Um memorando confidencial da CIA, recentemente desclassificado por determinação do presidente Donald Trump, revela detalhes surpreendentes sobre operações de treinamento cubano na América Latina antes do golpe militar brasileiro de 1964. O documento, parte da Coleção de Registros do Assassinato do Presidente John F. Kennedy, confirma que aproximadamente 400 brasileiros viajaram legalmente para Cuba em 1962 para receber treinamento específico em táticas de guerrilha.
Redes de treinamento e infiltração
De acordo com o memorando datado de 27 de março de 1963, os brasileiros participaram de um programa estruturado que incluía “um curso de 11 meses em política geral, e depois três meses específicos para o Brasil”. A CIA identificou uma operação coordenada para estabelecer campos de treinamento guerrilheiro em território brasileiro.
“Pelo menos quatro dos guerrilheiros treinados no contingente original de 12 foram encarregados da formação de guerrilha pela liderança do Partido Comunista Brasileiro, de acordo com seus documentos apreendidos”, revela o documento classificado como “SECRET”.

O relatório detalha ainda que “pelo menos seis desses campos foram estabelecidos, e cada um deveria ter 30 homens e pelo menos um líder treinado em Cuba”, evidenciando o alcance da rede que estava sendo construída.
Líderes identificados e conexões políticas
O documento identifica nominalmente brasileiros em “posições de influência” que receberam treinamento em Cuba, incluindo Clodomir dos Santos Morais, descrito como “número dois nas Ligas Camponesas, e agente principal na criação dos campos de treinamento”.
Outros nomes mencionados incluem “Joaquim Ferreira, Pedro Motta Barros, Rivadiva Braz de Oliveira e Amaro Luiz de Carvalho”, identificados como “ex-líderes econômicos da SUDENE”, a agência de desenvolvimento para o Nordeste.
O memorando também aponta Florentino Alcantara de Moraes como “líder estadual de Pernambuco do Partido Comunista do Brasil”, além de “Carlos Danielli, Angel Arroyo, Maurício Grabois e João Amazonas” como “líderes do dissidente Partido Comunista”.
Contexto histórico reexaminado
Esta revelação traz nova luz sobre o contexto que antecedeu o golpe militar de 1964. O temor de uma “cubanização” do Brasil, frequentemente citado por militares e grupos conservadores para justificar a deposição do presidente João Goulart, encontra agora respaldo em documentos oficiais americanos.
Os documentos indicam que os guerrilheiros treinados eram provenientes tanto “do partido Comunista regular” quanto “do dissidente Partido Comunista Marxista-Orientado das Ligas Camponesas de Francisco Julião“, organizações que tinham significativa influência política no período.

Operação continental revelada
O memorando não se limita ao Brasil e revela uma operação continental coordenada por Cuba, abrangendo Argentina, Colômbia, República Dominicana, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Peru, Paraguai, Uruguai, Venezuela e outros.
“Recrutas enviados pelas Ligas eram em alguns casos também membros do partido Comunista regular”, aponta o documento, evidenciando a complexa rede de alianças entre diferentes grupos revolucionários.
Impacto das revelações
A desclassificação destes documentos ocorre em um momento de intensos debates sobre o período do regime militar no Brasil, principalmente após o filme brasileiro “Ainda estou aqui” vencedor do Oscar. As informações agora disponíveis podem alterar significativamente a compreensão das motivações e circunstâncias que levaram ao golpe de 1964.
Historiadores e pesquisadores terão acesso a estes registros através dos Arquivos Nacionais dos EUA em College Park, Maryland, ou online, conforme determinado pela Ordem Executiva 14176 do presidente Trump.
A liberação completa destes documentos promete trazer à tona ainda mais detalhes sobre as intrincadas relações entre os movimentos revolucionários latino-americanos e o governo cubano durante o auge da Guerra Fria.
Leia o memorandum na íntegra.