Após obter o reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a soberania de uma área de 360 mil km² no Atlântico, equivalente ao tamanho da Alemanha, o Brasil volta seus esforços para a anexação de mais 1,55 milhão de km² no oceano, com apoio direto da Marinha e participação da Petrobras em expedições científicas.
A nova área reivindicada é chamada de Margem Oriental Meridional e se localiza a cerca de 1,3 mil quilômetros da costa brasileira, distância que demanda sete dias de viagem de barco. Trata-se da terceira tentativa do Brasil de expandir seus limites marítimos desde o início do processo, iniciado oficialmente em 2004 e que já se estende por décadas.
A solicitação segue critérios da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, também conhecida como Convenção da Jamaica, firmada em 1982. A norma internacional garante a países costeiros o direito de reivindicar áreas além das 200 milhas náuticas (370 km) a partir de sua costa, desde que comprovem a continuidade geológica da plataforma continental.
A geóloga e capitã de mar e guerra Izabel King Jeck, assessora da Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha, afirma que o pleito está cientificamente fundamentado. Ela destaca a existência de informações sísmicas e de batimetria que comprovam a ligação geológica entre o território submerso e o continente sul-americano.
Imagem exibe as áreas reivindicadas pelo Brasil, que busca o reconhecimento de territórios no Atlântico — Arte: O Globo
O principal atrativo da Margem Oriental Meridional é a Elevação do Rio Grande, uma formação rochosa localizada a cerca de 4 mil metros de profundidade, com porções que chegam a 500 metros da superfície marinha. Estudos apontam que o local foi uma ilha vulcânica tropical entre 5 e 30 milhões de anos atrás e hoje é rico em minerais estratégicos como cobalto, ferro, manganês, níquel, platina, titânio e nióbio.
Segundo a geóloga Izabel Jeck, há mais dados disponíveis sobre essa região do que havia na Margem Equatorial, recentemente reconhecida pela ONU. No entanto, ela ressalta a dificuldade de realizar expedições devido à distância e às condições meteorológicas, que limitam as viagens ao verão.
A campanha brasileira pela ampliação de seu domínio marítimo teve novo impulso com a aprovação da Margem Equatorial, cuja área de 360 mil km² foi oficialmente reconhecida pela ONU na semana anterior. Esse acréscimo ocorreu após anos de estudos e investigações coordenadas pelo Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac), lançado em 1989.
Desde então, diversos levantamentos foram conduzidos com o objetivo de coletar amostras de rochas e sedimentos, além de análises sísmicas que pudessem comprovar a continuidade da plataforma continental brasileira. Os primeiros pedidos enviados à ONU em 2004 foram negados em 2007, exigindo novos estudos e aprofundamento das evidências científicas.
A partir de 2018, a Petrobras intensificou seu apoio ao Leplac, financiando as pesquisas com mais de R$ 60 milhões. Esse esforço resultou no reconhecimento da Margem Sul em 2019, que ampliou a fronteira marítima do Brasil em 170 mil km² na região costeira dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O vice-almirante Marco Antônio Linhares Soares, diretor de Hidrografia e Navegação da Marinha, explicou que a presença do país nessas regiões precisa ser contínua. Ele destacou que, além de patrulhas e fiscalização, é fundamental manter a pesquisa científica ativa, especialmente em áreas como o Cone do Amazonas, que possui grande potencial ainda inexplorado.
Embora os ganhos territoriais abram possibilidades de pesquisa e exploração econômica, especialmente de jazidas minerais, ambientalistas alertam para a ausência de planos voltados à preservação da biodiversidade marinha nas regiões reivindicadas. As expedições realizadas com foco geológico não incluíram mapeamentos da fauna e da flora locais.
O doutor em Ecologia José Amorim Reis Filho, das universidades federais da Bahia e do Pará, analisou documentos de pedidos de anexação marítima apresentados por países da América do Sul e da África. Segundo ele, os relatórios priorizam os aspectos econômicos e geológicos, deixando de lado argumentos voltados à conservação ambiental.
Reis Filho ressalta que a posse de uma área não implica necessariamente em danos ao meio ambiente, mas aponta o histórico de negligência com zonas naturais no Brasil como fator de preocupação. Para ele, o risco é agravado pela distância dos novos territórios, que dificulta ações de monitoramento e proteção.
A Marinha, por sua vez, defende que a ampliação do domínio marítimo reforça a presença brasileira no Atlântico Sul, alinhando-se a interesses estratégicos e à segurança nacional. As ações de patrulhamento e pesquisa, segundo os oficiais, são parte do compromisso de garantir soberania e conhecimento sobre as riquezas do território oceânico.
A informação foi divulgada por O Globo, com base em entrevistas com representantes da Marinha, pesquisadores da USP e especialistas em geologia e ecologia marinha.
A disputa pela ampliação da plataforma continental brasileira ainda aguarda avaliação da Comissão de Limites da ONU, que não possui prazo determinado para responder aos pedidos. Até lá, o país mantém expedições e ações científicas na tentativa de assegurar seu espaço no oceano.