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Enquanto o mundo fabrica armas invisíveis, o Exército brasileiro ainda aposta em cavalos: a força silenciosa que resiste à era dos drones e da guerra digital

Entre drones e cavalos: no auge da guerra digital, o Exército Brasileiro mantém viva uma tradição centenária, criando tropas montadas em uma das últimas coudelarias militares da América Latina.

por Alisson Ficher Publicado em 06/06/2025
Enquanto o mundo fabrica armas invisíveis, o Exército brasileiro ainda aposta em cavalos: a força silenciosa que resiste à era dos drones e da guerra digital

No coração do Rio Grande do Sul, uma força discreta, mas essencial, continua galopando firme ao lado da tradição militar brasileira.

Pouca gente imagina que, em meio à revolução tecnológica que molda os conflitos modernos — com drones, satélites, armas hipersônicas e inteligência artificial — os cavalos ainda tenham um papel estratégico nos exércitos.

Mas o Exército Brasileiro mantém viva essa tradição com uma estrutura única na América Latina: a Coudelaria e Campo de Instrução de Rincão, localizada no município de São Borja, na fronteira com a Argentina.

Ali, em uma fazenda de 15.362 hectares — equivalente a 5% do território do município — o Exército cuida de aproximadamente mil cavalos, em um processo que mistura ciência genética, técnica militar e respeito à natureza.

O último reduto dos cavalos militares no Brasil

Segundo informações do portal de conteúdo rural, a fazenda de Rincão é a última unidade das Forças Armadas totalmente dedicada à criação de cavalos militares.

É nesse local que nascem, crescem e são treinados todos os equinos que servirão ao Exército, e também a outras forças públicas e militares do Brasil.

Conforme o tenente-coronel Leandro Sicorra Wilemberg, diretor da coudelaria, a unidade funciona como um verdadeiro “arsenal de guerra” equino, abastecendo não apenas os regimentos cerimoniais, mas também tropas de patrulhamento e unidades de formação militar.

Somos uma fábrica de cavalos militares”, afirma Wilemberg.

A comparação não é exagerada.

O planejamento para produzir cerca de 150 cavalos por ano começa cinco anos antes, passando por fases como inseminação artificial, nascimento, crescimento, doma e treinamento dos animais.

Raças selecionadas e genética de excelência

A Coudelaria de Rincão é referência internacional em genética equina.

As principais raças criadas na fazenda são o Brasileiro de Hipismo (BH), o Puro-Sangue Inglês (PSI), o Bretão, o Cavalo Crioulo e o Polo Argentino.

Cada uma dessas raças tem funções específicas dentro da estratégia militar.

O BH, por exemplo, é voltado para equitação e salto, sendo o mais criado em Rincão, com mais de 800 exemplares.

Já o cavalo crioulo, conhecido por sua resistência, é bastante usado por polícias militares em patrulhamento ostensivo.

O bretão tem grande importância na reprodução, as égua bretãs são utilizadas como receptoras de embriões por conta de sua capacidade materna, produção de leite e colostro de alta qualidade, fatores decisivos para garantir a sobrevivência e a força dos potros.

Nossos melhores potros são gestados por éguas bretãs. Elas são verdadeiras incubadoras de excelência genética”, explica o major Diego Castilhos de Almeida, subdiretor da unidade.

Mais que tradição: função militar e operacional

Os cavalos criados em Rincão têm múltiplas finalidades dentro do Exército Brasileiro.

Eles são utilizados em cerimônias oficiais em Brasília, Porto Alegre e Rio de Janeiro, em patrulhamentos em áreas rurais e de difícil acesso, além de serem fundamentais na formação de oficiais na Escola de Equitação do Exército, que é também um dos centros fomentadores do hipismo nacional.

Além disso, as polícias militares de vários estados solicitam animais para uso em policiamento de choque e controle de multidões.

A Força Aérea Brasileira também recorre aos cavalos de Rincão para operações de patrulhamento em áreas remotas.

Há ainda parcerias com exércitos da América Latina, com troca de material genético e intercâmbio de animais com países como Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai.

O paradoxo entre tecnologia avançada e a tradição dos cavalos militares

Enquanto o mundo avança em ritmo acelerado rumo à automação bélica, com o desenvolvimento de drones autônomos, armamentos hipersônicos e sistemas de guerra digital que operam a milhares de quilômetros do campo de batalha, o Brasil mantém um compromisso singular e resistente com a tradição militar dos cavalos.

Apesar das crescentes inovações tecnológicas que transformam os conflitos em arenas invisíveis, o Exército Brasileiro segue investindo na criação e manutenção de seus equinos militares.

Essa escolha mostra que, em determinadas regiões do vasto território nacional, especialmente em áreas de difícil acesso e terrenos acidentados, a força silenciosa dos cavalos continua insubstituível para patrulhas, transportes e operações estratégicas.

Essa decisão demonstra uma visão pragmática e uma adaptação inteligente entre passado e futuro, onde o tradicional e o moderno coexistem para fortalecer a defesa nacional.

O cavalo em tempos de guerra moderna

Embora possa parecer anacrônico, o uso de cavalos em operações militares está longe de ser coisa do passado.

Mesmo em guerras como a do Afeganistão ou o atual conflito na Ucrânia, os equinos seguem sendo recursos táticos insubstituíveis.

O cavalo ainda é uma engrenagem importante nas guerras modernas”, afirma o tenente-coronel Wilemberg.

No terreno acidentado das montanhas da Argentina, Chile e outros países andinos, cavalos e muares são usados para transportar cargas, armamentos e até soldados.

Durante o degelo na Ucrânia, quando o solo fica impraticável para veículos pesados, cavalos têm sido empregados em missões táticas e logísticas.

No Afeganistão, tropas das forças especiais norte-americanas utilizaram cavalos para infiltrações em regiões de difícil acesso, como mostrado em registros da própria CIA e do Pentágono.

Alisson Ficher

Alisson Ficher