Crise na República Democrática do Congo: A invasão do país por Ruanda e a escalada do conflito
A cidade de Goma, no leste da República Democrática do Congo (RDC), tornou-se o epicentro de uma crise geopolítica com a Ruanda que ameaça desestabilizar toda a região. Na última segunda-feira, rebeldes do M23, com apoio militar de Ruanda, tomaram o controle da cidade, levantando o espectro de uma guerra em grande escala.
O governo do Congo classificou a ofensiva como uma “declaração de guerra” de Ruanda. Ao mesmo tempo, o M23 afirmou em sua primeira coletiva de imprensa que está “aqui para ficar” e que pode expandir ainda mais seu território. O grupo já ameaça marchar até Kinshasa, a capital da RDC, o que poderia ter efeitos devastadores na África Central.
A seguir, os cinco principais pontos sobre a crise que assola a região.
1. O que é o M23 e qual sua origem?
O M23 (Movimento 23 de Março) é um grupo rebelde formado em 2012 por combatentes tutsis congoleses, que afirmam lutar sobretudo contra a discriminação e pela proteção de minorias étnicas. Seu nome faz referência a um acordo de paz assinado em 23 de março de 2009, que os rebeldes alegam não ter sido cumprido pelo governo congolês.
O grupo emergiu como um dos sucessores de milícias tutsis que operam no leste do Congo desde as guerras multiestatais que seguiram o genocídio de Ruanda em 1994. Naquele ano, cerca de 1 milhão de pessoas — em sua maioria tutsis — foram massacradas por extremistas hutus. Após o fim do genocídio, os responsáveis fugiram para a RDC, levando à formação de facções armadas rivais e a décadas de instabilidade.
O M23 capturou Goma pela primeira vez em 2012, mas foi expulso no mesmo ano. Após um período de inatividade, retomou sua ofensiva em 2021, conquistando territórios estratégicos em Kivu do Norte e, mais recentemente, completando o cerco à capital provincial.
2. Quais são os objetivos dos rebeldes?
O M23 afirma que sua luta tem o objetivo de garantir direitos à população tutsi do leste do Congo e permitir o retorno de refugiados da etnia, que vivem principalmente em Ruanda e Uganda. Além disso, os rebeldes alegam combater a presença de grupos hutus, como as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), acusadas de abrigar ex-perpetradores do genocídio de 1994.
Contudo, o governo da RDC classifica o M23 como um “fantoche” dos interesses ruandeses e denuncia que o grupo visa consolidar o domínio de Ruanda sobre as ricas reservas minerais da região. O leste congolês abriga vastas jazidas de coltan, estanho e ouro, essenciais para a indústria de eletrônicos. Relatórios da ONU indicam que, somente em 2024, o M23 teria contrabandeado ao menos 150 toneladas métricas de coltan para Ruanda.
3. Ruanda está diretamente envolvida no conflito?
De acordo com relatórios da ONU, Ruanda fornece apoio logístico e militar direto ao M23, incluindo o envio de tropas para o leste do Congo. Estima-se que até 4.000 soldados ruandeses estejam operando na região. Esses grupos operam usando equipamentos militares avançados, como sistemas de defesa aérea e munições guiadas de precisão.
O governo ruandês, no entanto, nega qualquer envolvimento direto e argumenta que a RDC abriga e coopera com grupos hutus armados, como a FDLR. Ruanda acusa as forças do Congo de lutarem ao lado desses grupos, algo que Kinshasa nega veementemente.
A situação gerou repercussão internacional, com países como Estados Unidos, França e Reino Unido condenando a presença de tropas de Ruanda no Congo. Algumas nações europeias ameaçaram suspender ajuda financeira a Ruanda, mas até agora as sanções têm sido limitadas.
4. Qual o impacto humanitário do conflito?
A escalada da violência agravou uma crise humanitária que já era alarmante. Estima-se que mais de 1 milhão de pessoas tenham sido deslocadas nos últimos anos. Além disso, há centenas de milhares vivendo em condições precárias nos arredores de Goma. Os campos de refugiados sofrem com escassez de alimentos, surtos de doenças e relatos generalizados de violência sexual.
A atual ofensiva levanta temores de uma repetição das duas guerras do Congo (1996-1997 e 1998-2003), que resultaram na morte de até 5 milhões de pessoas, sendo um dos conflitos mais letais da história moderna.
5. O que pode acontecer agora?
Os rebeldes do M23 continuam avançando. Há temores de que possam atacar Bukavu, outra cidade estratégica na fronteira com Ruanda. O governo da RDC prometeu retomar Goma e pede apoio internacional para conter a ofensiva. Ao mesmo tempo, sanções contra Ruanda permanecem como um possível instrumento de pressão diplomática.
A comunidade internacional, incluindo a ONU e a União Africana, tenta intermediar negociações, mas sem sucesso até agora. A continuidade do conflito pode levar a uma guerra de larga escala, reacendendo as tensões regionais e mergulhando a África Central em mais um ciclo de violência.
