguntava era o seguinte: valeria a pena incentivar a discussão e a memória sobre aqueles tempos sombrios, e ainda tão recentes, dos quais a grande maioria queria tomar distância? O procedimento não poria em risco a própria transição democrática, na medida em que nela se haviam integrado tantos líderes políticos e militares que haviam servido fielmente à ditadura?(17)
Essa falta de revisão histórica, somada com uma campanha ideológica pode levar a pedidossolicitando uma intervenção militar, uma situação repudiada até por líderes militares. Preciso acrescentar que algumas pessoas até explicam que quando viviam naquele período nunca se sentiram incomodadas, pois viviam do trabalho para casa, porém pergunto e se essa mesma pessoa fosse crítica ao sistema? E o mais importante. Por que não?
O desapreço pela política.
De forma surpreendente quase sempre os períodos que antecedem perigos para a democracia são antecedidos de discursos desprestigiando a arte política, entretanto considero como muito benéfica a divisão de poderes na nossa forma de governo republicana, divisão esta inspirada na obra D’espritdeslois (tradução: O espírito das Leis) de Montesquieu, onde na doutrina de CUNHA JUNIOR consta que “o escritor francês admitiu que o homem investido no poder tende naturalmente a dele abusar até que encontre limites. E afirmou que o poder só pode ser limitado pelo próprio poder (lepouvoirarrêtelepouvoir)”(18).
O aumento do preconceito social.
O preconceito mencionado herança do nosso sistema escravocrata encontrou uma palavra para fazer camuflagem e justificação; a meritocracia, utilizada algumas vezes para justificar privilégios de alguns, que nutrem desta forma um sentimento de superioridade, retirando do Estado toda e qualquer obrigação e colocando aos mais humildes a responsabilidade de todas as suas tragédias; explicação esta que pode ser lida na obra de SOUZA, com o complemento de que “em cada 100 pobres, um ou outro consegue, superando obstáculos gigantescos e guiados por um extraordinário instinto de sobrevivência, ascender socialmente por meio do estudo”(19).
Uma eventual militarização do governo.
Entendo que em tese não existe problema de que cargos que sejam de livre nomeação possam serpreenchidos por militares da reserva, afinal a capacitação dos mesmos em geral, é muito boa; porém é preciso uma certa cautela para que hábitos típicos da caserna não passem a integrar a administração pública civil; bem como que não se dê a impressão que as Forças Armadas estariam sendo responsáveis direta/indiretamente pela sustentação do governo, pois isto poderia causar a essas instituições a responsabilidade por eventuais erros futuros.
Considero ainda ser extremamente importante que todo cidadão brasileiro seja devidamente politizado para que saiba escolher corretamente seus representantes no legislativo (Senadores, Deputados e Vereadores), mas uma coisa é o cidadão (eventualmente militar) ser politizado, outra coisa éas instituições de Estado passarem a sofrer um processo de politização (o que é errado).Mister lembrar que o militar da reserva ao assumir um cargo em qualquer governo não pode utilizar suas designações hierárquicas (Art.28, Inc. XVIII, alínea “e”, lei n° 6.880/80), nem tão pouco influenciar os trabalhos do Poder Legislativo, ou qualquer decisão do Judiciário.
Sobre as Forças Armadas brasileiras, preciso fazer constar o meu apreço e estima pelas mesmas, por considerar que a existência delas, além de benéfica é imprescindível, considerando a extensão territorial do Brasil, seus vazios demográficos e as inúmeras áreas perigosas/ insalubres existentes.
A extrema e belicosa polarização da sociedade.
Talvez possa estar errado, porém arrisco dizer que as eleições de 2014 já apresentavamuma grande polarização, e isto foi continuamente crescendo, em especial no processo eleitoral de 2018, situação esta ques.m.j não apresenta em curto prazo sinais de diminuição.
É sempre o “nós contra eles”, direita x esquerda, e assim vai; parece que as últimas eleições não terminaram e que ainda estamos em campanha eleitoral, só que agora ad eternum; onde alguns escritores mencionam que essa situação de polarização não acontece só no Brasil, que a internet colabora muito com isso, e que cada vez mais o ser humano sente necessidade de fazer parte de um grupo, e ao fazer isso absorve todos os adversários dele.
Possivelmente somente com um grande esforço da sociedade, deum governo para todos, de um discurso mais inclusivo e com um melhor enfoque para a liturgia de certos cargo, a situação talvez fosse se amenizando em médio prazo, sendo interessante neste ponto a lição de Antoine de Sant-Exupéry, autor de “O Pequeno Príncipe”, onde consta que “[…] você se torna para sempre responsável por aquilo que cativou”(20).
Preciso fazer registrar, que respeito de forma extremada a Presidência da República, a minha preocupação como advogado é com a democracia, pois me alarma o aparente ressurgimento de grupos extremamente radicais que flertam com o autoritarismo e que parecem querer impor suas ideias, não aceitando o contraditório e a liberdade de expressão.
Como no mundo jurídico a melhor forma de explicar algo é através de exemplos, menciono o renomado e já falecido advogado Pedro Aleixo, que na época do AI-5, quando era Vice-Presidente de Costa e Silva, disse conforme as memórias de CHAGAS, o abaixo:
“o ministro da Justiça interromperia o vice-presidente da República para indagar: “Mas, Dr. Pedro, o senhor desconfia das mãos honradas do presidente Costa e Silva, a quem caberá aplicar o Ato Institucional?” A resposta do velho advogado: “Das mãos honradas do presidente da República, jamais. “Desconfio é do guarda da esquina”…” Uma evidência de que, nas ditaduras, muita gente age em nome do ditador sem que ele tome conhecimento.”(21)
O conflito de ideologias (direita x esquerda).
Uma das consequências diretas da polarização é o conflito de ideologias que utiliza em pleno ano de 2020 conceitos já totalmente ultrapassados. Neste sentido preciso citar os ensinamentos de ORLEANS e BRAGANÇA(22), onde se compreende que as expressões “direita e esquerda” surgiram no século XVIII, na verdade apenas para definir a posição de certos grupos políticos dentro da Assembleia Nacional Francesa daquela época, e que no decorrer dos tempos passaram a ocorrer diversas variações nestes conceitos, motivo pelo qual considerando a estratificação da sociedade brasileira e as suas consequências no mundo político; o encaixe taxativo de uma pessoa no segmento direita ou esquerda pode ser errôneo e ultrapassado; de modo que alguns leitores talvez se sintam como este advogado, que não se identifica nas ideologias determinadas pela massa popular.
A eterna luta contra um comunismo ameaçador do país.
Outra consequência da polarização e do conflito de ideologias é o reaparecimento do temor comunista que a historiadora e cientista política Heloisa MurgelStarling no já citado livro de ABRANCHES (diversos autores),explica:
“Mas reinventar o anticomunismo nos dias de hoje acende a luz vermelha e pode ter um ônus pesado para a democracia. No Brasil atual, comunismo é, para dizer o mínimo, um anacronismo. Surpreendentemente, porém, o apelo repercutiu com força na sociedade, se projetou por todo lado e muita gente ficou em polvorosa. Uma, o anticomunismo é manipulado presentemente no país de modo a mobilizar diversos preconceitos de ordem moral e política em diferentes grupos sociais. Seu conteúdo é vazio: serve para nomear e desqualificar genérica e literalmente o opositor – independente de quem seja.”(23)
O uso das religiões.
O Brasil é um Estado Laico, deste modo não pode possuir religião oficial, nem criar quaisquer distinções/ preferências entre estas e também seus seguidores, sendo vedado ainda qualquer tipo de subvenção ou estabelecimento de cultos religiosos em função do Estado, não podendo ainda os atos da administração pública serem guiados por motivos religiosos (Art. 19, Inc. I a III, CF).
Compondo ainda o conceito do Estado Laico é preciso dizer que existem garantias constitucionais no tocante a liberdade de consciência, de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos (Art. 5, Inc. VI, CF). Chamo a atenção que liberdade de consciência faz referência a liberdade que o cidadão tem para escolher seus ideais ou convicções políticas, filosóficas e ideológicas, e a liberdade de religião está relacionada a escolha das mesmas.
O preocupante é o eventual uso da religião como uma justificativa para a implementação de políticas públicas, afinal como já alertado pelo Prof. Leandro Carnal(24) os homens já praticaram grandes atrocidades em nome de Deus, apesar de Deus e contra Deus. As decisões abaixo constantes no livro de Direito Constitucional de OLIVEIRA(25) são interessantes e fazem menção ao tema.
“Brasil é uma República Laica, absolutamente neutra quanto às religiões” (STF, ADPF 64/DF, Plenário, j. 12.04.2912, rel. Min. Marco Aurélio, Dje 30.04.2013).
“A proteção de Deus no preâmbulo não tem força normativa (não é norma central)”. (STF, ADIn 2.076/AC, Pleno, j. 15.08.2002, rel. Min. Carlos Veloso, DJU 08.08.2003).
O culto a um salvador da pátria/ popularidade.
Não posso dizer por outros países, mas no Brasil a população aparenta gostar da ideia de um salvador da pátria, alguém quase que sobrenatural que por meio de seus dons pudessesolucionar todas as questões, e devido a isto essa figura emblemática deveria receber atitudes submissas, pois o seu dizer seria também acompanhado de um gigantesco apoio popular.
Sobre o fato de uma grande popularidade poder legitimar qualquer conduta como correta, preciso dizer que não necessariamente, pois a história mundial tem exemplos de líderes que tinham grande apoio popular e que geraram grande sofrimento ao mundo (ex.: Stálin, Hitler, etc.).
Em pleno ano de 2020 ainda preciso explicar que os apontamentos deste artigo não estão sendo direcionados a pessoas específicas.
O nacionalismo exacerbado.
Acredito que todos devem respeitar os símbolos e o país em que habitam, sendo extremamente salutar um esforço nacional para que o bem comum possa ser alcançado. O problema é quando o nacionalismo se torna uma obsessão, pois quase de forma unânime todos os governos que abandonam a democracia adotam um nacionalismo radical que passa a ser incorporado no seu estilo de governo, onde se aumenta o sentimento de unidade, bem como se atenuam eventuais mazelas e arbitrariedades em função do chamado “bem do país”.
Acredito ser interessante citar a forma de pensar do escritor Paulo Coelho, externada durante uma entrevista(26) a BBC News Brasil, onde na figura de um cidadão dentro de uma democracia semidireta se deve e se precisa amar o país, porém não se tem a obrigatoriedade de gostar de tudo que o governo diz.
O recrudescimento do eterno discurso anticorrupção.
Dizer que a corrupção foi inventada nos últimos tempos não é verdade, desde o período colonial o Brasil sofre desse mal, motivo pelo qual acho benéfica que instituições ligadas ao Estado realizem as necessárias atividades para o controle da administração pública sem ideologias, interesses políticos e interferências eleitorais.
Controle sobre a livre manifestação de pensamento.
Conforme já mencionado em um dos fatores acima a liberdade de consciência faz referência a liberdade que o cidadão tem em ter suas ideais, convicções políticas, filosóficas e ideológicas (Art. 5°, Inc. VI, CF), e uma das consequências dessa liberdade é a livre manifestação de pensamento (Art. 5°, Inc. IV, CF) que não pode ser manipulada, ou seja, se uma pessoa escreve algo, isso não pode ser considerado errado somente porque não agrada A, B ou C, afinal como NEVES escreve “A vida sem críticas leva, em regra, aos excesso”(27).
Restrições à liberdade de informação.
Citando mais uma vez a doutrina de CUNHA JUNIOR “o direito de liberdade de informação deve compreender três aspectos essenciais, a saber: o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado”(28).
Dos citados destaco o direito de informar (Art. 220, caput, CF) que é exercido atualmente de diversas formas e que consiste na disseminação das notícias e nelas apresentar comentários/ críticas, não podendo haver interferências do Estado sobre quais notícias devem ser transmitidas, bem como censura, sendo garantido ao profissional da imprensa críticas e comentários sobre o assunto disseminado, é a chamada liberdade de informação jornalística.
Pelo exposto, restrições à liberdade de imprensa que algumas podem começar por uma demonização da atividade, ocasionariam um prejuízo à democracia, pois conforme entendimento do STF “A liberdade de informação e de imprensa são apanágios do Estado Democrático de Direito”(29).
3 – Conclusão.
Podemos concluir após a leitura do texto, que foi redigido utilizando a constituição, leis, doutrinas, jurisprudências, reportagens, vídeos, etc., que:
- Se as manifestações previstas pra o dia 15/Março confirmarem o clima de beligerância e indiquem oposição aos Poderes da República e ao STF, dependendo da crítica e da interpretação, os atos podem ter repercussão negativa para a democracia, além de haver a possibilidade de um eventual enquadramento na Lei n° 7.170/83 (crimes contra a segurança nacional). Repito que como advogado não posso concordar com quaisquer atos que possamestimular ou implicar em atos contra os poderes da República e o STF.
- Caso os fatores apresentados para 2020 se confirmem, o agravamento dos mesmos pode ocasionar consequências para a democracia, sendo imprescindível ainda mencionar que a exposição dos fatores apresentados não implica emcríticas específicas a governos/pessoas; os mesmos são fruto de uma análise dentro de um panorama jurídico/histórico que utilizou a legislação, doutrinas, literaturas e reportagens.
Para finalizar é preciso dizer que sei que muitas vezes o cidadão brasileiro pode sentir a vontade de utilizar uma expressão dita por CONSTANTINO, que é “o Brasil cansa”(30), porém é preciso manter a calma e o bom ânimo. Por mais que tenhamos a impressão de estarmoscaminhando contra o vento,precisamos confiar que nossas instituições sabem proteger a democracia, afinal por mais que os tempos possam eventualmente parecer sombrios; vai passar.
“Meu ideal político é a democracia, para que todo homem seja respeitado
como indivíduo e nenhum venerado.”(31) (Albert Einstein)
Cachoeiras de Macacu (RJ); 06 de março de 2020.
Alessandro M. L. José / Advogado – OAB/RJ 215918
(O autor é advogado atualmente Presidente da Comissão de Direito Militar da 49ª Subseção da OAB/RJ, Pós- Graduado em Direito Penal/ Proc. Penal; Constitucional/Administrativo; Pós-graduando em Ciências Penais. Email: [email protected])
Obs: Esclarece-se que o presente artigo tem um caráter informativo/ técnico, objetivando uma análise jurídica do panorama atual da sociedade brasileira; tendo sido redigido pelo que subscreve, na condição de Advogado que também é Presidente da Comissão de Direito Militar da 49ªSubseção-OAB/RJ, utilizando as prerrogativas do Art. 133 da CF e do Art. 7°, §2°, do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94) – (imunidade profissional); não tendo havido pretensão de críticas a quaisquer pessoas físicas/ jurídicas/ instituições públicas; nem tão pouco a nobre missão das Forças Armadas, a estrutura de trabalho, ou a hierarquia e disciplina das mesmas.
Cópias:Ilm°. Sr. Presidente da 49° Subseção da OAB/RJ e Presidente da Comissão de Prerrogativas da Seccional OAB/RJ = Para conhecimento e, se necessário, defesa deste advogado, contra eventuais retaliações praticadas pelo governo brasileiro e seus segmentos.
Referências.
1- NEVES, José Roberto de Castro. Como os advogados salvaram o mundo. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018. 20p.
2- Pensador. Platão. Disponível em <https://www.pensador.com/frase/ODkzOTg/>. Acesso em: 29Fev. 2020.
3- Vídeo de ativistas convoca manifestação de apoio a Bolsonaro em 15 de março. Poder 360. Youtube. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=8ohHAXJevMI>. Acesso em 28Fev. 2020.
4- Vídeo de ativistas convoca manifestação de apoio a Bolsonaro em 15 de março. Poder 360. Youtube. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=8ohHAXJevMI>. Acesso em 28Fev. 2020.
5- Bolsonaro manda vídeos por WhatsApp convocando para ato anti-congresso. BR Político por Vera Magalhães e Marcelo de Moraes. Disponível em <https://brpolitico.com.br/noticias/bolsonaro-manda-video-convocando-para-ato-anti-congresso/>. Acesso em 28Fev. 2020.
6- O É da Coisa, com Reinaldo Azevedo – 27/02/2020. Youtube. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=eX4MLKvtacw>. Acesso em: 28Fev.2020.
7 – Tensão em Brasília. GaúchaZH. Disponível em <https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2020/02/militares-concordam-com-criticas-ao-congresso-e-stf-mas-rejeitam-lideranca-de-mobilizacao-ck73okioa0mch01qdp2kp683x.html>. Acesso em 28Fev. 2020.
8 – G1. Globo. Santa Catarina. Disponível em < ‘Mares não estão tranquilos, porque vídeos são divulgados, redes sociais se incandescem’, diz Mourão>. Acesso em 28 Fev. 2020.
9 – Bolsonaro critica imprensa e diz que quer limitar entrevistas de ministros. Poder 360. Disponível em <https://www.poder360.com.br/midia/bolsonaro-critica-imprensa-e-diz-que-quer-limitar-entrevistas-de-ministros/>>. Acesso em 02Mar. 2020.
10 -Jornal da Cultura | 27/02/2020. Youtube. Dispnível em <https://www.youtube.com/watch?v=hceguVjAO8Y>. Acesso em: 02Mar.2020.
11- MASSON. Nathalia. Manual de direito constitucional. 4. ed. rev. ampl. atual. Salvador: JusPODIVM, 2016. 267p.
12- Salvador Allende. Wiquicote. Disponível em https://pt.wikiquote.org/wiki/Salvador_Allende. Acesso em: 02Mar. 2020.
13 -MOURA, Maurício; CORBELLINI, Juliano. A eleição disruptiva: Por que Bolsonaro venceu. 1. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2019. 1p et seq.
14- Documentário Grandes momentos da segunda guerra em cores. Pearl Habour. Netflix. Disponível em <https://www.netflix.com/br/title/80989924>.Acesso em 03Mar. 2019.
15- Quem disse. Rui Barbosa. Disponível em <https://quemdisse.com.br/frase/a-pior-democracia-e-preferivel-a-melhor-das-ditaduras/54762/>. Acesso em 28Fev. 2019.
16- Para os males da democracia, mais democracia. Disponível em <https://www.editorajc.com.br/para-os-males-da-democracia-mais-democracia/>. Acesso em: 28 Fev.2020.
17- ABRANCHES, Sergio et al. Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil hoje. 1. Ed. São Paulo: Companhia dasletras, 2019. 275p.
18 -CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 10. Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016. 882p
19- .SOUZA, Jesse. A classe média no espelho. Livro Digital. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2018. 3464p.
20- SAINT-EXUPÉRY. Antoine de. O Pequeno Príncipe – Com aquarelas do autor. 1. Ed. São Paulo: Ciranda Cultural, 2017. 74p
21- CHAGAS, Carlos. A ditadura militar e os golpes dentro do golpe: 1964 -1969. Livro digital. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2014. 6827p. Grifei.
22- DE ORLEANS E BRAGANÇA. Luiz Philippe. Por que o Brasil é um país atrasado?. Livro Digital. Ribeirão Preto (SP): Novo Conceito Editora, 2017. 1485p.
23- ABRANCHES, Sergio et al. Democracia em risco?: 22 ensaios sobre o Brasil hoje. 1. Ed. São Paulo: Companhia dasletras, 2019. 275p. Grifei.
24- LEANDRO KARNAL – “Nós matamos em nome de Deus, nós matamos apesar de Deus e contra Deus”. Youtube. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=WW46XRKfNAY>. Acesso em 04Mar. 2020.
25- OLIVEIRA, Erival da Silva; ARAUJO JR. Marco Antônio (Coord.); BARROSO, Darlan (Coord). Direito constitucional – Coleção elementos do direito. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos tribunais, 2015. 37p.
26- Youtube. BBC News Brasil. Paulo Coelho. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=f9esQy-3-_4. Acesso em 09 Out. 2018.
27- NEVES, José Roberto de Castro. Como os advogados salvaram o mundo. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018. 83p.
28- CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 10. Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016. 597p
29- Tribunal:STF. Processo:Rcl 28747 Agr / Pr – Paraná. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Órgão Julgador:1ª Turma. Data do Julgamento:05/06/2018. Data de Publicação:12/11/2018. Tipo:Acórdão. Disponível em <https://oabjuris.legalabs.com.br/process/bc38ccc57614e52711d3898eab5ec67a0cac85181f0411f25d1a34eba0e5b2a4?searchId=157505c1-f4fb-45c6-8d51-b6a1536e8516>. Acesso em 06Mar. 2020.
30- CONSTANTINO, Rodrigo. Brasileiro é otário? O alto custo da nossa malandragem. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2016. 242p.
31- Frases de Albert Einstein. Kdfrases. Disponível em <https://kdfrases.com/frase/139062>. Acesso em 06Mar. 2020.
Obs: Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Revista Sociedade Militar. Sua publicação tem a intenção de estimular o debate sobre o quotidiano militar/político/social e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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