O Brasil tem uma indústria de defesa e produz grande parte do seu equipamento de uso militar. Essa indústria até exporta algumas coisas, e é motivo de orgulho em certos círculos. Mas achar que estamos perto de competir com potências militares de verdade é outro papo.
Se o critério for comparar com os vizinhos — Bolívia, Paraguai, Peru, até mesmo a Argentina pós-crise — então sim, a indústria militar brasileira parece robusta. Mas quando o referencial vira Estados Unidos, Rússia, China ou até Israel, a realidade é outra. E nem é preciso ir tão longe: até a Coreia do Sul já nos ultrapassou com folga, e não olha mais pra trás.
Em um eventual conflito militar, o Brasil poderia produzir sua própria munição?
A Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) é uma gigante do setor e exporta munição para dezenas de países. Uma das maiores do mundo. A Imbel fabrica o fuzil IA-2, substituto do velho FAL. De acordo com especialistas, trata-se de um projeto até decente, mas que sofreu críticas por ergonomia e confiabilidade nos primeiros lotes.
E temos o ASTROS 2020, o sistema de artilharia de saturação da Avibrás, uma das joias da coroa. O sistema lança foguetes e mísseis com precisão, e sua versão mais recente é compatível com o míssil de cruzeiro AV-TM 300, o “Matador”. Possui um impressionante alcance de 300 km. Mas faltam verbas até pra testá-lo regularmente.

Aliás, sobre a Avibrás: de acordo com especialistas ouvidos pela Revista Sociedade Militar, a empresa quase faliu em 2023 por falta de apoio estatal. Funcionários ficaram meses sem salário. Se fosse em Israel, uma empresa dessas seria tratada como questão de Estado. No Brasil, virou nota de rodapé.
E sobre outros equipamentos?
A indústria militar do Brasil foi capaz de desenvolver o Super Tucano. É um avião leve, robusto, com boa capacidade de combate. Além disso, vende bem. A indústria brasileira fabrica também o KC-390, que é um orgulho nacional, um cargueiro militar moderno da Embraer, com vendas inclusive para países da OTAN.
Na área naval, temos os submarinos convencionais da classe Riachuelo, construídos com tecnologia francesa. Estão modernos, mas o programa do submarino nuclear, promessa desde os anos 1980, ainda patina. Faltam verba, vontade e foco.

E sim, já tivemos a Engesa, que fabricava os blindados Cascavel e Urutu, exportados até para o Iraque de Saddam Hussein. Era orgulho nacional, mas quebrou nos anos 1990. Assim, opinam especialistas, um país que não consegue sustentar sua própria indústria de defesa está fadado à dependência externa — e à obsolescência.
A Helibrás monta helicópteros no Brasil, mas quase tudo vem desmontado da Europa. A Agrale faz jipes, mas sem grandes inovações tecnológicas. A SIATT, antiga Mectron, ainda tenta se manter viva desenvolvendo mísseis táticos e guiados, com pouca verba e muita burocracia, de acordo com especialistas.
A verdade inconveniente
O problema nunca foi falta de capacidade. De acordo com analistas, as razões para o atraso da indústria militar do Brasil são falta de constância, investimento e estratégia de longo prazo. O país tem know-how, mas um dia o país fabrica, no outro corta verba.
A comparação com outras potências é inevitável. O EUA, por exemplo, já teve que suspender a produção do F-35 porque havia peças chinesas no sistema. Sim, até a maior potência do mundo terceiriza partes críticas. A França usa aviões norte-americanos na Marinha. A Alemanha teve que comprar o F-35 porque não conseguiu desenvolver um caça próprio moderno a tempo. A Rússia usa blindados da italiana Iveco. E a China, por mais que fabrique de tudo, já comprou helicópteros Gazelle da França.
Ou seja: autossuficiência total é mito, mesmo entre gigantes. Mas esses países, ao menos, têm estratégia, investimento pesado e continuidade. Além disso, não tratam a defesa como gasto, mas como garantia de soberania.
O Brasil poderia ter a melhor indústria militar do hemisfério. Mas segue operando como se fosse um país que não precisasse se defender de nada — nem da própria negligência.