Enquanto o mundo fabrica armas invisíveis, o Exército brasileiro ainda aposta em cavalos: a força silenciosa que resiste à era dos drones e da guerra digital
Entre drones e cavalos: no auge da guerra digital, o Exército Brasileiro mantém viva uma tradição centenária, criando tropas montadas em uma das últimas coudelarias militares da América Latina.
No coração do Rio Grande do Sul, uma força discreta, mas essencial, continua galopando firme ao lado da tradição militar brasileira.
Pouca gente imagina que, em meio à revolução tecnológica que molda os conflitos modernos — com drones, satélites, armas hipersônicas e inteligência artificial — os cavalos ainda tenham um papel estratégico nos exércitos.
Mas o Exército Brasileiro mantém viva essa tradição com uma estrutura única na América Latina: a Coudelaria e Campo de Instrução de Rincão, localizada no município de São Borja, na fronteira com a Argentina.
Ali, em uma fazenda de 15.362 hectares — equivalente a 5% do território do município — o Exército cuida de aproximadamente mil cavalos, em um processo que mistura ciência genética, técnica militar e respeito à natureza.
O último reduto dos cavalos militares no Brasil
Segundo informações do portal de conteúdo rural, a fazenda de Rincão é a última unidade das Forças Armadas totalmente dedicada à criação de cavalos militares.
É nesse local que nascem, crescem e são treinados todos os equinos que servirão ao Exército, e também a outras forças públicas e militares do Brasil.
Conforme o tenente-coronel Leandro Sicorra Wilemberg, diretor da coudelaria, a unidade funciona como um verdadeiro “arsenal de guerra” equino, abastecendo não apenas os regimentos cerimoniais, mas também tropas de patrulhamento e unidades de formação militar.
“Somos uma fábrica de cavalos militares”, afirma Wilemberg.
A comparação não é exagerada.
O planejamento para produzir cerca de 150 cavalos por ano começa cinco anos antes, passando por fases como inseminação artificial, nascimento, crescimento, doma e treinamento dos animais.
Raças selecionadas e genética de excelência
A Coudelaria de Rincão é referência internacional em genética equina.
As principais raças criadas na fazenda são o Brasileiro de Hipismo (BH), o Puro-Sangue Inglês (PSI), o Bretão, o Cavalo Crioulo e o Polo Argentino.
Cada uma dessas raças tem funções específicas dentro da estratégia militar.
O BH, por exemplo, é voltado para equitação e salto, sendo o mais criado em Rincão, com mais de 800 exemplares.
Já o cavalo crioulo, conhecido por sua resistência, é bastante usado por polícias militares em patrulhamento ostensivo.
O bretão tem grande importância na reprodução, as égua bretãs são utilizadas como receptoras de embriões por conta de sua capacidade materna, produção de leite e colostro de alta qualidade, fatores decisivos para garantir a sobrevivência e a força dos potros.
“Nossos melhores potros são gestados por éguas bretãs. Elas são verdadeiras incubadoras de excelência genética”, explica o major Diego Castilhos de Almeida, subdiretor da unidade.
Mais que tradição: função militar e operacional
Os cavalos criados em Rincão têm múltiplas finalidades dentro do Exército Brasileiro.
Eles são utilizados em cerimônias oficiais em Brasília, Porto Alegre e Rio de Janeiro, em patrulhamentos em áreas rurais e de difícil acesso, além de serem fundamentais na formação de oficiais na Escola de Equitação do Exército, que é também um dos centros fomentadores do hipismo nacional.
Além disso, as polícias militares de vários estados solicitam animais para uso em policiamento de choque e controle de multidões.
A Força Aérea Brasileira também recorre aos cavalos de Rincão para operações de patrulhamento em áreas remotas.
Há ainda parcerias com exércitos da América Latina, com troca de material genético e intercâmbio de animais com países como Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai.
O paradoxo entre tecnologia avançada e a tradição dos cavalos militares
Enquanto o mundo avança em ritmo acelerado rumo à automação bélica, com o desenvolvimento de drones autônomos, armamentos hipersônicos e sistemas de guerra digital que operam a milhares de quilômetros do campo de batalha, o Brasil mantém um compromisso singular e resistente com a tradição militar dos cavalos.
Apesar das crescentes inovações tecnológicas que transformam os conflitos em arenas invisíveis, o Exército Brasileiro segue investindo na criação e manutenção de seus equinos militares.
Essa escolha mostra que, em determinadas regiões do vasto território nacional, especialmente em áreas de difícil acesso e terrenos acidentados, a força silenciosa dos cavalos continua insubstituível para patrulhas, transportes e operações estratégicas.
Essa decisão demonstra uma visão pragmática e uma adaptação inteligente entre passado e futuro, onde o tradicional e o moderno coexistem para fortalecer a defesa nacional.
O cavalo em tempos de guerra moderna
Embora possa parecer anacrônico, o uso de cavalos em operações militares está longe de ser coisa do passado.
Mesmo em guerras como a do Afeganistão ou o atual conflito na Ucrânia, os equinos seguem sendo recursos táticos insubstituíveis.
“O cavalo ainda é uma engrenagem importante nas guerras modernas”, afirma o tenente-coronel Wilemberg.
No terreno acidentado das montanhas da Argentina, Chile e outros países andinos, cavalos e muares são usados para transportar cargas, armamentos e até soldados.
Durante o degelo na Ucrânia, quando o solo fica impraticável para veículos pesados, cavalos têm sido empregados em missões táticas e logísticas.
No Afeganistão, tropas das forças especiais norte-americanas utilizaram cavalos para infiltrações em regiões de difícil acesso, como mostrado em registros da própria CIA e do Pentágono.