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Ela sobreviveu ao pior acidente aeronáutico causado por um raio: a menina que caiu de 3 mil metros presa à cadeira do avião

Uma das histórias mais incríveis dos acidentes aeronáuticos. Juliane Koepcke sobreviveu a uma queda de 3 mil metros

por Robson Augusto Publicado em 03/06/2025
Ela sobreviveu ao pior acidente aeronáutico causado por um raio: a menina que caiu de 3 mil metros presa à cadeira do avião

Na véspera de Natal de 1971, o voo LANSA 508, operado pela companhia peruana Líneas Aéreas Nacionales S.A., partiu da cidade de Lima em direção a Pucallpa, no Peru. A bordo da aeronave Lockheed L-188A Electra estavam 92 pessoas, entre passageiros e tripulantes. A viagem era pra durar cerca de uma hora, mas foi tragicamente interrompida quando o avião entrou em uma violenta tempestade e foi atingido por um raio, desintegrando-se no ar. Até hoje foi o acidente mais letal já registrado envolvendo uma descarga elétrica em uma aeronave.

Entre os destroços, apenas uma pessoa sobreviveu: Juliane Koepcke, uma adolescente alemã que tinha apenas 17 anos, filha de cientistas que trabalhavam na Amazônia peruana. Sua impressionante trajetória de sobrevivência na selva ainda inspira gerações de entusiastas da aviação, militares, estudiosos de sobrevivencialismo e pesquisadores de desastres aéreos.

O avião: Lockheed L-188A Electra

O Electra era um quadrimotor turboélice desenvolvido pela Lockheed, com motores Allison 501-D13 de 3.750 shp cada. Projetado para voos regionais de curta e média distância, tinha capacidade para 98 passageiros, velocidade de cruzeiro de 650 km/h e autonomia de até 4.500 km. Apesar da robustez, sua reputação foi abalada nos anos iniciais por falhas estruturais causadas por vibrações nas naceles dos motores — o chamado whirl mode. Tais problemas levaram à criação do programa LEAP, que reforçou a fuselagem da aeronave.

O Electra é bastante  conhecido dos brasileiros, o modelo fazia a ponte aérea Rio x São Paulo. O exemplar utilizado no voo 508 era um dos últimos ainda operando pela LANSA, e investigações posteriores revelaram que a aeronave estava de fato em más condições, montada com peças retiradas de outros aviões desativados da frota, o chamado canibalismo aeronáutico. A companhia já era conhecida por seu histórico de acidentes: em 1966, o voo 101 caiu nos Andes; em 1970, o voo 502 explodiu após pane em pleno voo.

Electra utilizado no Brasil nos anos 70. Fonte: Wikipedia
Electra utilizado no Brasil nos anos 70. Fonte: Wikipedia

O impacto e a queda de Juliane Koepcke

Juliane descreveu o momento do impacto como uma sequência terrível, surreal: um clarão branco sobre a asa direita, um som ensurdecedor, gritos e depois o silêncio absoluto. Ela se viu subitamente no ar, ainda presa à sua fileira de assentos, despencando de cerca de 3 mil metros de altura sobre a floresta amazônica.

Havia uma turbulência muito forte e o avião estava saltando para cima e para baixo, pacotes e bagagens estavam caindo do armário, havia presentes, flores e bolos de Natal voando pela cabine. Quando vimos raios ao redor do avião, fiquei assustada. Minha mãe e eu demos as mãos, mas não conseguíamos falar. Outros passageiros começaram a chorar, lamentar e gritar. (Entrevista à BBC)

Apesar da queda livre, Juliane sobreviveu. Especialistas atribuem esse milagre à uma rara combinação de fatores: o efeito helicoidal da fileira de assentos, uma corrente de ar ascendente da tempestade e o impacto amortecido pela copa da densa da floresta, ao mesmo tempo em que a fileira de bancos a protegeu de ser estraçalhada pelos galhos das árvores. Após a queda ela acordou no chão, sozinha, com uma clavícula quebrada, um ferimento profundo no braço e cortes no rosto e nas pernas.

A Sobrevivência na selva e lições práticas

Juliane cresceu na estação biológica Panguana, criada por seus pais no coração da floresta peruana. Seu cotidiano incluía aprendizados sobre fauna, flora e técnicas básicas de sobrevivência. Foi esse conhecimento que salvou a sua vida.

Nos primeiros dias após o acidente, ela vagou pela mata com dificuldade. Seu único alimento era um pacote de doces resgatado dos destroços. Ela decidiu então seguir um riacho, ciente de que cursos d’água geralmente levam a áreas habitadas ou a rios maiores. Essa escolha foi fundamental para sua vida.

A jovem dormia sobre bancos de areia, exposta a mosquitos e ao calor tropical. Bebia a água dos rios e permaneceu vigilante contra cobras e predadores. A ferida em seu braço naturalmente começou a infeccionar e foi infestada por larvas. Juliane lembrava de um método usado por seu pai para salvar o cachorro da família em uma situação parecida: aplicar querosene ou gasolina diretamente na ferida para eliminar os parasitas.

No décimo dia, encontrou um barco atracado na margem de um pequeno rio. Havia também um abrigo de madeira com telhado de folhas. No motor do barco, havia um pouco de combustível. Juliane usou um tubo para retirar gasolina e despejou diretamente sobre a ferida. A dor foi intensa, mas as larvas começaram a sair imediatamente. Ela estimou que cerca de 30 larvas saíram de seu braço. O gesto foi um divisor de águas entre a infecção e a recuperação.

Resgate e recuperação

Na manhã seguinte, madeireiros locais chegaram ao acampamento. Juliane estava fraca e desidratada, mas conseguiu explicar o que havia acontecido. Os homens, chocados com o relato, cuidaram de seus ferimentos, deram comida e a levaram de canoa até uma vila onde um helicóptero a transportou para um hospital. Lá, ela foi tratada e, enfim, reencontrou o pai.

As buscas no local do acidente revelaram que outras pessoas haviam sobrevivido inicialmente ao impacto, mas morreram por falta de socorro. Juliane foi a única resgatada com vida.

O legado e a formação como zoologista

Juliane Koepcke — hoje Dra. Juliane Diller — tornou-se uma respeitada zoologista. Estudou na Alemanha e, após a morte de seu pai, assumiu a direção da estação biológica Panguana, dedicando sua vida à pesquisa e preservação da floresta que quase lhe tirou a vida.

Sua história virou livro e documentário. Werner Herzog, que quase embarcou no mesmo voo, a acompanhou anos depois em uma viagem de retorno ao local da queda no filme “Wings of Hope”.

Cerimonia de condecoração da doctora Juliane Koepcke – 2019

Juliane voa frequentemente e não culpa a natureza pelo ocorrido. Em uma de suas frases mais conhecidas, resume sua visão: “A selva me acolheu e me salvou. Não foi culpa dela eu ter caído ali.”

A saga de Juliane Koepcke permanece como um marco da resiliência humana e da importância do conhecimento prático em situações extremas. Um testemunho realmente poderoso e completamente registrado de como a preparação, a calma e a experiência prévia com o ambiente podem significar a diferença entre a vida e a morte.

Robson Augusto – Revista Sociedade Militar

Robson Augusto

Robson Augusto

Sociólogo, jornalista, especialista em inteligência e marketing nas redes sociais, militar da Marinha do Brasil reserva remunerada. Autor do livro Militares pela Cidadania, escreve para a Revista Sociedade Militar. Residente de Niterói, Rio de Janeiro, Marido da Lúcia e pai de Robson Júnior, Jefferson e Raquel. Tutor da Zelda, um cão formado por mil raças.