O Ministério Público do Trabalho (MPT) iniciou uma investigação inédita sobre casos de assédio moral dentro do Exército Brasileiro, marcando uma mudança histórica na abordagem jurídica dessa questão. A ação representa uma ruptura com o antigo entendimento, que até então considerava casos similares exclusivamente sob competência da Justiça Militar ou como atos administrativos internos.
Denúncias feitas por um militar do Exército
A investigação teve início após denúncias realizadas por um militar graduado, que alegou ter sofrido perseguições sistemáticas ao longo de sua carreira. Entre as acusações, destacam-se impedimentos injustificados para promoções, transferências e até punições arbitrárias motivadas por sua atuação em processos judiciais relacionados a reajustes salariais e pela sua candidatura ao cargo de vereador. As denúncias sugerem que superiores hierárquicos abusaram da autoridade, praticando atos discriminatórios que teriam causado danos psicológicos e prejuízos na carreira profissional do militar.

Em resposta, o MPT notificou oficialmente o Comando do Exército para esclarecimentos, solicitando informações detalhadas sobre a ocorrência de práticas similares com outros militares, além da apresentação de testemunhas e documentos comprobatórios. A iniciativa foi tomada pela Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, em Brasília, sob coordenação do procurador Paulo Cezar Antun de Carvalho.
Competência para casos de assédio no Exército e nas Forças Armadas em geral
O Ministério Público Federal (MPF), por meio de recente posicionamento, também esclareceu que a Justiça do Trabalho tem competência para julgar ações relacionadas a assédio moral nas Forças Armadas. Esse entendimento baseia-se na Súmula 736 do Supremo Tribunal Federal, que reconhece a competência da Justiça do Trabalho em casos que envolvam questões de saúde e segurança no ambiente de trabalho, independentemente do regime jurídico do servidor.
Ouvido pela Revista Sociedade Militar, Cláudio Lino, jurista e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Militar (IBALM), advogado a frente do caso de assédio no Exército, diz que interpreta a mudança como um marco fundamental e destaca os problemas que o assédio causa nos militares: “… o assédio moral é uma conduta abusiva que pode causar sérios danos à saúde física e mental da vítima, além de prejudicar o ambiente de trabalho e a imagem da instituição”, afirmou.
“A iniciativa do MPT, ao notificar o Comando do Exército Brasileiro para responder a questionamentos sobre possíveis práticas de assédio moral representa um marco fundamental no enfrentamento dessa triste realidade dentro das Forças Armadas… garantindo um ambiente de trabalho mais justo e respeitoso para todos os militares. É crucial que os militares que se sentirem assediados ou que presenciarem casos de assédio moral denunciem as situações às autoridades competentes. É importante lembrar que o assédio moral é uma conduta abusiva que pode causar sérios danos à saúde física e mental da vítima, além de prejudicar o ambiente de trabalho e a imagem da instituição. A denúncia é um passo fundamental para que o MPT possa investigar os casos e tomar as medidas cabíveis para punir os responsáveis e prevenir novas ocorrências…”
O IBALM anunciou a criação do canal “Bastidores da Caserna”, com o objetivo de auxiliar militares vítimas de assédio moral. A iniciativa oferecerá orientações e apoio jurídico, incentivando denúncias através de contato direto com o MPT por meio do e-mail [email protected] e do WhatsApp (19) 98242-8944.
O Capitão Profírio, que atua como Capelão na Academia Militar das Agulhas negras, em artigo publicado em 6 de março no site da instituição, diz que o assédio moral é um conduta reiterada de humilhação, intimidação e menosprezo. O oficial anunciou o inicio da campanha “março roxo”, para combater a prática na instituição.
“O assédio moral, que se manifesta numa conduta reiterada de humilhação, intimidação e menosprezo para com o mais fraco, compromete a saúde psicológica do militar e põe em risco a ordem, a camaradagem e o espírito de corpo, sendo, em última análise, um atentado não apenas contra o indivíduo, mas também contra a instituição. Em um ambiente militar, onde a hierarquia e a disciplina são fundamentais, tal prática deve ser rechaçada para que a liderança seja exercida com respeito e justiça…”
O medo de represálias no Exército
A investigação do MPT sinaliza um avanço significativo para os militares brasileiros. Historicamente sujeitos a uma rígida estrutura disciplinar, militares tinham dificuldades em denunciar práticas abusivas, temendo represálias internas. Com essa nova orientação, casos de assédio moral podem receber uma atenção mais especializada e objetiva, garantindo justiça e proteção para as vítimas.
Algumas das questões colocadas pelo Ministério Público do Trabalho indicam que a instância está bastante interessada em se debruçar de forma profunda sobre os casos de abuso de autoridade e assédio moral ocorridos no Exército Brasileiro.
“… É comum que as chefias e/ou Comissões do Exército adotem posturas semelhantes com outros militares? Tem conhecimento se outros militares enfrentam ou enfrentaram situações semelhantes de abusos/assédio? Em caso afirmativo, indicar nome, função e telefone pessoal… Ajuizou ação judicial em face do noticiado para tratar dos fatos objetos deste procedimento? Em caso afirmativo, informar o número do processo.“, questiona o MPT.