Uma característica considerada inquestionável dos militares das Forças Armadas Brasileiras, especialmente daqueles que ocupam os postos mais altos, é o forte envolvimento político. Todos os anos as Forças Armadas distribuem centenas de condecorações para políticos e magistrados. Exército, Marinha e Força Aérea mantém ainda dezenas de militares lotados em escritórios dentro do Congresso Nacional.
Nos últimos anos, diversos oficiais – generais se alinharam a políticos de destaque no país. Enquanto alguns foram recompensados com cargos de prestígio com altos salários no governo ou em estatais, outros — possivelmente por terem se aliado às pessoas “erradas” no “momento errado” — acabaram punidos pelo próprio comando do Exército Brasileiro.

A Controladoria – Geral da União (CGU) mantém disponíveis dados abertos para a sociedade brasileira, incluindo informações sobre processos administrativos e disciplinares de servidores das instituições do governo federal. Com base nesse princípio de transparência, a Revista Sociedade Militar (RSM) solicitou ao Exército Brasileiro o acesso aos processos disciplinares envolvendo oficiais-generais nos últimos dez anos. O pedido inclui cópias dos processos, os nomes dos envolvidos e as eventuais punições aplicadas desde o governo Dilma Rousseff. Entretanto, sob o comando do General Tomás Miné Ribeiro Paiva o Exército tem negado a informação.
Infrações administrativas e oficiais generais punidos
O principal objetivo da solicitação feira pela RSM é assegurar que a sociedade tenha conhecimento sobre os oficiais-generais que foram punidos, seja por discursos políticos inadequados, manifestações impróprias sobre temas alheios às suas funções ou por outras possíveis infrações administrativas. Essa transparência é essencial para mostrar a todos que a alta cúpula das Forças Armadas está sujeita às mesmas normas que a base e que o Exército está vigilante quanto ao controle disciplinar daqueles que ocupam cargos de comando e têm o poder de movimentar tropas.
Em um contexto de grande turbulência política nos últimos anos, é fundamental ainda que a tropa tenha a certeza de que os princípios de disciplina e hierarquia são aplicados de forma igualitária, independentemente do posto ou graduação. Somente assim se reforça a confiança de que, dentro das Forças Armadas, ninguém está acima das regras.
Inteligência do Exército debruçada sobre atos de políticos e jornalistas em 2019
Um exemplo: em meados de 2019, a Revista Sociedade Militar revelou que o Exército Brasileiro elaborava relatórios de inteligência citando políticos de esquerda, de direita, jornalistas e militares da reserva que se envolveram nas discussões sobre um projeto de lei que para muitos tinha o objetivo de privilegiar a cúpula das Forças Armadas. Após as denuncias da RSM a informação foi parar em vários jornais, incluindo Metrópoles e Correio Braziliense. A sociedade precisa saber se algum general foi punido por conta dessa situação.
Outro exemplo: em 2015 o então general da Ativa Hamilton Mourão fez declarações apontados por políticos como inapropriadas a ponto do Comando do Exército ter de enviar explicações para senadores. É do interesse da sociedade e da tropa saber se o referido oficial recebeu uma punição ou se – do contrário – generais podem descumprir regulamentos e nada acontece.
Pedido inicial sobre punições de generais do Exército
Eis o pedido inicial, feito em 19 de novembro de 2023:
“Solicito, por gentileza, planilha listando todos os processos administrativos instaurados e já finalizados contra oficiais generais na ativa ou na reserva dessa força armada nos últimos 10 anos, ano a ano. Por gentileza, indique o nome do servidor, o número do processo e o resultado do mesmo.”
Para nossa surpresa, o Exército – sob o comando do General Tomás Miné – respondeu em 29 de novembro de 2023 afirmando que não possuía as informações solicitadas e alegando que o pedido era de difícil compreensão:
“Neste contexto, pela complexidade do tema, o DGP, além de não possuir os dados solicitados, entende que o pedido é genérico, em decorrência da falta de especificação das informações solicitadas, inviabilizando a compreensão da demanda e qualquer tentativa de levantamento de dados…”
Solicitei, por meio de pedido formal, o nome dos generais punidos administrativamente nos últimos 10 anos. A resposta do @exercitooficial é inacreditável. O EB disse que não possui as informações! Eu acredito que o general que disse ou mandou dizer isso deve ser enquadrado pela… pic.twitter.com/Sfq04od9JC
— Robson Augusto (@RobsonAugustto) January 19, 2025
A Revista Sociedade Militar (RSM) não desistiu de buscar a informação. Após uma série de contestações e negativas que envolveram desde coronéis até generais de 4 estrelas, a questão foi levada à Controladoria-Geral da União (CGU). Finalmente, em 16 de outubro de 2024, 11 meses após a solicitação inicial, a CGU decidiu a nosso favor.
“… parecer anexo, para decidir pelo provimento do recurso interposto, no âmbito do pedido de informação 60143.006461/2023-98, direcionado à Comando do Exército – CEX. O Comando do Exército – CEX deverá disponibilizar, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da publicação desta decisão, acesso a planilha com todos os processos administrativos instaurados e já finalizados contra generais, nos últimos 10 anos, discriminando-se o nome do militar, o número do processo e o resultado. A informação, ou a sua localização com instruções para acesso, deverá ser postada diretamente na plataforma Fala.BR, na aba “Cumprimento de Decisão”, no prazo acima mencionado. ANA TÚLIA DE MACEDO Secretária Nacional de Acesso à Informação.”
Um banho de água Fria
Apenas um dia antes do prazo para entrega da lista de generais punidos, com seus enquadramentos e resumos dos processos disciplinares, a Revista Sociedade Militar foi surpreendida por uma manobra do Exército Brasileiro, que “pegou carona” em solicitação da AGU em favor da Força Aérea em pedido similar.
A instituição ingressou com um “incidente de correição”, solicitando a revisão da decisão. Essa manobra pode adiar a resposta por mais 60 dias ou até mesmo por tempo indefinido, caso o Exército consiga argumentar que a divulgação dos nomes de oficiais-generais punidos disciplinarmente compromete, de alguma forma, a hierarquia e a disciplina na força. A Revista Sociedade Militar foi comunicada sobre o ocorrido.
” … decido por suspender o prazo de tramitação dos recursos de terceira instância da Lei no 12.527/2011 (LAI), que versam sobre o direito de acesso a dados e processos disciplinares envolvendo agentes militares, nas suas
respectivas fases de instrução processual (julgamento, análise de incidente de correção e monitoramento
do cumprimento de decisão). A suspensão deverá alcançar todos os recursos que tratem sobre o tema, qualquer que seja o estágio em que se encontre: quer seja na fase de julgamento, quer seja na análise de incidente de correção, quer seja no cumprimento de decisão. A suspensão decorre do fato de ter sido instaurada a discussão sobre o direito de acesso aos processos disciplinares de militares, no âmbito da Câmara de Mediação de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF) da Advocacia-Geral da União (AGU)…”
Vale destacar que todas as instituições públicas possuem estruturas hierárquicas, com líderes e subordinados, e que as normas devem ser igualmente aplicadas a todos, independentemente do posto ou posição. Entretanto, o Exército Brasileiro parece ser a única instituição que acredita que a base conhecer as punições aplicadas à cúpula poderia gerar problemas.
Continuaremos lutando para levar até nossos leitores as informações que julgarmos que são de seu interesse.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar