Em uma entrevista reveladora à equipe de jornalismo da Organização das Nações Unidas, o General brasileiro Santos Cruz, comandante da força internacional das Nações Unidas no Haiti entre 2007 e 2009, compartilhou sua visão sobre a crise contínua no país caribenho, que já dura décadas e para alguns, no que diz respeito à criminalidade, tem algumas semelhanças do que ocorre no Brasil. O general, que também trabalhou em missões de estabilização na República Democrática do Congo e na Ucrânia, discutiu a complexidade das intervenções internacionais e as abordagens que devem ser utilizadas
Santos Cruz foi Secretário Nacional de Segurança Pública em 2017, durante o governo de Michel Temer. Ingressou no governo Bolsonaro em janeiro de 2019 como chefe da Secretaria de Governo e foi exonerado em junho. A escolha foi praticamente por aclamação da militância bolsonarista. O oficial era visto como alguém da “linha dura”, entretanto ao desembarcar do governo alguns meses depois já havia se tornado uma espécie de vilão.
Carlos Alberto dos Santos Cruz hoje é uma das vozes mais críticas contra o bolsonarismo. Entretanto, continua com alto status perante as Nações Unidas e comunidade internacional e presença constante em debates sobre operações de paz.
O oficial, que registrou suas ações e sugestões no relatório conhecido como Santos Cruz report, é defensor de um posicionamento mais ousado das tropas em territórios sob controle da ONU, para Santos Cruz as tropas da ONU precisam se engajar em combates de forma proativa, se não fizerem isso estão se colocando em risco.
“A segurança deve ser criada pela ação e não pela mera presença. Liderança sênior que não conduz estas operações devem ser rapidamente responsabilizadas… Para melhorar a segurança, as missões devem identificar ameaças à sua segurança e tomar a iniciativa, usando todas as táticas, para neutralizar ou eliminar as ameaças. As missões devem ir onde a ameaça está, para neutralizá-la… ”
Problemas estruturais
Na entrevista à ONU o general descreveu a situação no Haiti como crônica, marcada por uma série de intervenções internacionais e missões de auxílio que, ao longo dos anos, não conseguiram resolver os problemas estruturais do país. Ele enfatizou que a violência no Haiti tem raízes políticas e que a presença de forças internacionais pode, no máximo, oferecer apoio técnico ao governo e catalisar assistência financeira. No entanto, o general foi categórico ao afirmar que a solução definitiva para os problemas do Haiti deve vir dos próprios haitianos.
Quanto à possibilidade de uma nova intervenção internacional no Haiti, o general destacou a importância do prestígio e da autoridade da ONU, questionando a capacidade de qualquer outra organização de coordenar efetivamente tal missão. Ele argumentou que qualquer operação internacional deve ser aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU e que os modelos de missão anteriores, já desgastados, precisam ser revistos para incluir parâmetros de responsabilização e alinhamento com as iniciativas do governo local.
A distinção entre criminosos e civis
O general também abordou a questão operacional de uma intervenção, ressaltando a necessidade de inteligência operacional robusta e um relacionamento estreito com as autoridades haitianas. Ele enfatizou que a distinção entre criminosos e civis é crucial e deve ser feita por especialistas para evitar mais sofrimento à população haitiana.
Ao ser questionado sobre conselhos para o novo comandante designado para o Haiti, o General Santos Cruz disse que não tem conselhos específicos a oferecer, pois acredita que os comandantes chegam bem preparados para suas missões. No entanto, ele destacou a importância de compreender o contexto haitiano e de se dedicar não apenas à luta contra a criminalidade, mas também ao bem-estar do povo haitiano.
“Mas é fundamental que essas pessoas, desde que são designadas, elas entendam contexto e que entendam que não vão lá só para combater a criminalidade. Você vai lá para dedicar a sua vida, o seu coração, o seu idealismo, você vai dedicar ao povo haitiano. Combater os criminosos é a parte mais fácil. “
Em suas palavras finais, o general reiterou a necessidade de uma missão internacional extremamente bem coordenada, com parâmetros claros de responsabilização e uma colaboração intensa com o governo local. Ele concluiu que, embora as missões internacionais possam oferecer apoio, a verdadeira solução para a crise haitiana depende da atuação do próprio governo do Haiti.
“O que vai resolver o problema é o comportamento do governo local. Não é exatamente a missão. A missão vai apoiar em alguns fatores, mas a solução vai depender da performance local. Isso precisa ser muito bem definido. Qual é a contrapartida de performance do governo local?”
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar