A escalada da inflação em 2024, que fechou o ano em 4,71% segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15), expôs uma dura realidade para os militares das Forças Armadas. Ainda sem um reajuste efetivo aplicado, eles veem seu poder de compra minguar a cada mês, enquanto a promessa de aumento salarial não cobre sequer um ano de perdas para a inflação. De um lado, um custo de vida cada vez mais alto; de outro, a falta de definições concretas sobre quando – e de quanto – será o reajuste efetivo. Ao que tudo indica, a queda na qualidade de vida de militares ativos, inativos e pensionistas é praticamente inevitável.
Ao longo deste artigo, vamos entender como a inflação impactou os salários dos militares em 2024, por que a promessa de um aumento de 9% até 2026 não resolve o problema imediato e qual é a posição do governo federal a respeito. Também abordaremos as reações de lideranças militares, que começam a buscar soluções políticas em Brasília, e como essa situação pode alimentar uma onda de insatisfação dentro dos quartéis.
A inflação de 4,71% e o efeito devastador no bolso
A inflação acumulada de 4,71% em 2024, divulgada pelo IBGE por meio do IPCA-15, já seria motivo de alerta para qualquer trabalhador brasileiro. Para os militares, porém, o cenário é ainda mais preocupante, considerando que muitos estão há anos sem qualquer correção salarial significativa. Cada reajuste de preços – especialmente em alimentação, habitação, saúde e transporte – derruba um pouco mais o poder de compra dessa categoria.
- Alimentação e bebidas: liderou os aumentos em 2024, com variação de 8,00% e impacto direto na cesta básica;
- Despesas pessoais: registrou altas em serviços como cabeleireiro, barbeiro e cinema, mas o peso maior foi no cigarro, que saltou 12,78%;
- Transportes: passagem aérea subiu 4,43% e o etanol, 0,80%, revelando custo extra para deslocamentos pessoais e familiares.
Essas elevações afetam o orçamento dos militares não só na ativa, mas também dos inativos e pensionistas que, em muitos casos, dependem de salários fixos e sem perspectiva de ganho real no curto prazo.
Promessa de reajuste: 9% divididos até 2026
Em meio ao aumento generalizado de preços, o governo acenou com uma promessa de 9% de reajuste para os militares das Forças Armadas, divididos em 4,5% em abril de 2025 e mais 4,5% em 2026. No entanto, essa concessão se mostra tardia e insuficiente, pois:
- Não há compensação imediata para as perdas acumuladas em 2024 (e em anos anteriores);
- Os 4,5% iniciais só estão previstos para abril de 2025, o que significa que as perdas de 2024 e parte de 2025 continuarão sem cobertura;
- Até 2026, a inflação pode somar mais alguns pontos percentuais, corroendo ainda mais a renda do militar.
O problema se agrava porque, segundo fontes do governo, esses 9% não foram oficialmente confirmados em detalhes. Existe apenas uma verba orçamentária de R$ 3,9 bilhões no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para reajustes e reestruturações, mas nada garante que toda essa quantia seja destinada exatamente para esse propósito.
Perda de poder de compra em escala
Se a inflação de 4,71% já reduz o valor real dos salários, a tendência é que, sem um aumento emergencial, esse processo seja contínuo. Ou seja, cada mês de 2025 em diante em que a inflação superar eventuais ganhos salariais, representa um novo degrau de empobrecimento da classe militar. O risco é que, ao final do período, mesmo que se some o reajuste total de 9%, as perdas relativas ao poder de compra acabem sendo superiores aos acréscimos.
Para entender melhor, basta fazer uma comparação simples:
- Em 2024, a inflação ficou em 4,71%.
- O reajuste de 9% anunciado para até 2026, na prática, precisaria cobrir não apenas esse 4,71%, mas também o que ocorrer de inflação em 2025 e 2026.
Se considerarmos a possibilidade de que a inflação anualizada se aproxime de 4% ou 5% nos próximos anos, percebe-se que a conta não fecha de maneira favorável aos militares.
O contraste com servidores civis e a disparidade de tratamento
Para agravar o sentimento de injustiça, muitos servidores federais civis receberam, já no início de 2024, a sinalização de reajustes escalonados até 2026. A imprensa noticiou que diversas carreiras públicas tiveram seus aumentos confirmados e, inclusive, chegaram a pressionar o governo para abrir nova mesa de negociação para 2025.
Embora o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos tenha descartado negociações ainda neste ano de 2025, o fato é que grande parte dos servidores civis possui ao menos garantias salariais mais claras do que as Forças Armadas. Esse contraste alimenta a percepção de desvalorização do pessoal militar, que historicamente tem feito parte de missões de emergência, de segurança pública e de defesa territorial sem receber a correspondente atenção econômica.
Insatisfação crescente nos quartéis
A insatisfação entre os militares não se restringe apenas ao soldo ou ao contracheque. Os relatos indicam também:
- Diminuição da atratividade na carreira: jovens que antes enxergavam as Forças Armadas como via de ascensão profissional agora se perguntam se esse caminho vale a pena, dadas as incertezas salariais;
- Baixa moral: com reajustes sucessivamente adiados ou que chegam tarde demais, a motivação para cumprir missões em áreas de risco é cada vez menor;
- Evasão: há casos de militares que buscam concursos em outras instituições (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, entre outras) por melhores condições de trabalho e remuneração.
O Comandante da Marinha, por exemplo, já manifestou preocupação com a alta taxa de evasão, sobretudo entre oficiais que, além de receber investimentos altos em formação, trazem know-how técnico fundamental. O que se desenha é um quadro onde o interesse em seguir carreira militar pode sofrer abalos expressivos nos próximos anos.
Buscas por solução em Brasília e a falta de respostas
Diante desse cenário, lideranças militares e representantes de associações de classe (incluindo veteranos e pensionistas) têm ido a Brasília em busca de negociações. Contudo, a complexa situação fiscal do país e as restrições orçamentárias dificultam avanços. Promessas de generais de que haveria um acréscimo salarial mais robusto, ou pelo menos uma paridade com outros servidores federais, ainda não saíram do papel.
De acordo com Wagner Coelho e Major Luigi, que participaram de transmissões ao vivo discutindo o tema, existe um sentimento de que a falta de unidade entre as diferentes forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) e dos militares estaduais em seus pleitos dificulta uma pressão efetiva sobre o governo. Na prática, cada força ou estado tenta negociar separadamente, o que reduz o poder de barganha do grupo como um todo.
Perspectivas para 2025 e 2026: cenário de incertezas
Com a volta dos parlamentares do recesso e a previsão de votar o Orçamento 2025, espera-se algum avanço na definição de verbas para reajustes salariais. Porém, várias barreiras precisam ser vencidas:
- Questões fiscais: a lei de teto de gastos e a necessidade de ajustar as contas públicas podem limitar a aplicação integral dos R$ 3,9 bilhões previstos no PLDO para as Forças Armadas;
- Prioridades do governo: saúde, educação e programas sociais podem acabar recebendo maior atenção do Planalto, deixando os militares em segundo plano;
- Negociações políticas: parte do reajuste depende de alianças e acordos dentro do Congresso. Sem um projeto de lei específico para reestruturação das carreiras militares, os recursos podem não ser liberados ou virem diluídos em outras finalidades.
Em paralelo, as categorias civis já contempladas com aumentos até 2026 tendem a desmobilizar a discussão no curto prazo, reduzindo a pressão social sobre o Executivo para corrigir os salários dos militares.
Consequências para a Defesa Nacional
A falta de uma remuneração competitiva impacta diretamente a prontidão operacional das Forças Armadas. Se oficiais e praças veem poucas perspectivas de crescimento salarial, a rotatividade pode aumentar, prejudicando a formação de quadros experientes. A consequência de longo prazo seria a redução da capacidade de defesa em áreas sensíveis, como fronteiras, Amazônia e missões de paz no exterior.
Ainda que o militar se engaje por vocação, a necessidade de sustentar sua família num contexto inflacionário pesa na decisão de permanecer na ativa. Em última análise, essa situação configura uma ameaça à própria soberania, pois um corpo militar desmotivado e enxugado em seus recursos humanos tende a ser menos eficaz em proteger o território e a população.
A inevitabilidade das perdas: rumo a um 2025 ainda mais desafiador
Com a inflação de 4,71% corroendo os salários em 2024, e sem uma perspectiva clara de reajuste imediato, os militares das Forças Armadas ingressam em 2025 com a certeza de que ficarão mais pobres. A promessa de 9% até 2026 – iniciando em abril de 2025 – é vista por muitos como “um alívio incompleto” que não suprirá nem o acumulado de um ano de inflação, quem dirá de dois ou três.
Os protestos silenciosos, a busca por soluções em gabinetes do Congresso e a mobilização pelas redes sociais podem ganhar força, mas ainda não há indícios de que o governo federal cederá facilmente. Enquanto isso, a realidade financeira dos quartéis se agrava, e o risco de debandada aumenta.
A defasagem salarial de 4,71% em 2024 é apenas a ponta do iceberg para os militares das Forças Armadas. A promessa de reajuste escalonado até 2026 – com metade em abril de 2025 e outra metade em 2026 – não cobre nem um ano de perdas, o que sinaliza uma tendência de empobrecimento progressivo da categoria. A sensação de desvalorização se aprofunda quando se observa o tratamento mais célere recebido por servidores civis e a indefinição do governo em oficializar um reajuste que contemple, de fato, as necessidades imediatas dos militares.
Entre a estagnação e a incerteza política, o que se vê é um grupo profissional vital para a segurança nacional ficando mais pobre a cada mês, enquanto espera por uma solução concreta que parece cada vez mais distante. Sem uma reviravolta orçamentária ou um acordo firme no Congresso, o ano de 2025 deverá consolidar o quadro de perdas salariais, com consequências potenciais para a coesão e a própria eficácia operacional das Forças Armadas brasileiras.