Indústria de defesa italiana em alerta: principal fabricante de blindados da Europa anuncia venda, atrai disputas globais e ameaça a soberania militar da Itália
Governo italiano teme que venda da Iveco Defence a estrangeiros comprometa a soberania nacional e enfraqueça a segurança da indústria de defesa
A Iveco Defence Vehicles (IDV), divisão militar da fabricante italiana Iveco, poderá ser vendida até o final de 2025, conforme anunciado pela própria companhia. O processo de cisão da unidade já está em andamento e tem como objetivo avaliar propostas de aquisição apresentadas por grupos estratégicos. A possível venda ocorre em um contexto de crescimento global nos orçamentos de defesa terrestre, impulsionado por conflitos como a guerra na Ucrânia.
A IDV é atualmente a principal fornecedora de veículos blindados para o Exército Italiano. A empresa pertence à Iveco, controlada pela holding Exor Group, ligada à família Agnelli. Segundo Anna Tanganelli, diretora financeira da companhia, já foram recebidas ofertas preliminares e o foco está em garantir o maior retorno financeiro possível na operação.
Leonardo, Rheinmetall e outros gigantes disputam controle da IDV
Em 2023, a Iveco Defence registrou uma alta de 15% em sua receita, atingindo €1,1 bilhão. Esse crescimento reflete o aumento dos orçamentos militares em diversos países, especialmente na Europa. O bom momento financeiro da empresa despertou o interesse de grandes players do setor de defesa.
Uma das primeiras movimentações públicas na indústria de defesa ocorreu em 8 de maio de 2025, quando o CEO da Leonardo, Roberto Cingolani, confirmou uma proposta conjunta com a Rheinmetall, da Alemanha, para aquisição da IDV. As duas empresas já mantêm parceria para o fornecimento de 1.050 veículos de combate de infantaria baseados na plataforma Lynx e 132 tanques derivados do modelo Panther KF51, ainda em desenvolvimento.
A própria IDV já está envolvida nesse projeto de defesa bilionário, com participação de 12% a 15% no desenvolvimento e produção dos veículos. O contrato, avaliado em €23 bilhões, reforça os laços industriais entre Leonardo, Rheinmetall e Iveco Defence. Além disso, as empresas já operam juntas no consórcio CIO, responsável pela fabricação dos blindados VBM e dos carros de combate Centauro para o Exército Italiano.
Embora a Leonardo tenha feito uma oferta de €750 milhões pela IDV em 2024, fontes da indústria de defesa revelaram que a proposta foi considerada abaixo do esperado. Segundo essas fontes, um valor em torno de €1 bilhão poderia ter concretizado o negócio.
Mercado internacional da indústria de defesa movimenta-se e governo avalia uso da Golden Power
Além da Leonardo e da Rheinmetall, outras empresas demonstraram interesse na IDV. A espanhola Indra teria sinalizado disposição para pagar €1 bilhão pela aquisição. Fundos de investimento dos Estados Unidos e o consórcio KNDS, formado por França e Alemanha, também estão entre os possíveis compradores.
A gigante da defesa britânica BAE Systems passou a ser vista como uma concorrente após anunciar, em parceria com a IDV, a oferta do veículo blindado BvS10 ao Exército Italiano, com design e fabricação previstos em território italiano. Atualmente, BAE e Iveco Defence já trabalham juntas na produção de veículos anfíbios para o Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos.
Apesar da movimentação global, fontes próximas ao setor afirmam que membros do governo e das Forças Armadas italianas demonstram preocupação com a possibilidade de a IDV ser transferida para o controle estrangeiro. Uma das medidas consideradas é a aplicação da chamada Golden Power, legislação italiana que permite bloquear ou condicionar a venda de empresas consideradas estratégicas para a defesa e segurança nacional.
No entanto, especialistas jurídicos alertam que essa legislação é usada, tradicionalmente, para impor restrições a compradores específicos ou para impedir aquisições por grupos considerados hostis, como ocorreu na venda da empresa italiana Avio Aero para a General Electric. Até o momento, não há precedentes do uso da Golden Power para excluir proponentes em um processo com múltiplos interessados.
Decisão estratégica exigirá equilíbrio entre soberania nacional e interesses de mercado
Embora a prioridade para o governo italiano seja manter a Iveco Defence sob controle nacional, o cenário atual revela um dilema estratégico. Por um lado, há o desejo de garantir que a principal fabricante de veículos militares da Itália permaneça integrada ao ecossistema de defesa nacional. Por outro, os interesses comerciais do grupo Exor, proprietário da IDV, apontam para a venda ao maior comprador disposto a pagar um valor elevado — independente da nacionalidade.
A divisão militar da Iveco fabrica veículos de combate como os blindados Guarani e os tanques Centauro e também participa de alianças industriais internacionais que reforçam o papel da Itália no cenário de segurança europeu. O possível repasse da empresa para mãos estrangeiras levanta questionamentos sobre segurança estratégica, autonomia industrial e os rumos da indústria de defesa europeia em um período de alta tensão geopolítica.
A expectativa é de que a decisão sobre o futuro da Iveco Defence Vehicles seja tomada até o final de 2025. Até lá, o governo italiano poderá avaliar mecanismos legais, como a Golden Power, além de buscar soluções que conciliem interesse nacional, competitividade internacional e continuidade tecnológica. Nesse contexto, a IDV permanece no centro de uma disputa que vai muito além do valor de mercado: trata-se do futuro da capacidade militar terrestre da Itália e de seu posicionamento na indústria global de defesa.