Ocupação das mais antigas do mundo, o militarismo, apesar de intrinsecamente uma atividade fechada, foi obrigada a se adaptar à evolução das sociedades e acolher novas técnicas, novos campos de conhecimento e consequentemente novos profissionais em seus quadros.
Nas Forças Armadas do Brasil não é diferente. Na Força Aérea, por exemplo, ombreando com os aviadores estão dentistas, economistas e biólogos. Em forma com os bravos infantes do Exército estão contabilistas, fonoaudiólogos e historiadores. É um verdadeiro balcão de profissões das mais diversas, porém com um detalhe inusitado: todos os profissionais iniciantes ganham o mesmíssimo salário de segundo-tenente.
Segundo os editais, o candidato que for incorporado poderá ser empregado em quaisquer atividades militares ou “consideradas de natureza militar” (um enigma conveniente!), nas organizações a que estiverem vinculados, “bem como em missões que destinem-se a defender a pátria e a garantir os poderes constituídos”.
Os editais de concurso não mencionam, mas há outras atividades (que talvez sejam) “consideradas de natureza militar” e que são realizadas pelos militares sem que haja contraprestação financeira. Coisas como fiscalização de concursos, porte de arma sem direito a auxílio periculosidade, plantão noturno sem a correspondente compensação, hora extra não remunerada, expediente com hora para chegar mas não para sair, entre outras, são os “bônus” que todo militar conhece.
Isso significa que pilotos, dentistas, biólogos e historiadores não só têm o salário nivelado (todos recebem o mesmo valor) como, além das atribuições de seu metiê, devem também exercer as atividades militares (ou “consideradas de natureza militar”).
O FIM DO MISTÉRIO
Como no mercado de trabalho do mundo extra-caserna as profissões têm naturalmente diferentes remunerações, do que foi dito até agora decorre logicamente que, para uns, ser militar (ainda que temporário) é vantajoso, para outros, nem tanto.
Tomemos como amostra o processo de seleção para a realização do Estágio de Adaptação Técnico (EAT) e do Estágio de Instrução Técnico (EIT), no ano de 2019, para oficial temporário da FAB. São profissionais de nível superior, com habilitação para o desempenho da profissão nas especialidades de interesse do Comando da Aeronáutica.
Listamos 22 áreas de atuação na FAB estabelecendo o salário de segundo-tenente como ponto de referência, para com isso evidenciar quais profissionais provavelmente são mais atraídos para a carreira militar, quais pensam duas vezes antes de fazer isso e finalmente quais têm mais tendência a “saltar da aeronave” em busca de melhores oportunidades.
Os dados que usamos acima, foram retirados do Guia de Ocupações do Ministério do Trabalho, que é uma iniciativa da Organização Internacional do Trabalho, cujo objetivo é facilitar o acesso do público às informações sobre as ocupações existentes no mercado de trabalho brasileiro, seus componentes e principais indicadores.
Por eles pode-se deduzir que as profissões que mais compensam o custo/benefício de se sujeitar às misteriosas atividades “consideradas” de natureza militar dispõem-se num crescendo da parte inferior da tabela (piloto) para a parte superior (fisioterapia). O gráfico abaixo ilustra ainda mais essas nuances da vida militar.
Claro que há alguma variação nos dados, pois os salários são obtidos pelas médias regionais. Porém, para efeito de um estudo superficial sobre o tema, eles se prestam a jogar alguma luz sobre esse assunto.
Estabelecendo o salário do arquiteto como fiel dessa balança, vemos que um fisioterapeuta que escolher a carreira militar (ainda que por alguns anos apenas) receberá 51% a mais do que ganha no mercado de trabalho, enquanto que um piloto deixará de ganhar mais do que o dobro (126%) se insistir nessa mesma carreira.
Com regularidade inquietante a Revista Sociedade Militar publica artigos sobre evasão de militares das Forças Armadas. Matéria recente mostrou os números da evasão na Força Aérea Brasileira, revelando que, num período de cinco anos, mais de 15% dos que pediram demissão são pilotos, e que, entre os aviadores, 40% das baixas são de oficiais superiores. Depois do que os números revelaram acima, não é mais tão difícil assim entender essa evasão.
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