Matéria publicada pela Revista Sociedade Militar evidenciou que o investimento em defesa vem caindo dramaticamente ao longo dos últimos anos.
Em maio, o Comandante da Marinha, almirante Olsen, assinalou que, “nos últimos 20 anos, a esquadra desmobilizou 50% dos seus meios e até 2028, mais 40% serão desmobilizados dos 50% que sobraram”.
Uma coisa que a maior parte dos críticos dos gastos com defesa não leva em conta é a dinâmica bélica. Uma guerra mundial ou continental não começa da noite para o dia, e principalmente não começa senão entre vizinhos.
A primeira movimentação de tropas alemãs em 1939 – se não contarmos o anschluss germano-austríaco – foi em direção à vizinha Polônia, que, despreparada e obsoleta na ciência da guerra, “enfrentou” os panzers alemães com cavalos (!).
A Ucrânia, que abriu mão de seus mísseis nucleares nos anos 90, acordou em 24 de fevereiro de 2022 com o Exército vermelho pulando a fina cerca que separava os dois países.
Israel e Palestina, mais do que qualquer diferença entre si, nunca deixaram de ser territórios contíguos. Sempre foram vizinhos.
O Brasil faz fronteira com outros 11 países. É mais lógico imaginar que um possível conflito comece com um ou mais deles.
GUERRAS PELA ÁGUA
O Brasil tem mais de 8.5 milhões km², além de uma fronteira gigante dividida com mais 11 países. Sua densidade populacional é 23,8 hab./km², ou seja, é praticamente um deserto.
Seu litoral é igualmente gigantesco com 7.491 km, maior até do que o do Chile. Acolhe seis principais subtipos climáticos: equatorial, tropical, semiárido, tropical de altitude, temperado e subtropical.
Um sistema denso e complexo de rios, um dos mais extensos do mundo (Amazonas), com oito grandes bacias hidrográficas, que drenam para o Atlântico.
Os cientistas estimam que o número total de espécies vegetais e animais no Brasil seja de aproximadamente de quatro milhões.
É dono de cerca de 12% da água doce superficial disponível no planeta e 28% da disponibilidade nas Américas. Possui também um dos maiores reservatórios de água doce do planeta, o sistema Aquífero Guarani, com 1.200 mil km², que abrange ainda outros três países: Argentina, Paraguai e Uruguai.
Uma reportagem da BBC, “Onde a escassez de água já provoca guerras no mundo“, conta sobre os conflitos direta ou indiretamente ligados à falta de água no mundo.
Peter Gleick, diretor do Pacific Institute, com sede em Oakland, Califórnia, passou as últimas três décadas estudando o vínculo entre a escassez de água, guerras e migração. Ele acredita que os conflitos por água estão aumentando.
“Com raras exceções, ninguém morre literalmente de sede“, disse Gleick. “Mas cada vez mais pessoas morrem por causa de água contaminada ou devido a conflitos por acesso a água.”
IMAGINE SE O AMAZONAS FOR DESVIADO
Na região de Sahel, na África, por exemplo, há registros frequentes de violentos enfrentamentos entre pastores e agricultores devido à escassez de água para seus animais e cultivos.
A nascente do Rio Amazonas não fica no Brasil, mas sim no Peru, ao sul da cidade de Cuzco e próximo ao Lago Titicaca. Situação semelhante ocorre na Índia.
Vários rios importantes que alimentam a área, o Indo, o Ganges e o Sutlej, originam-se no lado tibetano da fronteira (que é controlado pela China), mas são vitais para o abastecimento de água na Índia e no Paquistão.
Vários conflitos na fronteira eclodiram recentemente entre Índia e China, por reivindicações de áreas de acesso ao rio.
Dados do site Water Conflict Chronology do Pacific Institute mostram que só na América Latina e Caribe já foram registrados 149 conflitos relacionados à escassez, falta ou à qualidade da água, desde que os registros começaram a ser feitos.
Só de 2020 para cá, 51 foram relacionados, ou seja mais de um terço ocorreram nos últimos três anos.
O INIMIGO PODE ESTAR AO LADO
Virou lugar comum fazer comparações entre os gastos militares do Brasil e de países tão distantes geográfica quanto economicamente, como Rússia, EUA ou China.
Raramente se fala dos nossos hermanos, que moram ao lado, tão próximos de nós e que podem nos surpreender.
Para se ter uma ideia de como anda o clima bélico na América Latina, recorremos a um site da Unesp chamado Atlas de Defesa da América do Sul.
O objetivo do Atlas é fornecer à comunidade acadêmica, tomadores de decisão e sociedade civil um instrumento que compile e combine informações sobre a Defesa dos países sul-americanos.
O usuário poderá visualizar e combinar dados sobre Base Industrial de Defesa, gastos militares, transferências de armamentos e participação em operações de paz.
Pelos números da tabela pode-se ver que, apesar do alarde que é feito em torno do orçamento da Defesa, o Brasil (1.4% do PIB) está na média dos países do Cone Sul.
A Colômbia está em primeiro lugar com mais do que o dobro (3.4% do PIB) do índice brasileiro.
O campeão de gastos militares per capita, isto é, quanto o país gasta com defesa por habitante, é o Uruguai. Neste quesito o Brasil também está na média da lista.
Finalmente, aquilo que é uma das pernas de uma Força Armada que pretende ter realmente capacidade de dissuasão, o ranking de armamentos pode ser visto na última tabela.
Nela, vemos que o Brasil está entre os primeiros colocados, mas atrás da Venezuela e do Chile.
A Venezuela tem quase o dobro do número de aeronaves, e o Chile, com o litoral um pouco menor do que o nosso, tem quase o quádruplo do número de navios.