Crise no alistamento militar: Defensoria exige regras para pessoas trans no Exército
O ambiente militar brasileiro, tradicionalmente marcado por rigidez e normas conservadoras, está prestes a enfrentar um debate cada vez mais urgente: como garantir o respeito à identidade de gênero de pessoas trans que desejam cumprir o serviço militar obrigatório?
A resposta pode estar em uma recomendação oficial feita pela Defensoria Pública da União (DPU), que reacendeu discussões sobre os limites e a necessidade de modernização nos procedimentos das Forças Armadas.
A DPU exigiu que o Exército Brasileiro crie um protocolo específico para o atendimento de pessoas trans durante o processo de alistamento.
Assinado por defensores especializados em direitos humanos e integrantes do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ da DPU, o documento dá 15 dias para que o Exército informe se acatará ou não a recomendação.
A proposta visa assegurar que nenhuma pessoa trans seja exposta a constrangimentos, abusos ou violações de sua dignidade durante o processo de seleção para o serviço militar.
Caso em Maceió expõe falhas graves
Segundo informações do portal ”Brasil247”, o estopim para a iniciativa foi um caso ocorrido em Maceió, Alagoas, onde um jovem trans relatou ter sofrido constrangimento durante o alistamento.
Mesmo após informar ser um homem trans, ele foi obrigado a se despir em uma sala com outros quatro candidatos durante a avaliação física.
A justificativa dada pelos militares presentes foi que a prática fazia parte do “protocolo regular do Exército”.
O relato causou indignação em órgãos de direitos humanos e expôs uma lacuna grave nas diretrizes militares em relação à diversidade de gênero.
Segundo a DPU, não basta haver orientações genéricas sobre respeito à identidade de gênero.
É preciso um protocolo claro, objetivo e nacional, que garanta tratamento humanizado desde o primeiro contato com a Junta de Serviço Militar até as etapas finais da convocação.
Normas existem, mas não são aplicadas
A DPU destacou que o plano regional de convocação da 7ª Região Militar, que abrange Alagoas, já prevê diretrizes específicas para o atendimento de pessoas LGBTQIA+.
Entre elas, constam o uso do nome social, a proibição de tratamento vexatório e o respeito à identidade de gênero.
Contudo, há fortes indícios de que essas diretrizes não estão sendo seguidas à risca pelos profissionais encarregados do alistamento.
Esse descompasso entre teoria e prática reforça a urgência de um protocolo nacional obrigatório, com treinamento e fiscalização.
O que propõe a Defensoria
No documento enviado ao Exército, a DPU propõe uma série de medidas que visam assegurar um processo respeitoso e inclusivo para as pessoas trans.
Entre os principais pontos estão:
- Permitir o uso do nome social desde o primeiro atendimento na Junta de Serviço Militar
- Garantir a escolha do gênero do profissional responsável por exames físicos e médicos
- Assegurar privacidade nas avaliações físicas, evitando situações de exposição constrangedora
- Implementar ações educativas para os servidores militares que atuam no alistamento
- Criar um canal permanente para denúncias de abusos, com garantia de sigilo e investigação efetiva
A intenção da Defensoria é garantir que o serviço militar cumpra sua função constitucional sem violar os direitos fundamentais de seus convocados.
A Constituição está do lado da inclusão
A Constituição Federal de 1988 estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
A Lei do Serviço Militar (Lei nº 4.375/1964) determina a obrigatoriedade do alistamento para brasileiros do sexo masculino, sem, no entanto, detalhar diretrizes específicas sobre identidade de gênero.
Isso abre espaço para interpretações divergentes e reforça a necessidade de uma normatização mais sensível às transformações sociais e jurídicas do país.
Com o aumento da visibilidade de pessoas trans na sociedade brasileira, o Exército não pode se furtar ao dever de adaptar suas práticas às novas demandas de respeito, inclusão e cidadania.