Entre 2018 e 2023, a Polícia Militar de São Paulo foi responsável por 3.838 mortes em intervenções. No entanto, o Ministério Público do estado apresentou apenas 269 denúncias por homicídio contra policiais militares, representando apenas 7% dos casos.
Segundo informam os repórteres da revista Consultor Jurídico, José Higídio e Alex Tajra, especialistas apontam que a discrepância se deve ao pensamento predominante no Ministério Público, que privilegia os “excludentes de ilicitude”, como legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal.
O Centro de Apoio Criminal do MP-SP, que forneceu os dados, explicou que a profissão de PM nem sempre é registrada nos processos, sugerindo que o número de denúncias envolvendo policiais pode ser maior. Mesmo assim, a diferença entre mortes e denúncias é preocupante. Entre as 3.838 pessoas mortas, 63% eram negras, e 80% dos casos ocorreram durante o serviço dos policiais.
Além dos excludentes de ilicitude, outros fatores contribuem para a baixa quantidade de denúncias. A falta de um efetivo controle da atividade policial pelo Ministério Público é um problema recorrente. O advogado Arthur Migliari, ex-promotor do MP-SP, afirma que a instituição não tem promotores e auxiliares suficientes para fiscalizar adequadamente a polícia, especialmente em cidades pequenas onde os promotores acumulam várias funções.
“Nas comarcas pequenas o cara é promotor eleitoral, de família, de registros públicos, de divórcio, de alimentos. Ele não vai ter tempo de fazer isso. Teria de parar tudo o que está fazendo para investigar (a conduta dos policiais)“, explica Migliari.
A dificuldade em produzir provas robustas também é um grande obstáculo. Há problemas na qualidade das provas nos casos que envolvem agentes do Estado, que frequentemente enfrentam medo da população e riscos de adulteração da cena do crime. Essa situação é agravada pelo apoio cultural do MP à polícia, que muitas vezes atua em parceria com a PM.
Giane Silvestre, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destaca que a identificação do MP com a PM impede uma fiscalização rigorosa. Segundo ela, o controle da atividade policial nunca foi prioridade institucional para o MP, e a má qualidade das investigações é responsabilidade do órgão ministerial.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por sua vez, defende que todas as mortes decorrentes de intervenções policiais são rigorosamente investigadas e que os confrontos são iniciados por criminosos, colocando em risco a vida de policiais e da população. A SSP afirma investir em capacitação e equipamentos para reduzir a letalidade policial, mas a impunidade permanece um desafio persistente.