As palavras do Almirante Olsen ao se referir aos marinheiros que protagonizaram a Revolta da Chibata demonstram que a cúpula da armada, mais de 100 anos depois do episódio, ainda considera o evento algo extremamente traumático e delicado para a Marinha do Brasil.
A Marinha, como sabem aqueles que lá serviram, não reconhece João Cândido como o líder da rebelião, trata todos os participantes da revolta igualmente como insurgentes e rebelados, evitando dar o título de líder a um ou outro, justamente para evitar aumentar o status de João Cândido.
Na carta endereçada ao presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputado na última segunda-feira, 22 de abril, o comandante da Marinha se refere a João Cândido e outros insurgentes como abjetos e chantagistas.
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Clique aqui para seguirO oficial, formado na Escola Naval no fim dos anos 70, aprendeu sobre a Revolta da Chibata, junto com seus contemporâneos, em textos escritos pelo Almirante Hélio Leôncio, que retratou o episódio como “uma exibição macabra”.
Trecho do texto do Vice-Almirante e Historiador Helio Leoncio Martins, publicado na Revista Marítima Brasileira na edição de dezembro de 2010, ao completar-se 100 anos da Revolta da Chibata:
“No Minas Gerais, a noite corria tranquila. O comandante chegara de jantar em um cruzador francês e descera para a câmara. Naquele momento, um grupo de marinheiros embuçados correu para a popa, aos gritos de “abaixo a chibata”, “liberdade”, e atacou o oficial de serviço, cravando-lhe no peito uma baioneta. O comandante, ouvindo os gritos, subiu para o convés, mas foi agredido com objetos lançados e, depois, abatido a tiros. Dos três oficiais que apareceram, dois foram atingidos pelos tiros e o terceiro lançou-se ao mar. Os matadores fizeram uma exibição macabra, urinando no cadáver do comandante…”
Ao cumprimentá-lo cordialmente, dirijo-me a Vossa Excelência para tratar do Projeto de Lei n° 4046/2021, que propõe a inscrição do nome de JOÃO CÂNDIDO FELISBERTO no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, insurgente da Revolta de Marinheiros ocorrida em navios da Esquadra, em 1910.
Digno de registro que o episódio constitui para a Marinha do Brasil (MB), fato opróbio da história, cujo estopim se deu pela atuação violenta de abjetos marinheiros que, fendendo hierarquia e disciplina, utilizaram equipamentos militares para chantagear a nação, disparando, a esmo, os canhões de grosso calibre dos apoderados Encouraçados contra a então Capital Federal e uma população indefesa, ceifando a vida de duas crianças, atingidas no Morro do Castelo.
Mister rememorar dentre as reivindicações apresentadas por manifesto de rebelados ao Governo brasileiro: o aumento de salários; a exclusão de Oficiais considerados – por eles – indignos de servir à Marinha; e regime de trabalho menos exigente. Notável, então, entender que, além do justo pleito pela revogação da prática repulsiva do açoite, buscavam, deliberadamente, vantagens corporativistas e ilegítimas.
Os castigos físicos levados a cabo nos navios, prática inaceitável, sob perspectiva alguma, e absolutamente incompatível com os caros preceitos morais observados pela sociedade contemporânea, foram reconhecidos, posteriormente, como equivocados e indignos, e os insurgentes, inclusive, anistiados. Porém, resta notável diferença entre reconhecer um erro e enaltecer um heroísmo infundado.
Aponto, por conseguinte, que incluir, no Livro de Heróis da Pátria, João Cândido Felisberto ou qualquer outro participante daquela deplorável página da história nacional, quando o patrimônio público foi destruído e o sangue de brasileiros inocentes derramado, seria o mesmo que transmitir à sociedade e, em particular, aos militares de hoje a mensagem de que é lícito recorrer as armas que lhes foram confiadas para reivindicar suposto direito individual ou de classe.
Convicto que não é competência da MB julgar argumentações de membros dessa Casa Legislativa, manifesto que a Força Naval não vislumbra aderência da atuação de João Cândido Felisberto na Revolta dos Marinheiros com os valores de heroísmo e patriotismo; e sim, flagrante
que qualifica reprovável exemplo de conduta para o povo brasileiro.
Nos dias atuais, enaltecer passagens afamadas pela subversão, ruptura de preceitos constitucionais organizadores e basilares das Forças Armadas e pelo descomedido emprego da violência de militares contra a vida de civis brasileiros é exaltar atributos morais e profissionais, que nada contribuirá ao pleno estabelecimento e manutenção do verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Por derradeiro, reitero protestos de elevada estima e consideração.”
MARCOS SAMPAIO OLSEN / Almirante de Esquadra Comandante da Marinha”
Robson Augusto – Revista Sociedade Miliktar