Eles cruzaram o oceano em nome da liberdade, enfrentaram o frio, a lama e o fogo inimigo na Segunda Guerra Mundial, mas, ao voltarem para casa, foram recebidos com silêncio e esquecimento. Enquanto outras nações celebraram seus heróis de guerra, o Brasil virou as costas para os bravos soldados da Força Expedicionária Brasileira. Esta é a história que poucos conhecem — e que todos precisam ler.
Hoje, vamos abordar um tema delicado: o modo como o país tratou seus soldados que combateram na Segunda Guerra Mundial. Enquanto outras nações reverenciam seus veteranos, o Brasil falhou em reconhecer seus heróis da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
A FEB libertou em torno de 50 localidades italianas. A última a ser tomada dos nazistas, em 29 de abril, foi a pequena Fornovo di Taro, onde nada menos que 15 mil soldados inimigos se entregaram aos brasileiros. A Alemanha se renderia incondicionalmente aos aliados em 7 de maio.
O Brasil foi o único país da América Latina a combater na Europa. O México também se envolveu na Segunda Guerra Mundial, mas seus soldados lutaram nas Filipinas.
Soldados esquecidos pela própria pátria
Ao lado das forças aliadas, o exército brasileiro enviou cerca de 25 mil soldados à Europa. Eles enfrentaram tropas nazistas e fascistas em batalhas históricas como Monte Castelo, Montese e Castelnuovo, na Itália. A atuação da FEB foi estratégica para os avanços aliados no front italiano.
Apesar da bravura demonstrada no campo de batalha, os combatentes retornaram ao Brasil sem receber qualquer forma de acolhimento digno. Não houve reconhecimento, tampouco políticas públicas de amparo. Seus nomes caíram no esquecimento da memória nacional.
Supostamente perigosa tanto para o presidente quanto para os seus adversários, a FEB não encontrou quem lhe defendesse. Com uma simples canetada do governo, foi apagada, desaparecendo como se jamais tivesse existido.

A contradição de lutar pela liberdade sob uma ditadura
O envio da FEB escancarou uma incoerência: o Brasil combateu regimes totalitários na Europa enquanto vivia sob o autoritarismo do Estado Novo, comandado por Getúlio Vargas. Até meados dos anos 1930, o governo brasileiro mantinha relações amistosas com a Alemanha nazista e a Itália fascista. Buscava acordos econômicos e até militares com esses regimes.
Somente com a entrada dos Estados Unidos na guerra e a pressão por apoio logístico, Vargas se viu obrigado a alinhar o Brasil aos Aliados. Essa aliança trouxe investimentos, infraestrutura e a construção da base aérea de Natal, usada como ponto estratégico para operações no Atlântico Sul.
Mesmo assim, internamente, o governo mantinha uma postura repressora. O povo brasileiro vivia sob censura, perseguição a opositores e falta de liberdades, mesmo enquanto soldados do exército lutavam contra o totalitarismo do outro lado do oceano.
A rápida dissolução da FEB e o abandono dos veteranos
Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, era esperado que os soldados da FEB fossem recebidos como heróis nacionais. No entanto, o cenário foi o oposto. Getúlio Vargas, temendo que os combatentes pudessem estimular movimentos pró-democracia e ameaçar seu poder, tratou de desmobilizar rapidamente a tropa.
A Força Expedicionária foi extinta sem cerimônias. Os militares foram dispensados sem nenhum tipo de assistência psicológica ou reintegração social. Muitos voltaram com sequelas físicas e traumas profundos, mas não receberam qualquer apoio. Foram deixados de lado por um país que haviam arriscado suas vidas para defender.
O impacto da vivência democrática na Europa
Durante sua permanência no continente europeu, os soldados brasileiros entraram em contato com sociedades mais abertas e democráticas. Essa vivência reforçou a ideia de que o Brasil precisava seguir por um novo caminho político. E esse contato com os ideais de liberdade contribuiu para o enfraquecimento do Estado Novo.
Meses depois da volta dos pracinhas, Getúlio Vargas foi deposto. Ainda assim, o país não promoveu nenhuma política efetiva de valorização dos veteranos da guerra. Aqueles que arriscaram tudo pela liberdade foram deixados à margem.
A dura realidade dos ex-combatentes
Enquanto veteranos americanos, britânicos e franceses recebiam homenagens, pensões e suporte, os ex-soldados brasileiros enfrentavam dificuldades extremas. Muitos não conseguiram comprovar sua participação no conflito devido à precariedade nos registros. Outros sequer conseguiram emprego ou atendimento médico.
A negligência foi tamanha que boa parte dos pracinhas morreu sem qualquer reconhecimento. Durante o regime militar, a situação piorou. Para evitar contradições ideológicas, a ditadura evitava mencionar a atuação da FEB, que havia lutado em nome da democracia.
Reconhecimento tardio e luta por memória dos soldados do Exército brasileiro
Somente nos anos 1960, sob o governo de Juscelino Kubitschek, foram criadas as primeiras pensões e benefícios. Porém, para muitos veteranos, isso chegou tarde demais. Foi a partir da década de 1990 que historiadores, cineastas e os próprios ex-combatentes passaram a resgatar a memória da FEB.
Associações de veteranos, documentários e pesquisas acadêmicas ajudaram a reconstruir a história esquecida. Monumentos como o Memorial da FEB no Rio de Janeiro e o Monumento aos Pracinhas em São Paulo surgiram como formas simbólicas de agradecimento.

Ainda há muito a ser feito pelo legado dos soldados da FEB
Apesar dos avanços, o Brasil ainda não conferiu à Força Expedicionária Brasileira o devido lugar na história. Os feitos de seus soldados continuam sendo pouco mencionados nos currículos escolares ou em cerimônias oficiais.
O exército brasileiro precisa reconhecer com mais firmeza esse capítulo de sua trajetória. A história da FEB é uma lição de coragem e lealdade. Mais do que isso, é um alerta sobre como um país pode virar as costas para aqueles que lutaram por ele.
Esses soldados carregaram nas costas o peso de uma guerra que não era sua, mas lutaram como se fosse. Ao retornar, mereciam mais que o silêncio. Mereciam honra.