A relação entre as Forças Armadas do Brasil e a indústria da defesa ganhou mais um capítulo polêmico com a entrada do ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos de Almeida Baptista Júnior, na multinacional europeia Airbus. Durante sua gestão à frente da FAB, foram assinados contratos milionários com a empresa, incluindo a conversão de aeronaves A330 para a versão militar KC-30 MRTT, conforme divulgado pelo Portal ICL Notícias.
Poucos meses após deixar o comando da Aeronáutica, em janeiro de 2023, Baptista assumiu o cargo de “Senior Advisor for Strategy” na própria Airbus, em novembro do mesmo ano, segundo consta em seu perfil no LinkedIn. A movimentação reacendeu os debates sobre possíveis conflitos de interesse e a prática da chamada “porta giratória”.
A legislação brasileira prevê um período de quarentena de seis meses para impedir que autoridades assumam cargos em empresas potencialmente beneficiadas por suas decisões. No entanto, essa regra é considerada insuficiente por especialistas em governança pública, especialmente em setores estratégicos como defesa.
Ligação familiar com empresa contratada pela Força Aérea Brasileira reacende debate sobre ética e transparência
A situação se torna ainda mais delicada quando se observa que o filho do ex-comandante da Força Aérea Brasileira também ocupa posição em outra empresa estratégica da área de defesa, a AEL Sistemas. A companhia é uma das principais fornecedoras de tecnologia de comunicação e vigilância utilizadas pelas Forças Armadas Brasileiras, com contratos expressivos firmados especialmente durante o governo Bolsonaro. Esse histórico reforça o debate sobre a proximidade entre militares da reserva e empresas privadas com forte atuação junto ao governo federal.
A AEL Sistemas mantém contratos vigentes com a Força Aérea Brasileira e participa de projetos estratégicos de modernização militar, incluindo o desenvolvimento de sistemas de controle para aeronaves e soluções de comunicação digital avançada para o Exército. Essas atuações garantem à empresa um papel central nos investimentos em defesa tecnológica nacional.
Reportagens e investigações independentes revelaram que a AEL foi contemplada com uma série de contratos federais de alto valor, consolidando-se como uma das grandes beneficiadas do setor. Embora a atuação de familiares em empresas contratadas não seja, por si só, ilegal, a falta de fiscalização robusta e regras claras levanta sérios questionamentos sobre ética pública e transparência institucional.
O desafio da regulamentação e o risco da porta giratória na defesa
À medida que casos como o do ex-comandante da Força Aérea Brasileira, Baptista Júnior se tornam mais frequentes, cresce também a pressão por mudanças legislativas que reforcem a transparência e a integridade no setor público, especialmente quando envolvem militares da reserva e empresas privadas com contratos governamentais. Atualmente, a quarentena de seis meses exigida por lei mostra-se insuficiente para evitar situações de conflito de interesse, como demonstram diversos exemplos recentes.
Diferentemente de servidores civis, oficiais de alta patente que deixam funções estratégicas podem rapidamente migrar para cargos em empresas que mantêm negócios bilionários com o Estado. Esse fenômeno, conhecido como porta giratória, cria um ambiente propício a favorecimentos indevidos, enfraquecendo a credibilidade das instituições militares e da própria máquina pública.
Em outros países, a realidade é mais rígida. Nos Estados Unidos, por exemplo, militares da reserva de alto escalão são impedidos de atuar em empresas de defesa por até dois anos após deixarem seus cargos. Além disso, precisam passar por processos de aprovação formal para ocupar funções estratégicas no setor privado. Já na União Europeia, medidas semelhantes buscam evitar que informações privilegiadas e relações construídas durante a carreira pública sejam utilizadas de forma inadequada no setor privado.
Congresso quer mais fiscalização sobre relação entre FAB e empresas privadas
No Congresso Nacional, há propostas em discussão para revisar e ampliar as normas que regem essa transição. Especialistas defendem a criação de mecanismos de fiscalização mais eficientes, além do fortalecimento de órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU). O objetivo é garantir que a relação entre o Estado e a indústria de defesa ocorra com a máxima transparência, imparcialidade e interesse público.
Enquanto isso, Airbus e AEL Sistemas seguem como parceiras estratégicas da Força Aérea Brasileira (FAB), acumulando contratos de grande valor e presença consolidada em projetos de modernização militar. O caso do ex-comandante da FAB e seu filho apenas reforça a necessidade de regras claras, fiscalização efetiva e, principalmente, de um compromisso real com a ética pública.