
Durante a Conferência Internacional sobre o Crime Organizado 2025, realizada no Rio de Janeiro, evento aberto que reúne conferencistas de diversas áreas, realizado na Escola Superior de Advocacia no período de 20 a 21 de maio de 2025, diante de um auditório lotado, o coronel Marcelo de Menezes Nogueira, Secretário de Estado de Polícia Militar, fez uma das falas mais incisivas até agora no evento.
O militar deixou claro que a Polícia Militar acredita que deve-se dividir a responsabilidade pelo problema da segurança com outros órgãos, inclusive municipais.
O militar foi enfático ao defender que a segurança pública no estado não pode continuar sendo tratada como um problema exclusivamente policial. Para o oficial, combater o crime exige uma articulação real entre todas as esferas do poder público.
O coronel também fez críticas diretas ao uso político das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), afirmando que vários políticos se elegeram e se reelegeram às custas do projeto, o que teria contribuído para a perda de foco e eficácia da iniciativa em áreas mais críticas do estado.

A fala ocorre em um momento de alta tensão na segurança pública do estado, nessa segunda-feira (19/05) um policial civil foi morto em operação em uma comunidade carioca e a Cidade de Deus foi ocupadas pela polícia.
De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), mais de 30 mil roubos de veículos e mais de 3 mil homicídios foram registrados somente em 2024. O número evidencia que o modelo atual de enfrentamento, centrado apenas na ação policial, não tem sido suficiente.
Segurança pública como responsabilidade compartilhada
Marcelo Nogueira afirmou que a Polícia Militar tem enfrentado o crime praticamente sozinha em muitas regiões do estado. Ele criticou a ausência de preocupação e ações do poder público em áreas complementares como urbanização, infraestrutura e fiscalização territorial, que poderiam conter o avanço das organizações criminosas.
“Quando se olha segurança pública pelo prisma apenas de polícia você anda pelo caminho errado, é também um problema de polícia mas fundamentalmente havia ali a necessidade de outros investimentos que não foram feitos e a polícia militar em algum momento ficou sozinha nessa guerra…”
O secretário ressaltou que ordenamento urbano, iluminação pública, fiscalização do solo e serviços municipais básicos, embora não pareçam. também são segurança pública, pois criam ambientes mais seguros e desfavoráveis à atuação do crime.
A interpretação da ADPF 635, considerada como uma nova chance para reocupação do território
O secretário vê como oportunidade a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 635, que trata da reocupação de territórios dominados por facções criminosas. Segundo ele, essa decisão pode ser o ponto de partida para uma nova fase, com mobilização conjunta entre União, estado e municípios.
município tem um papel muito importante nessa questão da segurança pública e eu sempre ratifico a importância do ordenamento urbano na segurança pública porque a ação dos prefeitos é fundamental para que a segurança pública atinja resultados mais efetivos
Urbanismo desordenado ajuda na expansão do crime
Marcelo Nogueira fez um alerta sobre o crescimento urbano acelerado e desorganizado em regiões como Recreio, Vargem Grande e Vargem Pequena, regiões da Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Em apenas uma década, a população nessas áreas quintuplicou, saltando de 30 mil para 150 mil habitantes, segundo o Censo. Segundo o oficial, imagens captadas por drones mostram uma ocupação urbana descontrolada e sem qualquer fiscalização por parte do poder público municipal, o que favorece o domínio territorial por grupos armados.
“Uma poda de arvores adequada é segurança pública, uma iluminação adequada é segurança pública, limpar bueiros é segurança pública porque quando chove ela alaga aquela determinada rua e quando o condutor do veiculo tem que diminuir a velocidade e isso cria uma ambiência para o crime prosperar, quando você não fiscaliza o parcelamento e uso irregular do solo você cria um ambiente para as organizações criminosas… ”
Armas ilegais e confronto direto
O combate ao armamento ilegal também revela a dimensão do problema. Somente em 2024, foram retiradas de circulação 732 armas longas, o maior número registrado desde que o ISP começou a compilar os dados, em 2007. O número representa um aumento de 20% em relação ao ano anterior, demonstrando o nível de poder de fogo com que a polícia se depara nas ruas do Estado do Rio de Janeiro.
UPPs e os limites do modelo atual
O policial, após ser provocado por perguntas, avaliou ainda o legado das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Embora algumas tenham gerado bons resultados, principalmente em áreas como a Tijuca e a Zona Sul, ele reconhece que muitas delas fracassaram por falta de apoio institucional, desvio de finalidade e uso político do projeto.
Por fim, o oficial disse que é necessário dar um passo atrás no que diz respeito às UPPs em alguns locais, como o Salgueiro e a Rocinha e que é preciso estudas novas técnicas de combate ao crime.
“… dar um passo atrás é algo nobre e importante e pensar numa outra fórmula, numa outra modelagem de policiamento para a região dos grande complexos, como o complexo da penha, do Alemão, complexo do Salgueiro em São Gonçalo, a própria Rocinha, que precisam ser atendidos pela Polícia Militar”