Revista Sociedade Militar, todos os direitos reservados.

Exército – Relatórios de inteligência advertiram sobre ligação entre militares e garimpo

por Sociedade Militar Publicado em 26/01/2023
Exército – Relatórios de inteligência advertiram sobre ligação entre militares e garimpo

A ligação entre os militares e o garimpo foi denunciada em dois relatórios de inteligência da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em 2019, no início do governo de Jair Bolsonaro (PL), relatórios que a Folha de São Paulo teve acesso.

Os documentos apontam uma relação próxima entre integrantes do Exército que atuavam em Roraima e o já então crescente garimpo ilegal do território Yanomami, hoje em estado de emergência.

Alto rio Solimões nas proximidades de Tabatinga. (Foto: Fabio Pontes/Amazônia Real) – Licença

Elaborados na 5ª fase da operação Ágata – operacionalizada no segundo semestre daquele ano para a criação de uma barreira de controle no baixo rio Mucajaí (a oeste da capital Boa Vista)- os relatórios trazem depoimentos de pessoas encontradas durante as operações, mas não se sabe porque não houve o aprofundamento na apuração dos fatos narrados.

Casos

Em um dos casos narrados um batalhão do Exército apreende uma embarcação dentro da TI Yanomami com R$ 2.650,,00 (dois mil e seiscentos e cinquenta reais em espécie, ou seja, dinheiro vivo, além de gramas de ouro, crack, base de cocaína e munições 9 mm.

Durante a abordagem é constatado que o piloto da embarcação é primo de um dos soldados atuando na operação.

As investigações descobrem que os garimpeiros eram parentes de  militares do Sétimo Batalhão de Infantaria da Selva (BIS), o que comprovadamente provocava o vazamento de informações sobre operações que buscavam suprimir as atividades de garimpo e pesca  ilegal e ainda permitiam a livre circulação de ouro e drogas, com a condição do pagamento de propina pelos criminosos.

Questionados,  a Funai e o Ministério da Defesa , sobre quais providências foram tomadas referente
às informações colhidas no relatório e se as denúncias foram investigadas, os órgãos silenciaram e não deram nenhum tipo de resposta. O Exército afirmou, por meio de sua assessoria, que tal demanda não lhe compete.

Durante a operação e, segundo o relatório, diversos garimpeiros foram atendidos com malária, muitos indígenas apresentavam sintomas de alcoolismo e um servidor público  repassava o material apreendido nas operações.

O texto menciona por diversas  vezes o crime organizado, mais especificamente a atuação de integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) na região e a relação entre o tráfico de drogas e o transporte de minerais ilegais pelas terras Yanomami, até a fronteira do Brasil.

Para a Folha, no ano passado, o líder indígena Junior Hekurari afirmou que indígenas de uma aldeia desaparecida haviam sido cooptados pelo garimpo,  mediante pagamento em ouro – dinheiro vivo não é usado na região, somente ouro e combustível.

Vários são os depoimentos que falam de pessoas trabalhando nos acampamentos ilegais de exploração de minérios e que são parentes de militares do Sétimo Batalhão, ou que são colegas de trabalho de quem é parente de militares.

No dia 25 de agosto, o relatório afirma que o batalhão fez uma série de incursões em acampamentos do garimpo, apreendendo ouro, combustível, armamento e destruindo maquinário, como antenas e motores.

“Ao chegar na ‘Currutela do Coito’ […] encontramos o local totalmente vazio, com exceção de um cidadão e sua esposa. Ficou claro que todos sabiam da chegada da tropa e evacuaram o local. A ‘currutela’ ocupa uma área grande, e estava com muito lixo recente, dando a entender que estava totalmente ocupada há pouco tempo”, diz o relatório.

Os relatos dos abordados, tanto de indígenas como de garimpeiros ou trabalhadores dos acampamentos, apontam nomes, patentes e até contato de celular dos militares que recebem propina para vazar informações sobre as operações ou permitir a entrada ilegal na terra Yanomami.

Em um dos depoimentos, o dono de uma embarcação relata que seu chefe, um proprietário de terras da região, recebeu uma foto do comboio militar ainda saindo de Manaus (AM) em direção a Roraima para ajudar nas operações.

“Ele tem diversos militares comprados que trabalham como informantes”, diz o barqueiro no depoimento, que diz ainda que o patrão teria em sua folha de pagamento inclusive um sargento do Exército. “Eles  passam informações das operações para ele, oriundas de Manaus.”

No dia 18 de agosto daquele ano, o batalhão interroga um garimpeiro que  afirma existir um grupo de WhatsApp em que militares passam informações para o garimpo e ainda entrega  números dos celulares do militares das Forças Armadas envolvidos.

Outro depoimento que diz que um homem separa dez gramas de ouro por mês para pagar militares que entregam informações sobre as operações e avisam quando a operação entra na terra Yanomami e quando sai, como entram e quantos são.

A  operação foi praticada entre julho e agosto de 2019, logo depois de o ex-presidente da Funai, o policial Marcelo Xavier, ser nomeado pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro, para chefiar o órgão. Xavier permaneceu no cargo até o fim do governo Bolsonaro.

No total, a operação mapeou três pistas de pouso clandestinas, 14 clareiras abertas para pouso e decolagem de helicópteros, 36 garimpos, balsas ou acampamentos, quatro bordéis e 41 frequências de rádio utilizadas para comunicação.

Também foram apreendidos mais de 78 gramas de ouro, dinheiro vivo, mercúrio, drogas, embarcações, motores, rádios, mais de mil litros de gasolina e 16 armas e munições.

Eliseu Mariotti / Jornalista, Músico, Programador e Veterano da FAB.

Sociedade Militar

Sociedade Militar

Editoria da Revista Sociedade Militar - Notícias militares, forças armadas, polícia militar e segurança pública em geral. Análises sobre geopolítica e política brasileira.