Exército vira aliado de supermercados na disputa por mão de obra; setor tem 350 mil vagas; FAB já reinsere profissionais no mercado
Em um movimento sem precedentes no varejo brasileiro, o setor supermercadista está recorrendo às Forças Armadas para enfrentar uma escassez crítica de mão de obra. Com 350 mil vagas abertas e dificuldades crescentes para atrair jovens, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) firmou parceria com o Exército Brasileiro para contratar militares que concluíram o serviço obrigatório.
“É um processo de médio prazo, que envolve a troca de informações, o mapeamento de perfis e a oferta de vagas com possibilidade de desenvolvimento profissional”, afirmou Marcio Milan, vice-presidente da Abras, segundo o Estadão desta quinta-feira (29). A iniciativa surge em paralelo ao lançamento do “Banco de Talentos” da Força Aérea Brasileira, programa apresentado em abril que visa facilitar a reintegração de ex-militares no mercado civil.
Mudança no perfil dos trabalhadores desafia setor tradicional
A crise no recrutamento reflete uma transformação profunda no mercado de trabalho brasileiro. “Os jovens que tinham o supermercado como o primeiro emprego preferem hoje trabalhos informais devido à maior flexibilidade”, explicou Milan ao Estadão.
O paradoxo é evidente: mesmo com a taxa de desemprego em 6,6% (o menor índice para o período desde 2012, segundo o IBGE), as empresas enfrentam dificuldades para preencher vagas. “No passado, o trabalhador procurava emprego. Hoje, são as empresas que procuram o trabalhador”, destacou o executivo da Abras.
Forças Armadas criam programas de reintegração profissional
Paralelamente à demanda do varejo, as próprias Forças Armadas desenvolveram estratégias para facilitar a transição de militares para o mercado civil. O major-brigadeiro Luiz Guilherme da Silva Magarão, diretor de Administração de Pessoal da FAB, apresentou em abril o projeto “Banco de Talentos”, conforme reportado pela Revista Sociedade Militar.
A iniciativa da Aeronáutica conta com parceria de instituições como o Sindicato dos Lojistas do Comércio do Rio de Janeiro (SindilojasRio) e o CDLRio. “A cooperação entre o setor militar, educacional e o empresariado é fundamental para ampliar as oportunidades de emprego para militares que deixaram o serviço ativo”, afirmou o major-brigadeiro Rodrigo Fernandes Santos, comandante do III COMAR.
Plataforma digital será lançada no final de maio
A Abras anunciou que lançará, ainda em maio, uma plataforma digital para conectar egressos do Exército às 357 mil vagas abertas no setor. A ferramenta reunirá informações sobre empresas, salários, planos de carreira e exigências para cada função, segundo a Revista Sociedade Militar.
O projeto-piloto, testado no final de 2024 com o Grupo Pereira, “resultou em inscrições de diversos egressos”, levando a empresa a ampliar seus programas de inclusão para militares da reserva. “Tivemos uma excelente recepção, mostrando que no varejo também tem possibilidade de crescer”, disse Paulo Nogueira, diretor de RH do grupo.
Perfil militar atende demandas do varejo
Os militares da reserva trazem características valorizadas pelo setor: “disciplina, organização, ética e comprometimento”, além de conhecimentos técnicos em administração, logística, tecnologia da informação e outras áreas, segundo a Revista Sociedade Militar.
Para Milan, da Abras, essa combinação é estratégica num momento em que “oito das dez funções mais demandadas nos supermercados enfrentam escassez de profissionais”, incluindo operador de caixa, açougueiro e repositor de mercadorias.
Diversificação de estratégias de recrutamento
Além da parceria militar, o setor supermercadista busca diversificar o perfil dos trabalhadores. A Abras propôs ao Ministério do Trabalho “a criação de um comitê para discutir formatos de contratação com horários adaptáveis às diferentes realidades dos trabalhadores”, focando em pessoas acima dos 60 anos e jovens que busquem maior flexibilidade.
No Rio de Janeiro, uma parceria entre os Fuzileiros Navais e a Associação dos Supermercados do Estado (Asserj) já recolocou “mais de 500 egressos da Marinha desde o fim de 2023″, mostrando o potencial da estratégia.
Expansão nacional em discussão
A Abras dialoga com o Ministério da Defesa para estender o projeto à Marinha e Aeronáutica. A expectativa é que o modelo seja replicado em outros estados, especialmente em capitais com presença significativa de unidades militares.
“A proposta também pode inspirar outras Forças — como o Exército e a Marinha — a adotar iniciativas semelhantes”, avalia a Revista Sociedade Militar, destacando a urgência de políticas voltadas para o contingente anual de militares temporários que se desligam das Forças Armadas.