MANIFESTO DOS CORONEIS DA ATIVA. {jcomments on}
Presidente usava as massas como instrumento de pressão política, o comunismo é uma ameaça, as forças armadas estão desvalorizadas, o material se deteriora por falta de manutenção e os militares lutam para manter um padrão de vida…
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Coronéis da ativa, em 1954, redigiram e assinaram um documento, encaminhado aos seu superiores, conclamando-os a tomar providências imediatas. No texto reclamavam da falta de verbas para as forças armadas e baixos salários dos militares. O texto provocou a queda do então ministro João Goulart.
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Memorial dos coronéis (15 fev. 1954)
A S. Exa. o Sr. General Ministro da Guerra.
O descontentamento e as inquietações que lavram entre os quadros permanentes e semipermanentes, sobretudo nos postos menos elevados, estão a criar perigoso ambiente de intranqüilidade, agravado pelo enfraquecimento da confiança nos Chefes, que já se esboça e amplia. Os desestímulos e o conseqüente arrefecimento do entusiasmo pelos deveres profissionais ameaçam de estagnação duradoura a máquina militar entorpecida em sua eficiência pela deterioração das condições materiais e morais indispensáveis a seu pleno funcionamento. Prenuncia-se indisfarçável crise de autoridade, capaz de solapar a coesão da classe militar, deixando-a inerme às manobras divisionistas dos eternos portadores da desordem e usufrutuários da intranqüilidade pública. E, com o comunismo solerte sempre à esquerda, serão os próprios quadros institucionais da Nação ameaçados, talvez, de subversão violenta.
Urge, pois, se promova decidida campanha de recuperação e saneamento no seio das classes armadas. E é para apoiar tal campanha – cujos fins imediatos visarão, por certo, a revigorar o respeito ao princípio de autoridade e aos sadios postulados da disciplina – que reafirmamos aos altos Chefes responsáveis o nosso firme propósito de secundá-los por todos os meios a nosso alcance, na restauração dos elevados padrões de eficiência, de moralidade, de ardor profissional e dedicação patriótica que, em todos os tempos, asseguraram ao Exército respeito e prestígio na comunidade nacional.
Estamos certos de que, para garantir de início o clima espiritual indispensável à realização de um amplo e fecundo programa, bastará, como medidas efetivas e imediatas, seja dado público testemunho cabal e positivo, da firme decisão de solucionar os sérios problemas – causas profundas e reais da crise que já se delineia e seria erro ou imprevidência não querer enxergar.
É bem verdade que, dentre esses problemas todos – do ponto de vista da segurança nacional -, um dos mais sérios é o do aparelhamento real do Exército para o cumprimento, a qualquer instante, das indeclináveis missões que lhe cabem. Generaliza-se – triste é confessá-lo – o sentimento de que temos mesmo involuído quanto à preparação dos quadros e da tropa, assistência aos conscritos, manutenção e renovação do equipamento militar. E tal sentimento, aliado à consciência do quanto já pesam as instituições armadas no orçamento minguado de uma Nação ainda pobre, tem servido para motivar o mais sério desalento, ainda mais ressentido ante o surpreendente dos vultosos fundos atribuídos largamente a outras Forças Armadas, fora de qualquer planejamento equilibrado e de conjunto.
A inadequação e precariedade das instalações em todo o território nacional, quartéis insuficientes, velhos ou de empréstimo, ausência de depósito até mesmo com risco de segurança de vidas, deficiência e desaparelhamento dos hospitais, o pouco que ainda temos -se excetuadas luxuosas construções do Serviço de Intendência – condenando à ruína pela exigüidade dos recursos atribuídos à sua conservação; fardamento das praças comprovadamente inadequado, equipamento bélico em grande parte obsoleto, material motomecanizado a deteriorar-se por falta de meios indispensáveis à sua manutenção racional, inexistência de material de comunicação até mesmo nas unidades especializadas; a tropa mal assistida e pior enquadrada, devido à crônica escassez de quadros subalternos e de monitores, e com sua instrução prejudicada por dificuldades de toda a ordem, inclusive a já quase irremediável carência de terrenos apropriados aos exercícios de campanha: agravando, dia a dia, o problema do recrutamento de graduados e especialistas; relegado a plano secundário o aperfeiçoamento profissional dos quadros; estimulado o êxodo de oficiais para fora das unidades de tropa e sobrecarregadas a cadeia de comando e a administração por uma pletora de órgãos de atribuições mal delimitadas, tais os sintomas e índices mais alarmantes do grau de despreparo a que atualmente chegamos. É bem verdade que para tanto concorreu uma lamentável conjuntura de circunstâncias fazendo com que, ao acelerar-se, embora desordenadamente, o ritmo de desenvolvimento do País, acarretando profundas transformações na ordem social e econômica ao impacto da dinâmica convivência mundial, menos pudesse o Exército, à míngua de recursos e consciente das dificuldades financeiras que vêm atormentando a Nação, aparelhar-se à altura de suas novas mais amplas e mais complexas responsabilidades. E nos deixamos ficar retardatários em meio ao processo do País.
Vasto e demorado só poderá ser, porém, um programa de empreendimentos que vise a recuperação do tempo perdido alçando o Exército ao nível de eficiência e preparação que dele estão a exigir os altos imperativos da segurança nacional. Ora, para tanto, o que mais importa no momento é restabelecer a coesão do conjunto, reforçar os laços de disciplina e de confiança mútua, dar remédio justo aos anseios bem motivados, às preocupações bem fundamentadas, ao descontentamento bem justificado, robustecendo a classe contra tendências desagregadoras de qualquer natureza. E tanto mais urge fazê-lo quanto a ameaça sempre presente da infiltração de perniciosa ideologia antidemocrática ou de espírito de partidarismo político, semeador de intranqüilidade e conflitos, cada vez avulta na hora presente, estimulada ao calor das paixões e das ambições sempre exacerbadas em períodos pré-eleitorais. Sem dúvida, o que mais está a alastrar o desânimo e o descontentamento entre os jovens oficiais não é a falta de perspectivas mais amplas de carreira que leis e mais leis de numerosas reestruturações nunca poderão assegurar, senão apoiadas em rigoroso e justo processo de rejuvenescimento dos quadros que tanto tarda entre nós: mas sobretudo, a chocante e injustificável disparidade de acesso entre as diversas Armas e Serviços que dia a dia se agrava, com as mais danosas repercussões para a coesão moral do corpo de oficiais, sem que providências efetivas sejam tomadas para eliminá-la ou reduzi-la a limites toleráveis. Daí a descrença pronunciadora de graves tensões que vai assaltando o espírito da oficialidade jovem, não mais convicta de encontrar em seus chefes, mesmo naqueles que mais perto podem sentir-lhe o problema, os defensores serenos mais intransigentes de suas justas aspirações.
E, por outro lado, é a inflação desmesurada dos altos postos que está a traduzir-se em perigoso desprestígio da autoridade – o excesso dos quadros superiores numa estrutura que, por modesta, não lhes pode oferecer, a todos, funções compatíveis com a sua hierarquia, acarretando perda de eficiência do conjunto, propiciando o ócio remunerado e oferecendo, assim, lamentável exemplo aos olhos de todos os subordinados. Ressente-se com isso a solidez de toda a estrutura militar, afetada simultaneamente no princípio da autoridade e nos laços de confiança que fundamentam a disciplina consciente, como se não bastasse ainda o espetáculo pouco salutar das carreiras vertiginosamente feitas na reserva a coberto de leis em extremo generosas que multiplicam e barateiam os postos máximos da hierarquia, com desprezo até das mais elementares restrições vigentes para o acesso na atividade. Infelizmente não são apenas essas as causas principais da intranqüilidade e descontentamento que se vão difundindo por todo o Exército.
A emigração de militares para cargos civis sempre mais bem remunerados, onde, dissociados dos interesses profissionais e dos problemas de sua classe, nem sempre se podem conservar imunes às intrigas de política partidária e ficar inteiramente a salvo da onda de corrupção administrativa, que acende escândalos nas manchetes dos jornais – de tudo isso advindo incalculáveis prejuízos ao prestígio das Forças Armadas – cada vez mais inquieta os que preferem se dedicar inteiramente aos afazeres profissionais, principalmente porque aquelas funções consideradas com grande liberdade como detentores e correr às promoções e comissões diversas como se permanecessem no serviço das armas, aproveitando-se ademais muitos deles de tão singular situação para auferirem vantagens, ora de ordem militar, ora de caráter político.
O clima de negociatas, desfalques e malversação de verbas que infelizmente vem nos últimos tempos envolvendo o País e até mesmo o Exército, está, por outro lado, a exigir se oponham sólidas barreiras que lhe detenham o transbordamento dentro das classes armadas cujo padrão de honestidade e decoro administrativo, acima das mais leves suspeitas ou críticas, só se poderá manter se além de rigorosas normas de administração e controle, vigorar alerta um espírito coletivo de decidida contenção e repulsa contra qualquer desmandos ou falências morais, sobretudo na gestão dos dinheiros públicos.
A falta de aparelhamento eficiente dos órgãos de assistência social, reconhecidamente incapazes de atender as necessidades dos militares e suas famílias, provendo com presteza reais facilidades e nas condições vantajosas que deles seria justo esperar, vem acrescendo as dificuldades de vida com que lutam, principalmente, os oficiais subalternos subtenentes e sargentos, distraídos de suas tarefas e perturbados no cumprimento de seus deveres profissionais pelas múltiplas preocupações que decorrem da obrigação moral de assistir a seus familiares na satisfação das mais elementares necessidades de subsistência. E, não fora tão grave e premente esse problema, se não assistíssemos à compreensão cada dia maior do padrão de vencimentos militares ante a espiral inflacionária dos preços, e se, ademais, não perdurasse, flagrante e acabrunhadora, eterna disparidade em relação ao pessoal das outras Forças Armadas que têm asseguradas, onde quer que seja, condições de vida muitíssimo superiores.
Sabido é que em todas as guarnições, embora em escala variável, lutam os militares de terra com dificuldades cada vez maiores para a manutenção de um padrão de vida compatível com sua posição social. Ante as reconhecidas aberturas do erário, importaria isso nada mais do que num sacrifício maior a que, de espírito alevantado, se sujeitariam todos, não estivessem agora outros problemas de muito maior profundidade, tais como os apontados anteriormente a disseminar perniciosa onda de ceticismo utilitarista e a corroer a crença nos altos valores morais que são, de fato, o sustentáculo das instituições armadas. Perigosas só poderão ser hoje, nos meios militares, as repercussões que já se pressentem e anunciam de leis ou decisões governamentais que, beneficiando certas classes ou grupos, acarretarão pronunciado aumento do custo já insuportável de todas as utilidades. A fixação de altos padrões de vencimentos para os funcionários diplomados em cursos superiores – vencimentos que se duplicarão ao cabo de alguns qüinqüênios – caso não promova injustificável disparidade entre militares e civis, só poderá, através de emendas apressadas introduzidas nas Casas do Congresso, sem maior exame de todas as suas conseqüências, redundar em outra série de males e desníveis dentro da própria classe militar.
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E a elevação do salário mínimo que, nos grandes centros do País, quase atingirá o dos vencimentos máximos de um graduado, resultará, por certo, se não corrigida de alguma forma em aberrante subversão de todos os valores profissionais, destacando qualquer possibilidade de recrutamento para o Exército de seus quadros inferiores.
Ante a gravidade da situação que se está a criar para breve, impõe-se alerta corajoso, pois não se poderá prever que grau de dissociação serão capazes de gerar, no organismo militar, as causas múltiplas de tensões que, dia a dia, se acumulam.
E é preocupados e justamente alarmados ante perspectivas tão sombrias, que nos animamos a trazer aos altos Chefes responsáveis, leal e francamente, esta exposição, a nosso ver, fidedigna do ambiente em que, na hora presente, se debate o Exército, cujos quadros só devem aspirar vê-lo reintegrado na antiga tradição da austeridade, de eficiência, coesão e consciência profissional que dele sempre fizeram o baluarte e o guardião da nacionalidade brasileira.
Rio de Janeiro, fevereiro de 1954. (Assinaram o documento mais de 80 coroneis da ativa.)
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