Em fevereiro de 2023, a Marinha do Brasil realizou o afundamento controlado do porta-aviões Nae São Paulo na zona econômica exclusiva próxima a Recife (PE). O navio, construído na França na década de 1950, que também participou de testes atômicos na Polinésia Francesa antes de ser adquirido pelo Brasil no início dos anos 2000. No Brasil, ainda em atividade, o navio era visto por militares como uma embarcação antiquada e perigosa, foi palco de acidentes que levaram militares à morte. O destino final da embarcação foi marcado por uma série de impasses legais e ambientais, especialmente devido à presença de materiais tóxicos a bordo.
As alternativas propostas pela Turquia
Após anos de inatividade, o São Paulo foi vendido a um estaleiro turco para ser desmontado como sucata. Durante esse imbróglio a Revista Sociedade Militar ouviu o especialista turco Enver Yaser Kucukgul, que afirmou de forma taxativa que poderia ainda haver material radioativo a bordo e que pelo menos 8 mil toneladas de resíduos tóxicos muito perigosos seriam geradas no desmonte da embarcação. Na época grupos tentavam evitar que a embarcação fosse transportada para a Turquia para ser desmontada.
Em 2021 o Contra-almirante Mustafa Cihat Yayci, oficial da Marinha de guerra da Turquia, mencionou a possibilidade de transformar a embarcação em um grande centro de treinamento de militares. Falou inclusive em realizar no navio o treinamento para operar caças russos SU-33, usados pelas Forças Armadas turcas.
As autoridades turcas foram de fato convencidas e recusaram a entrada do navio, alegando riscos ambientais pela presença de substâncias tóxicas e radioativas. No retorno ao Brasil, a Marinha proibiu que ele atracasse no porto de origem, determinando sua ida ao Porto de Suape (PE).
Governo de Pernambuco recusou a atracação no estado
O governo de Pernambuco, por sua vez, recorreu à Justiça e a 9ª Vara da Justiça Federal proibiu a atracação do Nae São Paulo no porto local. A empresa responsável pelo transporte, MSK Maritime Services & Trading, tentou reverter a decisão no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, mas sem sucesso.
Sem um local para atracar e com a embarcação deteriorando rapidamente, a Marinha, o Ministério da Defesa e a Advocacia-Geral da União (AGU) decidiram que a melhor alternativa seria o afundamento controlado. A decisão gerou fortes críticas de órgãos ambientais e organizações como o IBAMA, o Ministério Público Federal (MPF) e o Greenpeace, que alertaram para os riscos à vida marinha e à saúde humana.
A Marinha sustentou que a deterioração do casco tornava o naufrágio inevitável e que a melhor opção era conduzi-lo de forma controlada. Durante a disputa não foram mencionadas as propostas para que a embarcação fosse transformada em um museu. Até hoje, mesmo deposi do afundamento do navio, o site Projeto Museu Foch Nae São Paulo está online.
Amianto e outros riscos ambientais no Nae São Paulo
Um dos pontos mais críticos do caso é a presença de 9,6 toneladas de amianto, além de 644 toneladas de tintas e outros materiais tóxicos. O amianto é uma substância altamente cancerígena, proibida em vários países, inclusive no Brasil desde 2017. Quando disperso no ambiente, pode afetar organismos marinhos e representar riscos à saúde humana, especialmente para pescadores e populações costeiras.
O IBAMA recomendou a realização de estudos ambientais prévios para avaliar impactos potenciais, mas a Marinha afirmou que as avaliações realizadas indicaram que o afundamento seria a opção mais segura diante da deterioração da embarcação.
Explicações da Marinha e a política ambiental brasileira
A Marinha justificou a operação afirmando que o afundamento foi realizado em águas profundas, a aproximadamente 350 km da costa, minimizando riscos ambientais. No relatório, a instituição declara que o afundamento era iminente e que até os militares que tripulavam o rebocador que estava próximo ao Porta Aviões estavam em risco.
Na época, em nota oficial, a Marinha explicou que “atuou de modo a evitar a possibilidade de encalhe ou afundamento que pudesse representar um perigo à navegação ou interditar canal de acesso a porto nacional, com prejuízos de ordem logística, operacional, ambiental e econômica ao Estado brasileiro”.
“Foram consideradas(os): i) as condições precárias de estabilidade e flutuabilidade do casco, constatadas por meio de vistorias de salvage master, determinadas pela Autoridade Marítima Brasileira à empresa proprietária do casco, por ocasião de seu regresso ao Brasil; ii) a inexistência, desde dezembro de 2022, de cobertura de seguro P&l (Protection and Indemnity) para o casco, de responsabilidade da empresa proprietária; iii) a renúncia à propriedade do casco pela empresa, com risco de deixá-lo à deriva, restando à MB assumir o controle administrativo do reboque; e iv) o risco iminente de afundamento não controlado, com consequências imprevisíveis, inclusive, colocando em risco o rebocador da MB e sua tripulação. “ (relatório enviado à Câmara dos Deputados”

Cuidados e custos da operação
A Marinha do Brasil, em relatório encaminhado À Câmara dos Deputados, afirmou que seguiu protocolos rigorosos para minimizar os impactos ambientais. O local do naufrágio foi escolhido com base em estudos do Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), considerando critérios como:
- Localização dentro da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira;
- Ausência de Áreas de Proteção Ambiental (APA) próximas;
- Distância segura de cabos submarinos e empreendimentos marítimos;
- Profundidade superior a 3 mil metros, reduzindo riscos de dispersão de materiais tóxicos.
- O custo da operação foi de R$ 37 milhões, incluindo logística, segurança e monitoramento ambiental.
A questão ainda hoje é alvo de notícias, especulações e estudos para avaliar o verdadeiro impacto do afundamento da embarcação.