Em matéria recente na Revista Sociedade Militar, mostramos que a Polônia é uma nação europeia com uma memória histórica vívida de agressões e ocupações, especialmente por parte da Rússia/União Soviética e da Alemanha nazi. Entraram para os anais da história bélica, por exemplo, a invasão alemã em setembro de 1939, quando soldados a cavalo (!) foram massacrados pelos panzers da vizinha Wehrmacht. Situado na linha de frente da OTAN, o país pode ser visto como um pilar crucial na defesa do flanco oriental da aliança.
A agressão russa contra a Ucrânia em fevereiro de 2022 foi um divisor de águas para a estratégia de defesa polonesa. Compartilhando uma extensa fronteira com a Ucrânia, além de limites com o enclave russo de Kaliningrado e a Bielorrússia (aliada de Moscou), a Polônia pode se tornar uma nova “linha Maginot” mais a leste.
Num dos movimentos de rearmamento mais relevantes da Europa desde a Guerra Fria, a Polônia está empenhada num ambicioso plano para transformar suas Forças Armadas.
Meta de efetivo monstruoso e Borsuk
Uma dessas metas é alcançar um efetivo de 500.000 soldados, além do investimento de bilhões em equipamentos de última geração, como mostrado pela Revista Sociedade Militar.
Falando em equipamentos, o país deu um passo importantíssimo na modernização de suas forças terrestres entre os últimos dias de março e início de abril deste ano, com a encomenda dos primeiros cem veículos de combate de infantaria (VCI) Borsuk, um desenvolvimento inteiramente nacional.
Este contrato histórico não apenas reforça as capacidades militares do país, mas também representa um marco para a sua indústria de defesa, conforme analisado por Adam Świerkowski, editor do Defence24, um dos principais veículos de comunicação de defesa da Polônia.
O contrato bilionário da Polônia e a questão do custo unitário do Borsuk
O acordo inicial, abrangendo 111 veículos, que serão recebidos em sua totalidade até 2029, está avaliado em 6,5 bilhões de zlotys (aproximadamente 1,5 bilhão de euros no câmbio da época).
Uma análise superficial indicaria um custo unitário de cerca de 14 milhões de euros, um valor que, à primeira vista, parece elevado.
No entanto, é crucial entender que este montante engloba não apenas os veículos em si, mas também os investimentos necessários para expandir a capacidade produtiva da Huta Stalowa Wola, a fabricante.
Segundo Świerkowski, determinar o custo exato por unidade neste estágio é complexo. A produção do sucessor polonês do BMP-1 está apenas começando, exigindo a criação de cadeias de suprimentos estáveis e a seleção de subcontratações.
Esses custos iniciais de estabelecimento e investimento industrial influenciam o preço do primeiro lote. A expectativa é que, com a maturação da produção e a otimização das cadeias logísticas, o preço unitário diminua em encomendas futuras.
Comparativo internacional: Borsuk vs. ASCOD e CV90
Para contextualizar o custo, o editor da Defence24 faz uma comparação com outras aquisições recentes na Europa. A Letônia adquiriu 42 VCIs ASCOD por cerca de 8,8 milhões de euros por unidade, com benefícios industriais limitados.
A Eslováquia pagará aproximadamente 8,5 milhões de euros por unidade por seus 152 CV90s, incluindo versões especializadas, com um envolvimento industrial local potencialmente maior.
Comparado a estes, o Borsuk pode parecer caro inicialmente. Contudo, o ASCOD e o CV90 são plataformas maduras, com décadas de produção, cadeias de suprimentos estabelecidas e economias de escala consolidadas. O Borsuk ainda está trilhando esse caminho.
Além disso, o fato de ser um desenvolvimento doméstico confere à Polônia maior autonomia para futuras modernizações, adaptações e potencial de exportação, compensando o investimento inicial mais alto.
Polônia aposta no Borsuk nacional. Porque não comprar do estrangeiro
A decisão polonesa de desenvolver o Borsuk internamente, em vez de adquirir licenças ou participar de programas europeus existentes, foi estratégica.
O programa do novo VCI flutuante começou em 2014, muito antes de iniciativas conjuntas europeias para este tipo de equipamento ganharem tração.
Abandonar o projeto nacional em favor de uma solução licenciada, como foi feito com o blindado sobre rodas Rosomak (baseado no Patria AMV), seria visto como um retrocesso na busca por independência industrial e tecnológica na área de defesa.
A Polônia apostou na sua capacidade de desenvolver um VCI complexo de forma autônoma, mesmo ciente dos custos e do tempo envolvidos.
Vantagens estratégicas do Borsuk
O VCI Borsuk apresenta características notáveis. Sua capacidade anfíbia, embora talvez menos crítica no cenário pós-2022, ainda é um diferencial importante e um atrativo para potenciais clientes de exportação.
O poder de fogo é considerado excelente, equiparável ou até superior aos concorrentes diretos. Mobilidade, consciência situacional e proteção contra minas também são de alto nível.
No entanto, a principal vantagem reside no fato de ser um projeto inteiramente polonês, fruto do trabalho de engenheiros nacionais, sem dependência de licenças estrangeiras. Isso resultou no que especialistas consideram o melhor VCI anfíbio do mundo atualmente.
Adaptação às ameaças modernas: lições da Ucrânia e o sistema Pangolin
A guerra na Ucrânia evidenciou a rápida evolução das ameaças no campo de batalha, catalisando mudanças nas doutrinas e equipamentos militares. O Borsuk, como outras plataformas, necessitará de adaptações para enfrentar desafios como os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs ou drones).
A integração de bloqueadores (jammers), blindagem adicional (incluindo possivelmente blindagem de gaiola, ou “slat armor”) e sistemas de proteção ativa (APS) também estão na lista.
Ademais, a Polônia já desenvolve o sistema de proteção ativa leve Pangolin. Embora ainda não esteja finalizado ou integrado ao Borsuk, fragmentos do sistema foram demonstrados num morteiro autopropulsado Rak-G (cujo chassi deriva do Borsuk), dando uma ideia de sua aplicação futura.
A integração completa do Pangolin provavelmente aumentaria muito a proteção contra diversas ameaças, embora pudesse comprometer a flutuabilidade original do veículo.
A natureza modular do Pangolin, contudo, permitiria adaptações conforme a missão e o nível de proteção desejado.
Potencial de cooperação futura: o caso da Ucrânia
Questionado sobre a possibilidade de cooperação com a Ucrânia na produção ou aquisição do Borsuk, Świerkowski diz que a perspectiva é que “tal colaboração é viável, dependendo de acordos políticos e industriais.”
A Ucrânia poderia buscar integrar suas próprias tecnologias ao veículo ou participar da produção de componentes ou montagem final, como forma de compensar parte dos custos de aquisição e fortalecer sua própria base industrial.
Decisões sobre esses temas, no entanto, caberiam à Polska Grupa Zbrojeniowa (PGZ) e aos governos envolvidos.
A encomenda do VCI Borsuk representa um investimento estratégico de longo prazo para a Polônia, visando não apenas equipar suas Forças Armadas com um sistema moderno e adaptado às suas necessidades, mas também consolidar sua soberania industrial no setor de defesa.