Enquanto os principais líderes das democracias ocidentais evitam solenemente qualquer gesto de apoio ao governo russo de Vladimir Putin, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitou participar de um evento que muitos enxergam como palco para legitimar regimes autoritários.
A cerimônia ocorre em Moscou nesta sexta-feira (9 de maio de 2025), quando a Rússia celebra o Dia da Vitória, feriado nacional que marca o triunfo da então União Soviética sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
Mas o foco da celebração deixou de ser a paz e passou a ser uma vitrine de poder e alinhamentos políticos, especialmente após a invasão da Ucrânia, iniciada em 2014 e intensificada em 2022.
Quem estará ao lado de Lula na Rússia?
Segundo informações da CNN Brasil, a presença de Lula no evento russo não será solitária entre os líderes latino-americanos.
Também confirmaram presença os presidentes de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e da Venezuela, Nicolás Maduro, ambos conhecidos por liderar regimes autoritários, frequentemente denunciados por violações aos direitos humanos e repressão a opositores.
Entre os poucos europeus que decidiram comparecer, está Robert Fico, o controverso primeiro-ministro da Eslováquia, de orientação ultranacionalista e contrário a políticas migratórias e direitos de minorias.
Fico tem adotado uma postura de proximidade com Putin, o que o distancia dos demais líderes da União Europeia.
Aleksandar Vučić, presidente da Sérvia, país tradicionalmente alinhado com a Rússia, também havia anunciado sua participação, mas cancelou por motivos de saúde.
A Sérvia, historicamente aliada do Kremlin, representa um ponto estratégico de influência russa nos Bálcãs.
Quem não vai à cerimônia? Democracias fazem boicote
A ausência de líderes das democracias ocidentais tem se tornado um padrão desde 2014, ano da anexação da Crimeia pela Rússia.
Estados Unidos, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Austrália e as principais nações europeias ignoraram o convite para o evento, em protesto contra a política expansionista e autoritária do governo de Vladimir Putin.
A justificativa é clara: não faz sentido celebrar a vitória sobre o nazismo e defender a paz ao lado de um líder acusado de crimes de guerra, como o sequestro de crianças ucranianas e ataques deliberados contra civis em territórios ocupados.
Um evento que já foi símbolo da cooperação global
Até 2006, as celebrações do Dia da Vitória na Rússia reuniam grandes nomes da diplomacia global.
Na comemoração do 60º aniversário do fim da Segunda Guerra, estiveram em Moscou o presidente dos Estados Unidos George W. Bush, o francês Jacques Chirac, o alemão Gerhard Schröder e o primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi.
A presença dessas lideranças simbolizava um esforço internacional para manter viva a memória do conflito, com foco no compromisso pela paz e respeito à soberania entre as nações.
Mas esse cenário mudou drasticamente com a guinada autoritária de Putin e sua obsessão em restaurar a influência da antiga União Soviética.
A nova geopolítica do “Eixo de Moscou”
Lula estará lado a lado de líderes considerados autoritários e nacionalistas. Além de Díaz-Canel e Maduro, participarão do evento o presidente da China, Xi Jinping, e Aleksander Lukashenko, da Belarus, acusado de auxiliar as tropas russas na invasão da Ucrânia.
Também marcarão presença representantes das ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, além de Armênia, Azerbaijão e Mongólia — todos países que orbitam politicamente a Rússia, seja por laços militares, econômicos ou por dependência estratégica.
Essa composição de chefes de Estado destaca um novo bloco informal, uma espécie de “eixo autoritário”, que se contrapõe às alianças tradicionais lideradas por Estados Unidos, União Europeia e Japão.
O Brasil como mediador da paz?
O governo brasileiro tenta justificar a viagem como parte de um esforço diplomático para abrir espaço de mediação entre Rússia e Ucrânia.
No entanto, as sucessivas declarações de Lula contra o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e em defesa de Putin minaram sua credibilidade como negociador imparcial.
Na prática, o Brasil tem pouca ou nenhuma influência direta nos desdobramentos da guerra no Leste Europeu, e a presença em um evento tão simbólico pode dificultar ainda mais qualquer tentativa de intermediação futura.
Lula e Putin: uma afinidade que transcende ideologias
A aproximação entre Lula e Putin surpreende, principalmente porque em 2022, Jair Bolsonaro também esteve com o líder russo, numa visita polêmica realizada pouco antes da segunda invasão da Ucrânia.
Na ocasião, Bolsonaro declarou solidariedade à Rússia e citou valores comuns, como o modelo tradicional de família e a defesa do cristianismo. Putin, por sua vez, promoveu leis rígidas contra a comunidade LGBTQIA+, proibindo casamentos entre pessoas do mesmo sexo e a adoção por casais homossexuais.
No caso de Lula, a motivação parece mais geopolítica do que ideológica.
Para setores da esquerda internacional, Putin representa um contrapeso ao domínio global dos Estados Unidos, herança da rivalidade da Guerra Fria entre OTAN e o extinto Pacto de Varsóvia.
Uma visita com efeitos colaterais para o Brasil
A presença de Lula em Moscou pode ter repercussões negativas em organismos multilaterais dos quais o Brasil participa, como a ONU e o Tribunal Penal Internacional (TPI).
Putin é alvo de mandado de prisão emitido pelo TPI, corte da qual o Brasil é signatário. Embora o país não tenha obrigação de prendê-lo em território russo, o gesto de participar de um evento ao lado de um réu por crimes de guerra pode enfraquecer o discurso brasileiro sobre democracia e direitos humanos.
A curto prazo, a viagem pode render manchetes positivas entre os aliados de Putin.
A longo prazo, porém, pode comprometer o papel do Brasil em negociações internacionais mais sensíveis, principalmente em fóruns que discutem paz, segurança e respeito ao direito internacional.