Na esteira das investigações da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, o Exército Brasileiro concluiu uma ampla reestruturação no Comando de Operações Especiais (COpEsp), localizado em Goiânia (GO). Entre as medidas implementadas, destaca-se a retirada do 1.º Batalhão de Ações Psicológicas (1.º B Op Psc) da subordinação direta ao COpEsp. A unidade passa agora a responder diretamente ao Comando Militar do Planalto (CMP), em uma tentativa de reforçar o controle estratégico sobre essa força considerada sensível e de alto impacto institucional.
Com a nova configuração, o 1.º B Op Psc, responsável por ações de influência e operações psicológicas, não perderá sua capacidade de atuação tática. Continuará prestando apoio quando requisitado por comandos subordinados, mas sob a coordenação direta do CMP, que responde ao Comando do Exército. A mudança é justificada como uma adequação técnica, cujo objetivo é alinhar a atuação dessa unidade ao Estado-Maior do Exército (EME) e ao Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx), que são os órgãos responsáveis pela comunicação institucional e estratégica da Força.
A decisão é apontada como a última etapa de um processo de reestruturação que atinge diretamente o núcleo das chamadas tropas de “kids pretos”, como são popularmente conhecidas as unidades de elite do Exército especializadas em ações sigilosas e estratégicas. Parte desses militares está envolvida nas investigações conduzidas pela PF sobre a intentona golpista que teve como alvos o Supremo Tribunal Federal (STF), a Presidência da República e o Alto-Comando do Exército (ACE).
Trocas de comando, documentos estratégicos e áudios revelam participação de oficiais em ação psicológica para incitar golpe contra autoridades
A investigação revelou a participação direta de oficiais do 1.º B Op Psc em duas ações críticas: a disseminação de desinformação com o objetivo de desacreditar o Alto-Comando e a vigilância ilegal sobre autoridades, como o ministro do STF Alexandre de Moraes e o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Um dos principais acusados, o tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, que comandava o batalhão à época, foi preso em fevereiro de 2024 durante a Operação Tempus Veritatis.
Segundo relatos, no momento da prisão, Almeida alegou inocência ao general Ricardo Piai Carmona, comandante do CMP. Contudo, áudios e documentos apreendidos desmontaram essa versão. O material indicava a existência de uma rede de oficiais — entre eles coronéis e tenentes-coronéis — que articulavam ações de pressão psicológica contra o Alto-Comando, visando estimular a adesão das tropas a um levante. Entre os envolvidos estava o coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, que admitiu em conversa que sua turma havia realizado uma “Op Psico forte”.
O Exército, por sua vez, tenta desvincular oficialmente essas alterações estruturais dos eventos de 2022. A justificativa divulgada aponta um erro de alocação estratégica: a condução de operações de influência não deveria estar nas mãos de comandos táticos, mas sim sob orientação estratégica superior. Essa mudança de visão surgiu de um grupo de estudos criado pelo EME, que entregou um relatório ao general Richard Nunes, chefe do Estado-Maior, reforçando a necessidade de revisão da estrutura do COpEsp.
Redução de efetivo e redistribuição de tropas reforçam atuação em contraterrorismo e eventos de grande porte no país
Além da mudança no batalhão de ações psicológicas, outras alterações significativas foram feitas. A Companhia de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (QBRN), que atuava no COpEsp em Goiânia, teve parte do efetivo transferido para o Rio de Janeiro. O objetivo é fortalecer o 1.º Batalhão de Defesa QBRN (1.º Btl DQBRN), unidade estratégica que será responsável por ações de contraterrorismo durante grandes eventos.
A nova diretriz prevê ainda a criação de um Pelotão de Reconhecimento e Vigilância Mecanizado (Pel Rec Vig Mec) no 1º Btl DQBRN, ampliando a capacidade de resposta da tropa a situações de risco envolvendo agentes químicos ou biológicos. Em complemento a essa reestruturação, o curso de operações psicológicas foi retirado do COpEsp e transferido para o Centro de Estudos de Pessoal (CEP), localizado no Rio de Janeiro.
O Curso de Ações de Comandos (CAC), realizado no Centro de Instrução de Operações Especiais (CI Op Esp), também sofreu alterações. O número de vagas foi reduzido de 70 para 48. Esse curso é requisito obrigatório para ingresso nas unidades conhecidas como kids pretos. A diminuição de vagas é vista como parte da estratégia de profissionalização e racionalização do efetivo. As unidades centrais do COpEsp, como o 1.º Batalhão de Ações de Comandos (1.º BAC) e o 1.º Batalhão de Forças Especiais (1.º BFEsp), foram mantidas sem alterações.
Anistia em debate acende alerta sobre ética, lealdade institucional e riscos de retrocesso disciplinar
Paralelamente à reestruturação, o Exército acompanha com preocupação o avanço de propostas legislativas que visam conceder anistia a militares envolvidos em atos de deslealdade institucional. A discussão levanta questionamentos sobre como lidar com aqueles que romperam com os princípios de hierarquia e disciplina em nome de interesses pessoais e políticos. O receio é de que tal medida gere efeito cascata, incentivando novas práticas de insubordinação.
O caso do major João Paulo da Costa Araújo Alves é citado como exemplo. Condenado pelo Superior Tribunal Militar (STM) por desacato e insubordinação, ele usou redes sociais para desafiar seus superiores e se lançar como pré-candidato a deputado federal, ignorando ordens expressas para cessar suas manifestações. Outros nomes envolvidos incluem o coronel José Plácido Matias dos Santos, que incitou o rompimento institucional por meio de publicações ofensivas contra o então comandante da Marinha.
Plácido, inclusive, publicou um manifesto exigindo que o general Júlio César de Arruda não obedecesse ordens presidenciais. Ele também utilizou viaturas do 1.º BAC em ações ilegais, e mensagens divulgadas pela PF indicam seu envolvimento em ações coordenadas de incitação à desobediência. Tais episódios preocupam a cúpula militar por violarem diretamente os valores fundamentais das Forças Armadas, como a lealdade à Constituição e ao comando legalmente estabelecido.
A informação sobre as mudanças foi divulgada pelo jornal Estadão, em reportagem assinada pelo jornalista Marcelo Godoy. O texto detalha as decisões tomadas após o relatório do grupo de estudos do EME e as consequências institucionais da tentativa de golpe articulada por militares da ativa.
Com as novas medidas, o Exército procura preservar sua imagem institucional e reforçar a ética profissional nas fileiras. O principal desafio agora é garantir que ações ilegais e tentativas de insubordinação não voltem a ocorrer, além de proteger a cadeia de comando contra pressões políticas. A manutenção da ordem, da disciplina e da legalidade é apontada como essencial para evitar retrocessos nas estruturas hierárquicas das Forças Armadas.