Dados fornecidos pela Justiça Federal revelam que as Forças Armadas, comandados por oficiais generais nos últimos postos da carreira militar e representadas pela União, figuram como parte em milhares de processos movidos por militares e ex-militares. Atualmente, todas essas ações são julgadas por juízes civis vinculados à Justiça Federal da União, cuja cúpula é composta exclusivamente por desembargadores civis.
Praticamente em todas as edições do Diário Oficial da União, é possível encontrar decisões concedendo a ex-militares do efetivo variável – aqueles que ingressam nas Forças Armadas por meio do alistamento – indenizações financeiras e reparações por erros administrativos que lhes causaram prejuízos durante o período de serviço ativo. Além disso, militares da reserva e até mesmo da ativa têm obtido decisões favoráveis em processos que contestam sanções disciplinares, casos de assédio moral e questões relacionadas a tratamento médico.
Decisão Judicial, a Marinha foi obrigada a corrigir o erro
Abaixo o exemplo de uma portaria emitida por força de decisão judicial da Justiça Federal da União, assinada por um oficial general e que corrige erro administrativo cometido pelas Forças Armadas Brasileiras. Por conta da decisão, o Comando do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil, foi obrigado a corrigir o erro, reintegrando e reformando um militar que foi desligado por conta de erro administrativo. A Marinha terá ainda que pagar os valores devidos ao militar.

Ampliação da competência da Justiça Militar da União e das justiças militares nos estados
Nos últimos anos, entretanto, vem sendo elaborada uma proposta que prevê a transferência dos julgamentos dessas demandas para a Justiça Militar da União, no caso das Forças Armadas, e para as Justiças Militares estaduais, no caso dos militares das Forças Auxiliares.

Advogados consultados pela Revista Sociedade Militar acreditam que, em vez de aprimorar os processos administrativos e a gestão – o que reduziria a incidência de erros –, a cúpula das Forças Armadas, formada por oficiais generais de quatro estrelas, estaria usando uma estratégia para trazer para o STM, braço judicial das corporações, as decisões sobre os processos movidos por militares e ex-militares que se sentem prejudicados.
O advogado Cláudio Lino, especialista em direito militar e chefe de um renomado escritório localizado em frente a um quartel em Campinas, alerta que a medida, caso seja implementada, afronta princípios fundamentais do direito, como a imparcialidade entre as partes. Além disso, ele ressalta que a cúpula da Justiça Militar da União é amplamente composta por juízes leigos, o que poderia comprometer a equidistância e a isenção necessárias para a correta aplicação da justiça.
“São juízes sem formação jurídica e eles fazem parte da Força, não seriam imparciais”. (Cláudio Lino)
Apresentação da ideia pelo presidente do STM, no CNJ em 2020
Uma das primeiras vezes em que a ideia foi apresentada publicamente ocorreu em 2020, durante uma reunião no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ainda sob a defesa do general Mattos. Na ocasião, ele destacou a necessidade de mudanças no julgamento de ações administrativas e contravenções disciplinares:
“O julgamento de ações administrativas e contravenções disciplinares são questões que ainda estão pendentes. Nossa intenção é buscar alteração nesses temas…”, declarou o general.
Desde então, a proposta avançou significativamente e, hoje, tramita no Senado por meio da PEC Nº 07/2024, sob relatoria da senadora Professora Dorinha (União – TO). Entretanto, por se tratar de um tema bastante técnico e de difícil assimilação pela grande mídia, pela sociedade e até pela própria classe política, o projeto avança quase anonimamente, sem grande repercussão.

Apesar da baixa atenção pública, a proposta de interesse dos generais é de dimensões gigantescas em importância, pois pode impactar diretamente um contingente expressivo da população brasileira. Estima-se que cerca de 1,7 milhão de pessoas sejam afetadas, incluindo aproximadamente 800 mil militares da ativa, da reserva e pensionistas das Forças Armadas, além de 900 mil integrantes das Forças Auxiliares, entre ativos, reservistas e pensionistas.
Uma enquete promovida pelo Senado revelou forte resistência entre os próprios militares – principais interessados no tema. Segundo os dados, 88% dos participantes rejeitam a proposta defendida pelos generais, um indicativo de que a ideia não encontra respaldo nem mesmo dentro das fileiras militares.