Segundo informações do site do G1, uma comitiva do Exército em Brasília, no Distrito Federal, chegou nesse final de semana a Barueri, na Grande São Paulo, para ajudar na investigação sobre o furto de 21 metralhadoras do quartel da cidade.
O órgão vai ouvir os cerca de 480 militares que seguem retidos no Arsenal de Guerra de Barueri desde terça-feira (10), quando uma inspeção interna apontou o sumiço das armas. Eles não podem ir para a casa e tiveram seus celulares confiscados. Familiares têm ido até a porta do quartel pedir informações dos “aquartelados”.
Não é impossível que as metralhadoras ou partes delas, e também os fuzis, sejam recuperados. Isso já aconteceu no passado, precisamente em 2009. Mas, o que nos interessa aqui, neste momento, um pouco além das armas, são as pessoas.
TERMINOLOGIA QUE CONFUNDE
Em nota do Comando Militar do Sudeste sobre o caso do furto do armamento em Barueri (reproduzida abaixo), chamamos a atenção do leitor para as palavras “aquartelado” e “prontidão“:
“Toda tropa está aquartelada de prontidão (cerca de 480 militares), conforme previsões legais, para poder contribuir para as ações necessárias no curso da investigação. Os militares estão sendo ouvidos para que possamos identificar dados relevantes para a investigação.”
Para o leigo no jargão militar, o senso comum diria que alguém, em algum lugar, deu uma ordem de se deter 480 pessoas dentro do Arsenal para que se possa “identificar dados relevantes para a investigação”.
Salvo um conhecimento mais aprofundado, talvez não seja assim. O Glossário das Forças Armadas – MD35-G-01 (uma publicação do Ministério da Defesa) traz as definições do que são os termos “aquartelado” e “prontidão”:
PLANO DE DEFESA DE AQUARTELAMENTO – Plano que estabelece o conjunto de medidas e meios destinados a proteger e defender o pessoal, o material e as instalações de uma organização militar.
PRONTIDÃO – Situação extraordinária da tropa que importa em ficar a unidade preparada para sair do quartel, tão logo receba ordem, para desempenhar qualquer missão dentro da respectiva guarnição ou à distância tal que permita o atendimento de suas necessidades com os recursos da própria unidade.
Nenhuma das duas definições tem, portanto, a ver com procedimentos investigativos ou algo que o valha, mas com questões de ordem operacional.
Segundo o G1, “apesar de toda a tropa da base de Barueri estar “aquartelada” – um eufemismo para “detida”, que mais confunde do que esclarece – “o Exército não trata a medida como uma prisão, e informou que ela é necessária para tentar localizar e recuperar o armamento.”
Uma considerável coletividade, provavelmente bastante heterogênea – podem haver grávidas, podem haver idosos, arrimos de família, servidores civis, etc. – há uma semana está incomunicável e impedida de exercer um dos direitos constitucionais fundamentais mais básicos, o direito de ir e vir.
A LETRA DA LEI
Como, no dizer da instituição militar, a retenção do pessoal no quartel “não é vista como prisão”, só nos restaria enquadrá-la como determinado instituto citado no Código de Processo Penal Militar denominado “menagem“:
A menagem (prisão fora do cárcere, concedida sob promessa do preso de não sair do lugar onde se acha ou que lhe foi designado) é definida pelo Código de Processo Penal Militar (DL 1.002/1969), em seus artigos 18 e 263:
“Incomunicabilidade do indiciado. Prazo.
Art. 17. O encarregado do inquérito poderá manter incomunicável o indiciado, que estiver legalmente preso, por três dias no máximo.
Art. 18. Independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as investigações policiais, até trinta dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente. (…)
Prisão preventiva e menagem. Solicitação
Parágrafo único. Se entender necessário, o encarregado do inquérito solicitará, dentro do mesmo prazo ou sua prorrogação, justificando-a, a decretação da prisão preventiva ou de menagem, do indiciado.”
“Art. 263. A menagem poderá ser concedida pelo juiz, nos crimes cujo máximo da pena privativa da liberdade não exceda a quatro anos, tendo-se, porém, em atenção a natureza do crime e os antecedentes do acusado.
“Art. 264. A menagem a militar poderá efetuar-se no lugar em que residia quando ocorreu o crime ou seja sede do juízo que o estiver apurando, ou, atendido o seu posto ou graduação, em quartel, navio, acampamento, ou em estabelecimento ou sede de órgão militar. (…)“
Reproduzimos aqui parte de interessante artigo sobre o instituto da “menagem” publicado em fórum eletrônico de temas jurídicos:
“Não se pode perder de vista que nos termos do art. 312, do CPP – com a redação que lhe deu a Lei 13.954, de 2019 – a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, não apenas quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, mas também de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.”
ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
O STM também dá a sua definição do que seja menagem
“A menagem é uma prisão cautelar concedida ao militar ou civil que tenha praticado um crime militar cuja pena privativa de liberdade em abstrato não exceda a quatro anos. Para a concessão da menagem deve ser considerada a natureza do crime e os antecedentes do acusado.
Com base nas regras estabelecidas no CPPM, a menagem é o benefício concedido ao acusado para se evitar que este fique em um estabelecimento prisional até o julgamento de 1ª instância.
Na prisão-menagem o acusado não fica em cela e tem a liberdade de cumprir o expediente e participar das atividades normalmente. No entanto, não pode sair do quartel.“
Mais definições do Superior Tribunal Militar:
“A menagem é uma prisão cautelar concedida ao militar ou civil que tenha praticado um crime militar cuja pena privativa de liberdade em abstrato não exceda a quatro anos. Para a concessão da menagem deve ser considerada a natureza do crime e os antecedentes do acusado.”
“(…) ganhou o benefício da menagem, em decisão anterior de outra juíza, em 23 de novembro, a pedido da Defensoria Pública da União.”
CONCLUSÃO (?)
Na linha do tempo do desaparecimento das armas de guerra, observamos que a inspeção que acusou a falta dos armamentos foi realizada no dia 10/10, a dois dias do feriadão do dia 12/10.
No dia 13/10, o Exército, após provocação da imprensa – no meio do feriado – alegou que as armas subtraídas eram ‘inservíveis’ e não funcionavam. Em nota oficial, alegou também que um Inquérito Policial Militar fora instaurado.
Hoje, 17/10, 480 pessoas (não se sabe exatamente se todas são exclusivamente militares – podem haver servidores civis) estão sofrendo restrições no seu direito constitucional de ir e vir há 7 dias.
Pela imprensa sabe-se que as 480 pessoas incomunicáveis e retidas no quartel, lá estão desde o dia 10/10.
Ora, se o IPM foi iniciado automaticamente no dia da detecção do sumiço das armas, ninguém – individual ou coletivamente – deve ter sido indiciado ou acusado formal e legalmente, do contrário todos os outros teriam sido liberados para seguir suas vidas.
O Exército parece estar dizendo que as centenas de pessoas estão impedidas de sair de um certo local para colaborar na investigação, contudo, pelo que se viu no CPPM, a prisão cautelar ou a menagem só poderia ser concedida via Poder Judiciário.
Texto de JB Reis