Um levantamento conduzido pela Revista Sociedade Militar com assistência de inteligência artificial traça um panorama preocupante para os salários das Forças Armadas brasileiras. Com base em dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e nos reajustes concedidos nos últimos 15 anos, o estudo projeta uma tendência preocupante de defasagem salarial que pode influenciar, inclusive, o interesse em ingressar nas carreiras militares do Exército, Marinha e Aeronáutica.
Histórico de reajustes em salários nas Forças Armadas: ganhos 40% abaixo da inflação medida pelo IPCA
Em julho de 2010, foi paga a última parcela de um reajuste escalonado em seis etapas, previsto pela Lei nº 11.784/2008. Na ocasião, o soldo de um suboficial ou subtenente chegou a R$ 3.597,00. Dois anos depois, novo reajuste foi concedido, desta vez pela Lei nº 12.778/2012, também parcelado, em três etapas. Ao final do processo, em março de 2015, o mesmo subtenente passou a receber R$ 4.677,00.
A escolha da graduação de suboficial como referência no estudo dos salários nas forças armadas se justifica pelo seu posicionamento estratégico entre as duas principais subdivisões da estrutura hierárquica militar: oficiais e graduados. Situado exatamente nesse ponto de transição, o suboficial representa de forma bastante equilibrada os efeitos dos reajustes salariais ao longo da carreira.
Outro reajuste foi aplicado a partir de 2016, mais uma vez dividido em quatro parcelas, resultando em um soldo de R$ 6.169,00 a partir de janeiro de 2019. O último reajuste autorizado ocorreu sob o atual governo, em duas etapas de 4,5%. Em abril de 2025, o subtenente passou a receber R$ 6.447,00.
A defasagem acumulada nos soldos dos militares
Entre julho de 2010 e março de 2025, a inflação acumulada, medida pelo IPCA, foi de 132,91%. No mesmo período, os reajustes somaram 79%, o que significa que os aumentos cobriram apenas cerca de 60% da perda do poder aquisitivo, segundo os dados do próprio índice.
Se os soldos tivessem acompanhado a inflação oficial, o salário-base de um subtenente deveria estar em torno de R$ 8.300,00. Considerando o salário líquido, sem adicionais de cursos de altos estudos, o valor poderia alcançar os R$ 11 mil.

Os dados do DIEESE reforçam essa defasagem. Em 2010, a cesta básica em São Paulo custava R$ 265,15. Em 2025, esse valor chega a R$ 880,00 — um aumento de aproximadamente 232%, que chega a ser acima do índice medido com base no IPCA acumulado no período.

Estagnação e desmotivação
Ainda em 2025 será paga a segunda parcela do reajuste de 9% dividido em dois anos, e não há previsão de novos aumentos em 2026. O Banco Central estima uma inflação de aproximadamente 5% para este ano e valores semelhantes para o próximo.
A crescente evasão de jovens oficiais, especialmente nos postos de primeiro – tenente a capitão — além de casos envolvendo até mesmo majores — é um indicativo claro da insatisfação interna. O cenário de faltas de perspectivas e estagnação salarial tem sido percebido pelos próprios militares e é um decisivo fator de desestímulo, agravando os desafios de retenção de pessoal qualificado nas Forças Armadas.
A situação tem estimulado providências internas que “driblam” os poderes executivo e legislativo, O Exército Brasileiro, por exemplo, por meio de portarias internas, recentemente criou alguns benefícios especiais para oficiais médicos, como cursos de altos estudos que geram vantagens salariais e a permissão para não ser transferidos para localidades longínquas, parte de uma tentativa de incentivar a carreira de oficial médico.
Durante o governo Jair Bolsonaro, não houve reajuste linear nos soldos dos militares; as alterações salariais ficaram restritas a benefícios ligados a cursos, beneficiando principalmente a cúpula armada – e mudanças na estrutura de descontos obrigatórios, que, em alguns casos, acabaram reduzindo o ganho líquido. O atual governo federal concedeu um reajuste geral de 9%, parcelado em duas etapas, valor que ficou abaixo da inflação oficial.
O cenário político e os militares
A ausência de representantes com atuação efetiva no Congresso Nacional e a perda de prestígio das Forças Armadas entre lideranças tanto da esquerda quanto do campo conservador contribuem para um ambiente político desfavorável a reajustes salariais significativos no curto prazo.
Outro fator relevante é a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja situação jurídica dificilmente será revertida até 2026. Diante desse contexto, há uma forte tendência de continuidade de um governo federal vinculado ao Partido dos Trabalhadores, que historicamente adota políticas de reajustes salariais parcelados e inferiores à inflação oficial.
A projeção do Banco Central indica que o IPCA deve encerrar 2025 em torno de 5%, percentual semelhante ao observado nos dois anos anteriores. Caso esse padrão se mantenha entre 2026 e 2029, a inflação acumulada no período poderá atingir cerca de 18%. Considerando a média histórica dos reajustes concedidos às Forças Armadas — próximos a 60% do IPCA ou menos —, estima-se que o próximo aumento, esperado apenas para 2028, fique em torno de 10%, provavelmente parcelado e insuficiente para recuperar o poder de compra dos militares.
Esse cenário reforça, infelizmente, a manutenção de um ciclo de defasagem remuneratória e impõe desafios cada vez maiores aos militares, principalmente os de níveis abaixo de oficial intermediário, que certamente passarão a residir cada vez mais afastados dos grandes centros por conta da impossibilidade de adquirir imóveis e pagar alugueis em locais mais próximos das OMs onde servem.
Hoje na região metropolitana de Niterói, por exemplo, onde há vários quartéis da Marinha do Brasil e Exército Brasileiro, um imóvel de 2 quartos fora de uma comunidade dificilmente se aluga por menos de 2 mil reais, valor que equivale a cerca de 40% do salário de um 3º sargento da Marinha, militar geralmente com mais de 10 anos de serviço na força.

A capacidade institucional das Forças Armadas de reter e atrair profissionais qualificados para suas fileiras também tende a ser mais prejudicada ainda, afastando os grandes cérebros que poderiam optar pelas carreiras militares.
Robson Augusto – Militar RM1, Cientista Social, jornalista, especialista em inteligência e redes sociais – Revista Sociedade Militar