Nas últimas semanas podemos ler aos quatro ventos notícias relacionadas à prisão do jogador de futebol Daniel Alves na sexta-feira (20/01/2023), acusado de ter praticado o crime de estupro contra uma mulher, no interior de uma boate na cidade de Barcelona, Espanha. Imagens, vídeos e detalhes da prisão do jogador estão por todos os lugares. Nenhuma revelação ao público sobre quem seria a suposta vítima (digo “supostamente”, pois sob o manto constitucional da presunção de inocência, disposto no artigo 5º, inciso LVII determina que aquele acusado de estupro ou de qualquer crime somente poderá ser considerado culpado, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória). Talvez, porque ao longo das décadas, diversas empresas de comunicação foram condenadas pelo Poder Judiciário a indenizar vítimas de estupro que tiveram seus nomes divulgados em reportagens jornalísticas (fenômeno que não ocorre somente no Brasil).
Intimidade pessoal e interesse público compõe um dos maiores dilemas na sociedade da informação. Dois direitos garantidos pela vasta maioria dos países ocidentais e, logicamente, aquele que emite seu pensamento é responsável pelo conteúdo deste[1].
Sobre os direitos relacionados à intimidade e à liberdade de imprensa existem argumentos válidos para ambos os lados. No caso de crimes sexuais ou “crimes contra a dignidade sexual”, como chama no Código Penal (Título VI). Muitas vítimas de estupro desejam permanecer no anonimato perante o público, seja por vergonha, pelo medo de retaliações e por julgamentos sociais misóginos e perversos. Infelizmente, ser vítima de um estupro ou de outro crime sexual ainda é um estigma social muito grande, mesmo na Cultura Ocidental.
Por outro lado, é importante a divulgação pela Polícia ou pelo noticiário do nome de supostos estupradores por vários fatores. Ao se ver os nomes dos envolvidos no crime, pessoas bem-intencionadas podem surgir com informações adicionais sobre o fato às autoridades, ou até mesmo a encorajar vítimas silentes a denunciar crimes praticados no passado e que ainda não informados/descobertos. A devida publicização pode trazer, também, informações para a investigação que, de alguma forma, possam levar ao arquivamento do inquérito policial ou a absolvição do acusado na ação penal (testemunhas oculares, álibis etc.).
Apesar dos efeitos negativos à vítima, similares benefícios podem ocorrer ao se revelar publicamente o nome da suposta vítima do estupro. Testemunhas podem corroborar suas declarações, mas também podem contradizer ou desacreditar a “narrativa oficial”. Não podemos assumir, logo no início das investigações, que todo acusado de estupro é realmente culpado pelo crime.
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Diego Renoldi Quaresma de Oliveira é Advogado criminal, palestrante, professor e autor em âmbito nacional e internacional de livros e artigos publicados sobre Direito Penal, Direito Processual Penal e liberdade de expressão. Se formou em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos. Especializou-se em Sociologia pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul e cursa mestrado em Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Buenos Aires, Argentina. Foi oficial R/2 do Exército, Arma de Infantaria.
[1] Ver mais sobre a Liberdade de expressão e suas consequencias aqui: https://jornaltribuna.com.br/2022/12/liberdade-de-expressao-e-suas-consequencias/