A invasão da Ucrânia,comandada pelo presidente russo Vladimir Putin em 2022, trouxe consigo uma série de perplexidades e confusões intelectuais em autodeclarados especialistas em geopolítica que professam diversos vieses políticos. Putin nunca forneceu uma explicação coerente ou consistente para suas intenções, e as decisões tomadas pela Rússia têm sido frequentemente desconcertantes. Embora as hostilidades tenham permanecido principalmente na Ucrânia, este conflito teve consequências globais significativas. Esta guerra combina elementos de alta tecnologia, como drones e mísseis, com aspectos tradicionais de tanques e trincheiras, remetendo às guerras mundiais do século XX. Além disso, os parâmetros nucleares deste conflito evocam a Guerra Fria, que durou do final dos anos 1940 até 1991.
O Desafio da política externa dos EUA nos próximos anos
Independentemente da categorização deste conflito, ele não é necessariamente o principal desafio da política externa dos Estados Unidos. As crescentes tensões entre a China e os EUA podem ofuscar a Europa e o conflito na Ucrânia. A relação da guerra na Ucrânia com crises e invasões reais e potenciais na Ásia é igualmente confusa. A Ucrânia serve como um presságio de guerra em Taiwan ou é apenas uma nota de rodapé para uma guerra mundial que pode começar na Ásia? Em seu novo livro, New Cold Wars: China’s Rise, Russia’s Invasion, and America’s Struggle to Defend the West, David Sanger, um renomado jornalista do New York Times, traz clareza a essas questões.
Três temas centrais em New Cold Wars
Sanger delineia três temas principais em New Cold Wars. O primeiro é o retorno da guerra convencional em larga escala, envolvendo grandes potências, exemplificado pela invasão da Ucrânia por Putin. O segundo é a evolução de novas tecnologias e suas aplicações militares não testadas. O terceiro tema é o enigma estratégico que os EUA enfrentam atualmente. Os Estados Unidos devem lidar com uma Rússia e uma China empenhadas em derrubar a ordem internacional liderada pelos EUA, enquanto enfrentam mudanças significativas na natureza do poder tecnológico, econômico e geopolítico.
Se os EUA não conseguirem acompanhar esses desafios, Sanger argumenta, mais guerras e caos provavelmente proliferarão. Sanger narra várias “novas guerras frias” em uma única narrativa, oferecendo um retraçamento cuidadoso dos eventos dos últimos 10 anos, iluminando pontos de virada, ilusões políticas e as nuances da formação de políticas.

A Ameaça que agora é dupla, China e Rússia
Embora China e Rússia estejam cada vez mais próximas, elas representam ameaças separadas na análise de Sanger. A China consolidou seu poder estatal para promover interesses econômicos e geopolíticos de longo prazo, enquanto Vladimir Putin está travando uma guerra por domínio territorial, muitas vezes prejudicada pela tecnologia sofisticada. Diante dessas duas potências, os EUA devem enfrentar desafios distintos simultaneamente: a tentativa da Rússia de transformar a Europa em um campo de batalha imperial e o potencial da China de construir uma nova ordem internacional, eclipsando a influência dos EUA.
Quando Xi Jinping assumiu o poder na China em 2013, ele herdou uma economia globalizada e uma política não democratizante. Xi direcionou a China para um governo mais ditatorial, elevando-se acima das instituições do Partido Comunista Chinês e moldando uma política externa confrontacional. Essa política inclui a redução do alcance dos EUA e a capacitação de uma China assertiva e autônoma por meio de influência econômica e ambição regional.
Em 2014, um ano após Xi assumir o comando na China, o líder russo Putin anexou a Crimeia. Sanger observa sobre isso que “o que mais se destaca na invasão da Crimeia em 2014 não é apenas a audácia da invasão, mas o fracasso do Ocidente em lidar com essa nova realidade”. A anexação da Crimeia marcou o início de uma nova era, embora muitos ainda acreditassem estar vivendo em um regime antigo, com fronteiras sacrossantas e uma Europa em paz. A verdadeira escala das ambições revisionistas de Putin só se tornou aparente em fevereiro de 2022.
Sanger argumenta que os contornos da ambição de Putin eram perceptíveis muito antes, e os anos Trump se encaixam paradoxalmente nessa narrativa. Durante o mandato de Trump, apesar de uma pandemia global, não houve grandes guerras na Europa, Ásia ou Oriente Médio. No entanto, os EUA estavam cada vez mais prejudicados, e a capacidade da América de moldar o mundo estava diminuindo.
A Estratégia dos EUA e o Futuro
Sanger descreve como a equipe de Biden, ao assumir o cargo, vinculou sua política industrial à sua política para a Ásia, um movimento necessário no campo geopolítico do século XXI. No entanto, em janeiro de 2021, os EUA tinham pouca noção de quão violento o novo estado de coisas global estava destinado a ser.
Sanger se recusa a descrever a guerra na Ucrânia como um acidente ou capricho de Putin. Ele a caracteriza como uma extensão lógica de uma ânsia por poder e território que não é exclusiva do Kremlin. A guerra na Ucrânia é possivelmente um ponto de virada não só na Europa, mas também na Ásia e no Oriente Médio.
O ponto de virada foi em 2014
New Cold Wars de David Sanger é mais do que uma história e inquietante narrativa dos últimos 10 anos. O livro esclarece o ponto de virada alcançado com a anexação da Crimeia por Putin em 2014 e projeta as implicações desse ponto de virada para o futuro. Sem sensacionalismo, Sanger desafia qualquer complacência que possa persistir sobre as próximas décadas. Seu livro é um apelo à criação e ao aproveitamento da proeza tecnológica para que a ânsia por território e poder seja mantida sob controle, evitando que guerras regionais se transformem em guerras mundiais.
Referências importantes: Invasão da Ucrânia pela Rússia (2022) // Guerra Fria // David Sanger