Uma sentença proferida em 9 de maio de 2025 pela Justiça Federal do Distrito Federal colocou em xeque a conduta da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) diante dos direitos fundamentais de seus cadetes. O juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho determinou a reintegração de R. Moreira V. ao Corpo de Cadetes, declarando nulo o ato de desligamento sumário promovido pela instituição militar ligada ao Exército Brasileiro.
Erro e ausência de preparo institucional da AMAN
O caso revela não apenas um erro administrativo, mas uma preocupante ausência de preparo institucional da AMAN no trato com princípios constitucionais básicos, como o contraditório, a ampla defesa, o direito ao silêncio e o acesso à informação. O advogado que atua no caso, Dr Cláudio Lino, declarou que: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas… direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada“
A decisão judicial é bastante clara ao afirmar que o desligamento ocorreu em um contexto de coação, sem respeito ao devido processo legal, o que compromete gravemente a legalidade do procedimento.
Desligamento sob coação e sem de trâmite regular
Segundo os autos do processo, o cadete teria sido compelido por superiores a assinar um pedido de desligamento, sob ameaça de ser licenciado “a bem da disciplina” — uma punição muito mais severa. O documento foi imediatamente aceito no mesmo dia, sem qualquer tempo razoável para reflexão ou assistência jurídica. Não houve parecer técnico nem abertura de contraditório, o que, na avaliação do magistrado, configura vício de consentimento e desvio de finalidade.
Segundo a defesa, o cadete foi ameaçado de ser desligado a bem da disciplina, o que poderia prejudicar sua reputação e até por fim à oportunidades e empreender carreira militar em outras instituições.
“Não obstante aos fatos pré-mencionados, na inquirição da sindicância, o autor foi coagido a relatar e falar a respeito do ocorrido, não tendo sido alertado do direito constitucional de ficar em silêncio, observando o inciso LXIII, do artigo 5º da CRFB, abarcando uma clara nulidade contida no procedimento administrativo. Sendo de forma secundária vítima de ato semelhante, ao ser dada a opção de pedir o desligamento da AMAN, ao invés de sofrer ato disciplinador. Sendo pressionado por superiores hierárquicos, que ameaçaram realizar seu licenciamento, o autor foi obrigado a assinar o próprio desligamento da instituição”
A AMAN justificou o desligamento com base em regulamentos internos que permitem a exclusão por solicitação do próprio aluno. Entretanto, a Justiça reconheceu que tal solicitação não foi livre e voluntária, tornando inválido o procedimento que culminou na saída do cadete da instituição.
Dois pesos, duas medidas: cadetes punidos de forma desigual
Outro ponto relevante da sentença foi a comprovação de tratamento desigual entre os envolvidos no mesmo episódio disciplinar. Enquanto o autor da ação foi sumariamente desligado, os demais cadetes coparticipantes do mesmo imbróglio foram punidos apenas com prisões disciplinares e permaneceram em formação para se tornarem em breve oficiais do Exército Brasileiro. Para o magistrado, a conduta viola gravemente o princípio da isonomia, pilar do Estado de Direito no Brasil.
Violação ao direito de defesa e à informação
A sentença também destaca que a Academia Militar das Agulhas Negras se negou a fornecer ao cadete a íntegra do processo de sindicância, mesmo após solicitação formal com base na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).
A omissão, somada à ausência de advertência sobre o direito ao silêncio durante o interrogatório, fragilizou ainda mais a validade do procedimento e apontou para a prática de um processo arbitrário.
Instituição de ensino militar não pode ignorar a Constituição

A decisão judicial não apenas reintegra o cadete e assegura seus direitos, como lança um alerta para a própria estrutura da formação militar superior no Brasil. A AMAN, considerada a mais tradicional escola de formação de oficiais do Exército, revelou, neste caso, falhas sérias de alinhamento com princípios constitucionais elementares.