O Projeto Secreto da FAB: No coração da floresta amazônica, discretamente escondido dentro de uma base militar, a Força Aérea Brasileira construiu, no início dos anos 80, um buraco para testes militares nucleares. No entanto, até hoje, a FAB e oficiais envolvidos no programa nuclear da Aeronáutica relutam em admitir que ali ocorreriam explosões atômicas de potencial bélico, apesar de indícios apontarem nessa direção.
A busca pela a bomba atômica do Brasil: Força Aérea Brasileira esconde um buraco no coração da Amazônia
Documentos e Controvérsias: FAB confirmou a existência do projeto
Baseado na lei de acesso à informação, O GLOBO solicitou todos os registros relacionados à iniciativa na base de Cachimbo. A Força Aérea confirmou a existência do projeto oficialmente denominado Pedra do Índio para a construção de um buraco em sua base militar no Pará, mas não especificou seu propósito.
Dois documentos da época, atualmente desclassificados, foram liberados: um sobre a construção do buraco em 1987 e outro sobre a implosão do poço em novembro de 1990, após o presidente Collor ordenar o fim das pesquisas nessa área.
O brigadeiro Reginaldo Santos, engenheiro ótico do projeto de enriquecimento de urânio pelo método a laser, trabalhava no Centro Técnico Aeroespacial (CTA) enquanto a Força Aérea cavava o buraco do Cachimbo. Ele argumenta que a obra tinha como objetivo selar rejeitos de origem nuclear através do processo de vitrificação sob a rocha.
“A Comissão de Energia Nuclear (Cenem) estava preocupada com os rejeitos nucleares que seriam produzidos. Então surgiu a possibilidade de selar esse material na rocha. Havia a chance de vitrificar os rejeitos e lançá-los no Cachimbo”, afirma o militar reformado, atualmente diretor-geral da binacional aeroespacial Alcântara Cyclone Space, acrescentando: “Ninguém nunca determinou que desenvolvêssemos um explosivo nuclear. Isso não chegou até mim. Na época, havia uma preocupação dos políticos para que o país não passasse essa imagem”.
Entretanto, além do almirante Othon, que liderou a Marinha na busca pela tecnologia de enriquecimento de urânio pelo método de ultracentrifugação, o físico e especialista em energia nuclear Luiz Pinguelli Rosa, da Coppe/RJ, que acompanhou de perto os desdobramentos do programa nuclear brasileiro, sustenta que a justificativa dada para o uso do Cachimbo não é convincente.
“O buraco não tem dimensão para isso (uso para vitrificação de rejeitos nucleares). O diâmetro é de pouco mais de um ou dois metros, com uma profundidade de 300 metros. Não é razoável acreditar que os militares planejavam colocar lixo radioativo lá. Como transportar esse lixo no meio da selva? Para um teste, sim. Não uma bomba”, rebate Pinguelli.
Reconhecimento oficial do Programa Autônomo de Energia Nuclear com a participação do Exército, Marinha e Aeronáutica
Sobre as pesquisas para a fabricação da bomba, a Força Aérea brasileira sustenta que tudo já foi discutido no âmbito de uma CPI aberta pelo Congresso em 1990. E que seu papel foi apenas de tentar desenvolver tecnologias de enriquecimento de urânio. “O Comando da Aeronáutica (COMAER) reconhece a existência do ‘Programa Autônomo de Energia Nuclear’, como sendo um programa de governo desenvolvido a partir da década de 1970, com a participação do Exército, Marinha e Aeronáutica, além da Comissão de Energia Nuclear (CNEN).
A participação do COMAER no programa mencionado restringiu-se única e exclusivamente à execução de atividades de pesquisa relacionadas ao enriquecimento isotópico de urânio, com o uso de tecnologias de lasers, reatores nucleares rápidos, aceleradores lineares de elétrons e produção de urânio metálico”, diz a Força Aérea brasileira.
Não há documentos produzidos entre 1986 e 1990 disponíveis. Nesse período, o acesso à base era rigidamente controlado pelo CTA. Militares que atuaram no local dão um exemplo. Em 1987, pousou na base um avião da própria Força Aérea Brasileira com um grupo de oficiais. Enquanto aguardavam, o brigadeiro que chefiava o grupo pediu para inspecionar o local do buraco. O sargento que controlava a pista teve que negar o pedido, mesmo sendo hierarquicamente inferior a todos ali.
Na verdade, estava sob ordens de um brigadeiro de alta patente, o então chefe do CTA Humberto Zignago Fiúza, que também estava na base. Mas a determinação expressa era que pessoal civil ou militar não autorizado não podia ir ao local. Naquele dia, os oficiais partiram sem conhecer o buraco de Cachimbo.
Além dos dois documentos liberados pela FAB via lei de acesso, a Força Aérea Brasileira entregou uma tabela com resultados da análise geológica feita antes da obra em Cachimbo, onde técnicos descrevem a composição do solo até a profundidade de 350 metros. Há ainda um croqui simples, feito à mão, indicando as dimensões do fosso, que na abertura teria pouco mais de um metro. No fundo do buraco haveria uma galeria de 27 metros cúbicos.
No dia 5 de novembro de 1990, um documento relata como foi a operação para destruir o fosso. Foram utilizados 8 quilos de explosivos colocados a 45 metros de profundidade. Comandada por militares do CTA, a explosão teria danificado a chapa de aço na boca do buraco e também destruído parte do concreto, provocando a abertura de uma caverna subterrânea a 45 metros de profundidade. Antes que alguém se aventurasse a conferir o resultado, o ofício alertava: a caverna causou uma instabilidade no terreno, “não sendo aconselhável sequer o acesso à área devido à probabilidade de desmoronamentos”.