Por que Saddam Hussein achava que podia vencer a Guerra do Golfo? Uma análise de ambição, equívocos e catástrofe
A Guerra do Golfo mais um capítulo trágico e caótico no manual de como um regime autoritário, armado até os dentes e cheio de ilusões de grandeza como o de Saddam Hussein, pode calcular terrivelmente mal suas chances de vitória. O ditador iraquiano que gostava de se imaginar como uma espécie de novo Saladino, meteu os pés pelas mãos de forma épica em 1991. A Revista Sociedade Militar resolveu destrinchar a mentalidade de Saddam e seus generais, bem como as razões pelas quais eles acreditavam, erroneamente, que podiam enfrentar a Coalizão liderada pelos EUA durante a Guerra do Golfo.
O passado “glorioso” e as dívidas que não sumiram
Tudo começou anos antes, com a Guerra Irã-Iraque (1980-1988). Saddam saiu desse conflito acreditando que havia se tornado o “defensor do mundo sunita” contra a expansão xiita promovida pelo Irã de Khomeini. Mas o preço foi altíssimo: bilhões de dólares em dívidas para Kuwait e Arábia Saudita, os mesmos países que Saddam tinha “protegido”. Quando a guerra terminou, em um empate amargo, Saddam tentou convencer seus credores a esquecerem essas dívidas. A resposta foi um “não” diplomático, mas firme.
Pra piorar, os preços do petróleo estavam baixos. Saddam achava que, se os países da OPEP cortassem a produção, o barril subiria e ele poderia sair do buraco financeiro. Mas o Kuwait, particularmente, recusou. Os kuwaitianos produziam acima da cota, e a perspectiva de perder dinheiro não lhes agradava. Esse impasse financeiro foi o início do fim.
Um jogo perigoso com o Kuwait
Saddam decidiu tomar um atalho: acusou o Kuwait de “roubar” petróleo iraquiano através de perfuração inclinada. Posteriormente, dobrou a aposta, reivindicando o território como parte histórica do Iraque. Foi aqui que Saddam começou a brincar com fogo. Em uma reunião infame com a embaixadora dos EUA, April Glaspie, o ditador perguntou abertamente sobre a posição americana na disputa. A resposta da embaixadora foi vaga, dizendo algo nas linhas de “não interferimos em disputas entre árabes”. Saddam interpretou isso como um sinal verde.
A invasão do Kuwait em 1990 foi rápida. Em dois dias, o país foi anexado, as reservas de petróleo kuwaitianas foram saqueadas e o preço do petróleo subiu para 37 dólares o barril, contra 17 de antes da guerra. Saddam, agora cheio de confiança, achava que poderia desafiar o mundo.
A realidade bate à porta: o erro em subestimar os EUA
A reação internacional foi rápida e brutal. O rei Fahd, da Arábia Saudita, entrou em pânico, com medo de que o Iraque invadisse seu país. Saddam tentou negociar, oferecendo retirar suas tropas do Kuwait em troca de várias concessões, como a retirada dos EUA da Arábia Saudita e a resolução do conflito Israel-Palestina. Ninguém comprou suas propostas.
O que Saddam não percebeu é que ele havia pisado em um vespeiro geopolítico. Para os EUA, deixar Saddam no controle do Kuwait significava permitir que ele dominasse uma fatia enorme do mercado global de petróleo. Isso era inaceitável, tanto estrategicamente quanto economicamente.

Saddam, no entanto, acreditava que, ao concentrar suas forças no Kuwait e provocar uma batalha urbana, poderia infligir baixas suficientes às tropas americanas para forçá-las a desistir. A experiência americana no Vietnã alimentava essa ideia – Saddam achava que poderia criar um novo atoleiro.
Mas os EUA não morderam a isca. Em vez de um ataque direto, os ameriacnos flanquearam pelo deserto saudita, usando táticas de guerra relâmpago para desmantelar as forças iraquianas. Quando Saddam finalmente percebeu a armadilha, era tarde demais.
Os desdobramentos e o legado de destruição
A “mãe de todas as batalhas”, como Saddam chamou, terminou em uma derrota humilhante. A campanha terrestre da Coalizão durou apenas quatro dias. As tropas iraquianas em retirada foram massacradas na “Estrada da Morte”, e o regime do ditador perdeu qualquer credibilidade internacional. Saddam Hussein perdeu a Guerra do Golfo de forma humilhante.
As consequências, contudo, foram ainda mais profundas:
- Osama Bin Laden: A decisão do rei Fahd de pedir ajuda aos EUA irritou profundamente Osama Bin Laden, que queria usar sua própria milícia para enfrentar Saddam. Esse ressentimento foi um dos catalisadores para a formação da Al-Qaeda e, eventualmente, o 11 de setembro.
- Saddam isolado: O Iraque ficou sujeito a sanções esmagadoras e um isolamento diplomático que devastou sua economia.
No final das contas, a confiança de Saddam foi construída sobre ilusões de poder, subestimação de adversários e uma leitura desastrosa do cenário internacional. O ditador achava que poderia usar sua experiência passada e o medo da guerra prolongada para dividir a Coalizão. No entanto, encontrou uma força avassaladora que não hesitou em esmagar suas ambições.
Essa guerra não foi só sobre petróleo ou território. Foi sobre como a arrogância de um líder pode levar uma nação ao colapso e deixar cicatrizes profundas na história global. Saddam, claro, aprendeu isso da pior maneira. Ou talvez nem tenha aprendido.
