Fuzil ou vassoura? Edital para garis no Rio oferece salário maior do que soldado e cabo na Marinha e escala debate salarial entre militares
Discussão salarial entre militares escala após publicação de edital para Gari no Rio, com salário maior do que o de Cabo na Marinha do Brasil

A divulgação recente do edital da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) para a contratação de 400 garis no Rio de Janeiro acendeu um debate acalorado entre militares nas redes sociais. O motivo: o salário total de um gari temporário, que pode chegar a R$ 4.119,48, supera significativamente a remuneração líquida de soldados, cabos e chega bem perto do que recebem os terceiros-sargentos das Forças Armadas.
A indignação explodiu em comentários nas páginas especializadas em conteúdo militar, como a da Revista Sociedade Militar no Instagram. Frases como “melhor ser gari do que marujo” e “um soldado FN ganha menos que um gari” se multiplicaram, evidenciando um desconforto antigo na tropa — o da defasagem salarial e da crescente desvalorização dos postos de base das Forças Armadas.
O edital, publicado no dia 3 de junho, exige apenas como escolaridade o 5º ano do ensino fundamental e idade entre 18 e 50 anos para os interessados. A jornada é de 44 horas semanais e o salário base de R$ 1.766,31 é complementado por adicionais de insalubridade (até 40%), vale-refeição de R$ 26,21 por dia útil trabalhado, adicional noturno, horas extras e auxílio-transporte. Na prática, os vencimentos finais de um gari temporário, que tem salário similar ao do gari já efetivado na COMLURB do Rio de Janeiro, ultrapassam o que grande parte dos militares da ativa recebe — mesmo em funções operacionais e com alta carga de responsabilidade.
Requisitos para contratação como Gari, de acordo com o Edital da Prefeitura do Rio de Janeiro.
I – Possuir entre 18 (dezoito) e 50 (cinquenta) anos de idade completos ao tempo da contratação;
II – Estar quite com as obrigações eleitorais;
III – Estar em dia com as obrigações militares, se do sexo masculino;
IV – Gozar de boa saúde física e mental;
V – Não ser portador de deficiência incompatível com o exercício das funções a serem
desempenhadas;
VI – Possuir a escolaridade específica para o exercício da função, conforme especificado no item 4.2
e ANEXO II deste Edital;
VII – Não ter sofrido, no exercício de cargo, função ou emprego público, penalidade incompatível com
a nova admissão;
VIII – Não ser aposentado por invalidez;
IX – Não estar em acumulação de cargo, emprego ou função pública vedada pela Constituição
Federal.
Explosão de críticas nas redes
A repercussão da publicações em sites sobre o edital para Gari nas redes foi imediata. Comentários expuseram a insatisfação com o tratamento dado à base hierárquica militar em contraste com os privilégios percebidos nos altos escalões. “Os generais e almirantes estão muito bem. Mas a tropa…”, lamentou um usuário, citando os efeitos da Lei 13.954/2019, apontada como responsável por ampliar ainda mais a desigualdade interna nas Forças.
Outro seguidor comentou: “Cabo da Navy tá pegando 3 mil, 98h trabalhadas, ganhar 38 reais por comissão diária e se humilhar pra ter passagem…” — um desabafo que traduz não só a indignação com os valores, mas também com as condições de trabalho, o excesso de horas e a burocracia imposta.
O tom, em muitos casos, beirou o cômico de tão trágico: “O gari varre mais que um soldado” e “Ué, vai ser gari é mais tranquilo 👏👏👏”. A frustração também foi direcionada às campanhas institucionais da Marinha e do Exército. “O Marujo/Soldado faz um trabalho de gari e tem no mínimo o dobro de horas trabalhadas por semana, não adianta subir hashtags de vempramarinha se a própria força não tá motivando ninguém a vir. Triste pra caral***, de verdade!”, disse um seguidor.
Comparação que escancara as distorções salariais e perda de poder aquisitivo dos militares
Atualmente, um Soldado Fuzileiro Naval tem soldo em torno de R$ 1.800. Considerando adicionais e descontos, o salário líquido gira na casa dos R$ 2.250, podendo variar um pouco pra mais ou menos. Um cabo ganha pouco mais que 3 mil reais, valor bem abaixo do que recebe um Gari no Rio de Janeiro, que tem uma jornada de trabalho especificada em lei.
Além disso, a comparação revela outro contraste gritante: os militares, ao contrário dos garis temporários, são submetidos a um regime de dedicação exclusiva e podem trabalhar muito mais do que as 44 horas especificadas para os garis, com limitações constitucionais de direitos civis (como greve e sindicalização), prontidão permanente, movimentações compulsórias e risco de exposição em missões de segurança ou operações externas.
Desmotivação e evasão crescente
As críticas nas redes refletem um problema que já vem sendo observado há anos: o esvaziamento progressivo de cérebros nas Forças Armadas por falta de perspectiva. Jovens militares temporários pedem desligamento antes do fim do contrato, e até militares de carreira com cursos de alto status, como pilotos e médicos, tem pedido demissão em busca de melhores salários e condições de trabalho.
Um ex-militar foi direto no Instagram: “Estou na reserva, hoje eu não ingressaria nas FA.” Outro lembrou: “Um técnico judiciário ganha mais que a maioria dos militares com ensino médio. Um solado FN deveria ganhar no mínimo uns R$5 mil. Pode aumentar mais. Merece.” A comparação se estende às forças auxiliares, com vários apontando que um soldado da Polícia Militar no Rio pode receber o mesmo ou mais que um sargento das Forças Armadas.
Impacto no moral e na eficiência da tropa
O problema vai além da questão individual. Para especialistas em defesa, trata-se de uma falha estrutural com consequências diretas no moral da tropa, na eficácia das missões e na capacidade de retenção de talentos.
“O país exige disciplina, técnica e lealdade. Mas não oferece valorização proporcional”, disse um oficial da reserva ouvido pela Revista Sociedade Militar. A crítica também é política: muitos apontam que a baixa mobilização institucional contribui para a estagnação. “ aqui no estado do RJ ganham muito mais que militares das FFAS e a sociedade não sabe dessa realidade , escreveu um leitor. Outro foi mais duro: “Olha está difícil pro nós, e o pior é sem sinal nenhum no futuro de alguma melhora, debandada das Forças será cada vez maior ao longo do tempo”
A necessária valorização dos militares
O edital da Comlurb e sua comparação com a carreira militar escancararam uma verdade difícil de digerir: em termos de remuneração, hoje vale mais a pena varrer as ruas do que combater em defesa do país. Ainda que o trabalho dos garis seja digno e essencial, a diferença salarial levanta um sinal de alerta para o Estado brasileiro.
Se o discurso institucional das Forças Armadas não for acompanhado de medidas efetivas de valorização, principalmente para praças e graduados, o risco é de um colapso silencioso. Como resumiu um comentário entre os mais curtidos: “O último sair das FFAA feche a porta!”
Fontes: Edital Comlurb (2025), Instagram da Revista Sociedade Militar, Lei 13.954/2019, Tabela de Soldos das Forças Armadas – Ministério da Defesa.
Revista Sociedade Militar