O Manual de Fundamentos e Conceito Operacional do Exército Brasileiro é um documento recente e extenso, que rege todo o arcabouço doutrinário da força terrestre. Assinado em março de 2023 por um General – de – Exército, Chefe do Estado Maior da força, já no governo Lula, o manual é o documento base para fundamentar as ações dos militares e tem como um de seus pilares uma análise prospectiva do Brasil e do mundo até o ano de 2040 sob o prisma dos militares do Exército Brasileiro.
Em um dos trechos da publicação analisada pela Revista Sociedade Militar, ao interpretar a sociedade brasileira, o Exército deixa claro que considera que a população é ignorante no que diz respeito a ser dotada de uma visão clara sobre atores, circunstâncias e cenários que possam realmente se configurar como ameaças. O trecho diz também que a percepção piora ainda mais por conta da natureza difusa de tais ameaças.
O Exército menciona ainda como fator crítico a guerra de narrativas e desinformação, capazes de influenciar a opinião pública.
“FATORES CRÍTICOS : … carência de percepção da população brasileira acerca de atores, circunstâncias e cenários que possam se configurar em ameaças ao Estado, após um longo período livre de conflitos externos, é um fator crítico a ser considerado. Essa percepção torna-se ainda mais desvanecida, em função da natureza difusa de tais ameaças potenciais… ambiente informacional complexo, difuso, interativo, midiático, com grande fluxo de informações, sujeito à desinformação e à guerra de narrativas, capazes de influenciar a opinião pública”
No contexto geopolítico, o documento doutrinário diz que é muito provável que a China incremente uma assertiva política externa, se focando na maior expressão do poder econômico e garantida pelo forte poder militar, visando se contrapor ao seu principal competidor, os Estados Unidos. Entretanto, a nova doutrina aconselha a um não alinhamento do Brasil com as grandes potências, insta o Brasil a se manter pautado pela neutralidade e pela consecução dos seus interesses na arena global. Segundo o texto, o país tem tendência a ocupar a posição de liderança na América do Sul e ao evitar se alinhar a uma das grandes potência, vai agregar razoável poder de barganha.
“O Brasil, potência emergente de médio porte e com vocação para a liderança na América do Sul, será um dos países instados a participar do jogo das grandes potências… o País poderá se posicionar pautado pela neutralidade e pela consecução dos seus interesses na arena global. Assim, ao se confirmar a manutenção de um posicionamento de não alinhamento automático, é provável que o País agregue razoável poder de barganha nos processos que abarcam questões imbricadas com o jogo das grandes potências, contribuindo para a consecução de seus interesses nacionais, em especial, aqueles afetos à soberania, à segurança e à defesa nacionais.”
No contexto sul americano, o Estado Maior do Exército dá a entender que acredita que nos próximos anos é muito provável que o Brasil seja instado a atuar, de forma mais assertiva e se aprofunde sua atuação nas principais questões que demandam uma governança concertada em segurança e defesa na América do Sul.
Ainda como fator crítico, o Exército aponta o uso da IA e ações como deepfake e fakenews como dificuldades para o necessário processo de comunicação entre a instituição militar e a sociedade, já que a sociedade tem como meta a recomposição de seu poder de atuação.
“… incremento da presença de ferramentas tecnológicas e ações no ambiente informacional, tais como IA, boots, deepfake, trools, fakenews, etc, com potencial para influenciar no alinhamento da mensagem, dificultando o processo de comunicação institucional.”
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar
Trechos do documento
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ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO
Manual de Fundamentos – CONCEITO OPERACIONAL DO EXÉRCITO BRASILEIRO – OPERAÇÕES DE CONVERGÊNCIA 2040
CAPÍTULO I / INTRODUÇÃO
1.1 FINALIDADE
1.1.1 Esta publicação apresenta o Conceito Operacional do Exército Brasileiro (COEB), descrevendo como a Força Terrestre (F Ter), como integrante de esforços conjuntos, combinados e interagências, será empregada, face aos desafios futuros, no horizonte de 2040.
1.1.2 Possui, ainda, como propósito promover o resgate e a valorização do pensamento estratégico, fornecendo ferramentas conceituais adequadas aos conflitos futuros, por meio de uma abordagem pragmática, efetivamente comprometida com a realidade nacional e com a obtenção de resultados concretos para a segurança e defesa.
1.1.3 Ademais, em conformidade com o processo de evolução da concepção de transformação do Exército Brasileiro (EB), conduzido pelo Estado-Maior do Exército (EME), o documento se propõe a estabelecer as bases orientadoras que permitirão alcançar um desenho de F Ter organizada e articulada, com vistas a ser preparada, observando os novos conceitos sobre a forma de como a Força será empregada, segundo os fundamentos de uma nova Doutrina Militar Terrestre (DMT), bem como equipada em torno de novas capacidades e suas respectivas tecnologias relacionadas.
1.1.4 Por fim, convém ressaltar que a indução de novas capacidades, a serem obtidas e suportadas pelo Portfólio Estratégico do Exército, orientada por uma nova forma de conduzir a guerra, permitirá a alteração de concepções, projetando a Força para o futuro.
1.2 OS CONCEITOS, A DOUTRINA E SUA RELAÇÃO
1.2.1 Um conceito militar é a descrição de um método de aplicação de capacidades militares com vistas à resolução de determinado problema militar…. 1.2.3 Cabe destacar que somente após submetidos a criterioso processo de experimentação e validação, valendo-se de seus próprios parâmetros, os conceitos militares fornecem os fundamentos para a evolução da DMT, entendida como “conjunto de valores, fundamentos, conceitos, táticas, técnicas, normas e procedimentos da F Ter, estabelecido com a finalidade de orientar a Força no preparo de seus meios, considerando o modo de emprego mais provável, em operações interagências, conjuntas e combinadas, definindo como a Força irá se organizar, equipar e combater”.
1.3 FATORES CRÍTICOS E PREMISSAS
Como condicionantes de qualquer processo de planejamento, convém destacar alguns fatores críticos e premissas que possuem relação direta com a Defesa Nacional e que foram considerados na formulação do presente conceito operacional.
1.3.1 FATORES CRÍTICOS
1.3.1.1 A carência de percepção da população brasileira acerca de atores, circunstâncias e cenários que possam se configurar em ameaças ao Estado, após um longo período livre de conflitos externos, é um fator crítico a ser considerado. Essa percepção torna-se ainda mais desvanecida, em função da natureza difusa de tais ameaças potenciais.
1.3.1.2 A existência de vazios demográficos e a defasagem de atividades econômicas em algumas regiões do país geram desafios à coesão nacional e ao permanente esforço de integrar a nação, com reflexos para a concepção da segurança e defesa nacionais.
… 1.3.1.5 A priorização e integração dos setores governamental, industrial e acadêmico, vocacionados para a ciência, tecnologia e inovação (CT&I), são essenciais para assegurar que o atendimento às necessidades de produtos de defesa seja apoiado em tecnologias críticas sob domínio nacional, visando à autonomia tecnológica do país. Um eventual aumento da defasagem tecnológica e da escassez de recursos de poder militar limitará o peso estratégico e a autonomia do Estado brasileiro no âmbito internacional.
1.3.1.6 É possível que os espaços marítimos venham a se tornar alvos de contestações que poderão ameaçar os interesses do Estado brasileiro no Atlântico Sul. Nesse sentido, considerando que o poder naval brasileiro, em suas condições atuais, tem capacidade restrita de se contrapor a ações advindas de crises e conflitos pelo uso dos mares ou de garantir a soberania nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB)¹, torna-se uma necessidade crítica agregar capacidades da Força Aérea Brasileira (FAB) e da F Ter na defesa destes espaços.
1.3.1.7 Existência de um ambiente informacional complexo, difuso, interativo, midiático, com grande fluxo de informações, sujeito à desinformação e à guerra de narrativas, capazes de influenciar a opinião pública.
1.3.1.8 Soma-se aos fatores abordados anteriormente a ideia de que toda e qualquer iniciativa de evolução doutrinária deve mostrar-se resiliente a uma série de óbices, dentre os quais o difícil processo de consolidação da cultura conjunta no âmbito das FA e o tênue alinhamento entre as políticas de Estado. Ademais, restrições orçamentárias, aversão ao risco e resistência a mudanças constituem elementos comuns nas dinâmicas intra-institucionais...
Revista Sociedade Militar