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A (in)segurança energética chinesa

por Sociedade Militar
09/04/2014
A A

Paulo Duarte é doutorando em Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa – ISCSP-UTL, Portugal, e investigador no Instituto do Oriente.

A (in)segurança energética chinesa

Segundo a U.S. Energy Information Administration, “em 2009, a China tornou-se o segundo maior importador petrolífero mundial, a seguir aos Estados Unidos” (2012: para. 7). Porém, em 2010, o Império do Meio ultrapassou os Estados Unidos, convertendo-se “no maior consumidor mundial de energia” (IEA, 2010: para. 2). Como refere Peng Bin-Win, “a ascensão da China marca uma nova era na história da energia” (2012: 53). Com efeito, “o [seu crescente consumo] transformou os mercados energéticos mundiais e fez subir os preços do petróleo e do carvão nos últimos anos”, com possíveis repercussões, a longo prazo, “ao nível da segurança energética dos Estados Unidos” (Peng Bin-Win, 2012: 53). Mas não só (MarketWatch, 2013). Na verdade, estima-se que o rápido desenvolvimento da China venha a ter o maior impacto nos mercados energéticos mundiais, à medida que centenas de milhões de chineses ascendem à classe média (World Affairs Council, 2013).

A Agência Internacional de Energia (AIE) prevê que a China venha a ser responsável por um aumento de mais de 40% na procura mundial de petróleo até 2030 (2012). Como sublinha Mikkal Herberg, “a importância geopolítica e a potencial influência da China no mundo têm vindo a expandir-se, em resultado dos seus vastos investimentos em petróleo, acordos de abastecimento a longo prazo, extraordinários empréstimos bancários, e uma vigorosa diplomacia energética” (2011: para. 5). Por conseguinte, a China transformou-se num “ator diplomático-chave na maioria das regiões exportadoras de petróleo e gás natural do mundo” (Herberg, 2011: para. 5).

A consultora McKinsey estima que “o mercado de automóveis de luxo chinês cresça a um ritmo anual de 12% até 2020, em comparação com 8% para a generalidade do mercado de automóveis de passageiros” (2013: 4). Prevê-se que as vendas de automóveis de luxo, no país, cheguem aos “três milhões em 2020”, igualando as da Europa ocidental, e ultrapassando os “2.3 milhões de vendas” esperadas para o mercado norte-americano (McKinsey, 2013: 4). Todavia, “a China poderá ultrapassar os Estados Unidos como o maior mercado de viaturas de luxo já em 2016”, altura em que se estima que as vendas alcancem “os 2.25 milhões de unidades” (McKinsey, 2013: 4).

Quer a U.S. Energy Information Administration (2011), quer a Agência Internacional de Energia (2011) estimam que as importações petrolíferas venham a aumentar a uma média anual alarmante de cerca de 380 000 barris por dia, de 2009 a 2025. Prevê-se que a China se transforme no “maior importador mundial de petróleo (ultrapassando os Estados Unidos), em 2020” (Clemente, 2011: 4). Ou, talvez, um pouco antes de 2020. Na verdade, em entrevista ao People’s Daily, Niu Li, reputado economista chinês, observa que “a China pode ultrapassar os Estados Unidos, enquanto maior importador mundial de petróleo, mais cedo do que o esperado, em 2015” (2013: para. 2).

A crescente sensação de vulnerabilidade face a possíveis perturbações no fornecimento externo tem contribuído para que os dirigentes chineses concebam a segurança energética, cada vez mais, como “uma questão de segurança nacional” (The New York Times, 2011: para. 4). Num contexto em que a China se tem revelado um crescente consumidor de petróleo proveniente do Médio Oriente, e de outros pontos do planeta, importa notar que a grande maioria deste terá de percorrer longas distâncias, transitando por pontos de estrangulamento marítimos [vulneráveis], bem como por linhas férreas, gasodutos e oleodutos russos e centro-asiáticos (The Wall Street Journal, 2012).

Mikkal Herberg e David Zweig estimam que “dentro de 15 anos, 60-70% das necessidades de petróleo da China terão, muito provavelmente, de transitar pelo Estreito de Malaca”, bem como pelas “rotas marítimas do Oceano Índico e do sudeste asiático” (2010: 8). Por outro lado, não é de excluir uma eventual passagem pelo Ártico (Jocobson, 2010; Wright, 2011). Curiosamente, segundo Christina Lin, “a China pretende ser um dos primeiros países a explorar os recursos naturais do Ártico e a utilizar esta rota marítima para fins comerciais”, alegando que “o Ártico é uma parte dos bens comuns globais” (2011: 14).1 A este respeito, o contra-almirante chinês Yin Zhuo havia proferido, em março de 2010, as seguintes palavras: “O Ártico pertence a todos os povos mundiais, visto que nenhuma nação exerce soberania sobre ele… A China deve considerar exercer um papel importante na exploração do Ártico, uma vez que possui um quinto da população mundial” (Cit. por Gordon Chang, 2010: para. 1). Esta ‘reivindicação’ de direito ‘moral’ aos recursos e ao espaço parece refletir uma certa apetência por Lebensraum (Lilly, 2010; Wright, 2011).

Face ao exposto, Herberg e Zweig acreditam que “a forma como a China lidar com a sua segurança energética terá repercussões importantes ao nível da competitividade da diplomacia energética global, no futuro, bem como da eficácia das instituições de gestão do mercado petrolífero” (2010: 8).

O Império do Meio tem, desde há muito, conseguido satisfazer as suas necessidades energéticas, por meio do recurso às reservas domésticas (Hurst, 2007). Como referem Daniel Rosen e Trevor Houser, “até 1993, a China foi um importante exportador de petróleo para os países do leste asiático” (2007: 20). Contudo, a partir de 1993 as suas reservas domésticas não mais conseguiram satisfazer o ritmo da procura, sendo que, desde então, a China se converteu num “claro importador petrolífero” (Evans e Downs, May 2006: 2). Não obstante, há que reconhecer que a produção de petróleo na China continua a ser significativa (People’s Daily Online, 2010). Atualmente, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), “a China é um dos países produtores de petróleo e gás natural mais importantes do mundo” (2012: 3). Em 2010, a produção de petróleo da China ultrapassou os “4 milhões de barris por dia (mb/d)” (AIE, 2012: 3). Contudo, fruto de um crescimento económico forte e sustentado, a sua procura de petróleo também aumentou, “de 4.6 mb/d, em 2000, para mais de 8 mb/d, em 2009” (AIE, 2012: 3). Por outro lado, segundo a U.S. Energy Information Administration, “a China possui 20.4 biliões de barris de reservas comprovadas de petróleo desde janeiro de 2012, ou seja mais 4 biliões de barris do que há três anos, as mais elevadas na região Ásia-Pacífico” (2012: para. 4). Os maiores, e mais antigos, campos petrolíferos da China localizam-se na região nordeste do país. O Império do Meio produziu cerca de 4.3 milhões de barris por dia de petróleo em 2011” (U.S. Energy Information Administration; 2012: para. 4). A Agência Internacional de Energia prevê “a longo prazo uma estabilização, chegando a 4.7 milhões de barris por dia em 2035” (2011: para. 6).

Segundo İdris Demir, “o aumento da população e do padrão de vida dos cidadãos”, bem como dos “níveis de industrialização de um país”, originam um “maior consumo energético” (2010: 522). Ora, no caso da China, é inquestionável que tem havido um crescimento extraordinário quer em termos de população, quer no que respeita aos padrões de vida dos seus cidadãos, ao longo das últimas décadas, que se traduz, consequentemente, numa “maior necessidade de petróleo” (Hardy Zhu, 2012). Nos próximos anos, a procura energética tenderá a crescer, sobretudo nas zonas sul e leste da China, pobres em recursos energéticos, mas onde a economia é vibrante (Lin, 2012). Por volta de 2020, a procura de petróleo, na China, pode chegar aos “12.2 milhões de barris por dia”, como prevê a Agência Internacional de Energia (2012: 3).

Com o objetivo de satisfazer as necessidades energéticas do Império do Meio, “a diplomacia chinesa tem vindo a trabalhar ativamente, desde meados dos anos 90, com o intuito de melhorar as suas relações com os principais países exportadores de petróleo, para garantir o acesso seguro às fontes energéticas no estrangeiro, (…) investindo em projetos de infraestrutura” (Causevic, 2012: 1). Na tentativa de encontrar parceiros comerciais, o Império do Meio tem vindo a importar largas quantidades de petróleo à Arábia Saudita, “cerca de 1.1 milhões de barris por dia em 2012” (Al-Tamini, 2013: para. 9). Segundo a U.S. Energy Information Administration, “o Médio Oriente permanece o maior abastecedor de petróleo da China, embora os países africanos, em especial Angola, tenham vindo a ocupar um lugar cada vez mais importante no quadro das importações petrolíferas chinesas, nos últimos anos” (2012: 8). Em 2011, “o Médio Oriente forneceu 2.6 milhões de barris por dia (51%)”, sendo que “de entre as outras regiões que exportam para a China se destacam África com 1.2 milhões de barris por dia (24%), a região da Ásia-Pacífico com 173 000 barris por dia (3%), e 1.1 milhões de barris por dia (22%) provêm de outros países” (Energy Information Administration, 2012: 8). Por sua vez, Estados como o Irão, Omã, Iémen, Sudão, Congo, Rússia e o Cazaquistão são, igualmente, dignos de atenção, entre outros parceiros comerciais da China, no que concerne ao abastecimento de petróleo. John Lee informa que “em 2011, as companhias petrolíferas estatais chinesas operavam em mais de 30 países, realizando aquisições de ativos petrolíferos (extração de petróleo a partir de jazidas que [a China] havia adquirido) em, pelo menos, 20 países” (2012: 84). Dados de 2010 revelam que 23% da produção offshore de petróleo-equity da China foi efetuada no Cazaquistão, 15% no Sudão e Venezuela, 14% em Angola, 5% na Síria, 4% na Rússia, e 3% na Tunísia (Jiang e Sinton, 2011). Por sua vez, a Nigéria, Indonésia, Perú, Equador, Omã, Colômbia, Canadá, Iémen, Camarões, Gabão, Iraque, Azerbaijão e Uzbequistão compõem os restantes 20% (Jiang e Sinton, 2011).

Sabrina Howell considera que “à semelhança de muitos outros países importadores de recursos energéticos, a China não possui uma estratégia global de segurança energética” (2009: 191). Segundo Howell, existe, ao invés, “uma política centralizada” que, por vezes, dá origem a “grupos de interesse competidores, retórica exagerada, e iniciativas ao nível provincial” (2009: 191). Por outro lado, como nota Joseph Gilgum, a China persegue uma “estratégia de ativos petrolíferos” que além de “não proporcionar segurança energética”, ainda agrava a instabilidade” (2009: 12). De facto, para Gilgum, “a escolha estratégica empregue atualmente pelos decisores políticos é insustentável, tendo em conta o forte aumento na procura de petróleo, por parte da China, no futuro” (2009: 12). Pequim deve tomar consciência de que “não pode operar, de forma eficaz, fora do mercado global de energia”, e que “a cooperação diplomática e multilateral é essencial para o futuro da segurança energética” (Gilgum, 2009: 12).

Na China existem várias agências governamentais que supervisionam as políticas energéticas, agências essas que não são subordinadas entre si, em termos de poder político, embora possuam áreas de sobreposição de autoridade, o que tem conduzido a uma intensa rivalidade e a uma gestão ineficaz (Best e Levina, 2012). A National Development and Reform Commission (NDRC) é “o principal órgão encarregue da formulação de políticas e a autoridade reguladora do setor energético”, enquanto “outros quatro ministérios supervisionam várias componentes da política petrolífera do país” (Best e Levina, 2012: 16). O Governo criou a “National Energy Administration (NEA)”, em julho de 2008, com o objetivo de operar como “o regulador energético, por excelência” (Asia Trade Hub, 2013: para. 1). A NEA, juntamente com a NDRC, “é encarregada de aprovar novos projetos energéticos na China, estabelecendo os preços domésticos para a energia, e implementando as políticas energéticas do Governo central, entre outras funções” (Asia Trade Hub, 2013: para. 1). A NDRC é “um departamento do Conselho de Estado da China, o mais alto órgão do poder executivo no país” (Asia Trade Hub, 2013: para. 1). Em janeiro de 2010, o Governo criou uma “Comissão Nacional de Energia”, com o objetivo de “consolidar a política energética entre as várias agências Conselho de Estado” (U.S. Energy Information Administration, 2012: 3).

A situação não tem sido objeto de mudanças substanciais desde que Andrews-Speed escreveu, em 2004, acerca da “natureza cronicamente fragmentada da política energética chinesa”, resultante do “contínuo poder das companhias energéticas estatais”, combinado com “a falta de uma agência robusta e bem-equipada, encarregue da formulação da política energética” (2004: 56). Como sublinha Sabrina Howell, “na ausência de um Ministério da Energia poderoso e influente, a política energética chinesa é, na verdade, mais desagregada do que a de muitos outros países” (2009: 191). Note-se que “a China criou o seu primeiro Ministério da Energia em 1988, a partir do que restava das antigas agências de eletricidade, carvão e petróleo, mas dissolveu-o em 1993, visto que o regulador não conseguiu controlar as poderosas empresas estatais que dominam o setor” (Reuteurs, 2012: para. 20). Atualmente, existe um sentimento de reconhecida urgência, por parte dos grupos industriais, bem como de outros setores económicos e sociais chineses, na criação de um “Ministério da Energia abrangente, suscetível de assumir o controlo da indústria energética do país, que é gerida, atualmente, por vários departamentos governamentais” (China Daily, 2012: para. 18). Embora a China Energy Society2 afirme que “o potencial de distribuição do poder entre todos esses organismos possa ser complexo”, ela admite, porém que “a criação do novo super-ministério “é não só possível, como, efetivamente, uma necessidade urgente” (China Daily, 2012: para. 1).

O petróleo é considerado um bem estratégico devido à sua importância para o desenvolvimento económico chinês, constituindo o elemento, por excelência, da insegurança energética estrutural do Império do Meio, na atualidade (China Economic Review, 2013). Como sublinham Brian Spegele e Wayne Ma, “Pequim demonstra apreensão quanto ao facto de a sua produção doméstica de petróleo e gás natural ter estagnado, e de as iniciativas para explorar as reservas energéticas não-convencionais, tais como o gás de xisto na zona ocidental do país e as reservas em águas profundas no Mar da China Meridional ainda permanecerem subdesenvolvidas” (The Wall Street Journal, 2012: para. 19).

O primeiro fator que contribui para a insegurança petrolífera chinesa é, por conseguinte, a dependência – “atualmente, superior a 50%” – da China face ao petróleo proveniente do estrangeiro, a qual deverá aumentar para “60-70% em 2015” (Lee, 2012: 76). De acordo com a BP Statistical Review of World Energy, ao ritmo de produção e exploração atual, as reservas petrolíferas chinesas durarão apenas cerca de 10 anos (June 2012). Com base numa análise histórica do consumo de petróleo na China, de 1980 a 2008, Haibo Wang refere que “a taxa de crescimento anual do consumo de petróleo no país foi de 2.75% durante o período de 1980-1990, a qual aumentou para 6.93% durante o período de 1990-2000, alcançando, depois, 7.04%, de 2000 a 2008” (2010: 2). Isto significa que a China está demasiado distante da era de autossuficiência petrolífera de que havia beneficiado desde meados da década de 60, dependendo, atualmente, cada vez mais de petróleo importado (Zhidong Li et al, 2005: 2).

Existem algumas tendências de longo prazo, no Império do Meio, que nos dão a certeza de que este continuará a importar cada vez mais petróleo. Uma delas diz respeito à rápida urbanização, a qual requer um maior consumo de energia (O’Neill et al., 2012). Ao ritmo atual, a urbanização na China tenderá a alcançar um patamar na ordem dos “55% a 60%, entre 2015 e 2020”, sendo que por volta de 2030, Michael J. Silverstein estima que “haverá, aproximadamente, mais 270 milhões de moradores urbanos no país” (J.P. Morgan, 2013: 6). Ora, estes dados são importantes no que respeita à (in)segurança energética chinesa, uma vez que, como indica o Outlook for Energy: a View to 2040, “um residente urbano consome mais energia do que um habitante rural” e, por outro lado, “os moradores urbanos tendem a ter um acesso mais fácil a combustíveis mais modernos e eficientes” (2013: 4). Na prática, o crescimento desta população citadina pressupõe um maior consumo energético, em particular no setor dos transportes (Johnson, 2013), o qual contribuirá para que a China importe mais petróleo (Roland Berger Strategy Consultants, 2011).

Um outro fator ligado à insegurança petrolífera chinesa, e que nos indica que o país continuará a depender, cada vez mais, de petróleo estrangeiro, diz respeito ao facto de a China ter “entrado num período de desenvolvimento rápido de urbanização e industrialização pesada” (Xiaoxi Li e Jiancheng Pan, 2011: 308). O Império do Meio produz vastas quantidades de aço, alumínio e betão, o que requer um consumo substancial de energia. Este é ainda agravado pelo facto de as fábricas chinesas não serem (muito) eficientes do ponto de vista energético. De facto, a China necessita de “20% mais energia para produzir aço do que a média internacional, ou de 45% mais energia para produzir betão”, sendo que “a indústria de alumínio consome tanta energia como todo o setor comercial” – ou seja, “os hotéis, restaurantes, bancos e centros comerciais” (Facts and Details, 2012: para. 45).

Uma outra tendência relacionada com a insegurança petrolífera chinesa, e que aponta para uma maior dependência face ao petróleo externo diz respeito à emergência de uma classe média na China – estimada em “mais de 300 milhões de pessoas” e “que já ultrapassa toda a população dos Estados Unidos”, segundo a CNN Money (2012: para. 8) – que começa a optar pelo transporte aéreo, ao mesmo tempo que se sente fascinada pelos automóveis (The Guardian, 2012; Wang, 2010; Brown, 2012). Com efeito, de acordo com a Economist Intelligence Unit (2013), o número de utilizadores do avião na China mais do que triplicou, passando de 27,3 milhões, em 1990, para 83,7 milhões, em 2002, sendo que durante o mesmo período, o número de utilizadores de automóveis no país aumentou mais de 12 vezes, passando de 198 000 para 2,42 milhões. Por outro lado, estima-se que “em 2030, o número de condutores, na China, chegue aos 440 milhões de pessoas, dos quais 400 milhões serão condutores de veículos de passageiros” (Linwei Ma, et al, 2012: 4). Por sua vez, a APEC Energy Demand and Supply Outlook, aponta para que em 2035, haja “343 veículos por cada 1000 pessoas, por oposição aos 58 por 1000 pessoas em 2010” (2013: 42). Consequentemente, prevê-se que a procura energética respeitante ao setor dos transportes na China, por volta de 2035, seja cerca de “duas vezes e meia superior à registada em 2010” (APEC Energy Demand and Supply Outlook, 2013: 42). Um tal aumento será estimulado por dois fatores-chave. Por um lado, “o crescimento económico continuará a ser rápido, estimando-se que o PIB real per capita aumente para o equivalente ao poder de compra de cerca de 32 400 dólares em 2035” (APEC Energy Demand and Supply Outlook, 2013: 42). O elevado crescimento da economia resultará no “rápido aumento de veículos por habitante”, que será “particularmente evidente durante o período de 2010 a 2020” (APEC Energy Demand and Supply Outlook, 2013: 42). Note-se que enquanto o petróleo é suscetível, potencialmente, de substituir o carvão, a energia nuclear e hidroelétrica, nenhuma outra energia poderá, em contrapartida, substituir o petróleo, a um custo económico razoável, sendo que, por outro lado, como explicam Michael Kumhof e Dirk Muir, “substitutos adequados para o petróleo, na escala e horizontes necessários, simplesmente não existem” (International Monetary Fund Working Paper, 2012: 4).

Dadas as tendências acima enumeradas, é, portanto, evidente que a China necessita inquestionavelmente de petróleo. Porém, como explicado, face à insuficiência das suas reservas domésticas petrolíferas, e, portanto, à alta dependência face ao petróleo estrangeiro, é compreensível que a segurança petrolífera chinesa esteja em jogo (Cáceres, Peace&Conflict Monitor, 2013). De acordo o Report on China’s Energy Development Strategy and Policy, ocorre insegurança petrolífera quando “a interrupção repentina do abastecimento petrolífero, a escassez de petróleo, ou o aumento dos preços, provocam danos numa economia, num grau que é determinado pela dependência desta face ao petróleo estrangeiro, a escala das flutuações do preço do petróleo, e a sua capacidade de resposta (que engloba, por exemplo, reservas de petróleo estratégicas, fontes energéticas alternativas, e um sistema de alerta atempado)” (Review of Economic Research, 2004: 12).

Se, por um lado, as reservas domésticas petrolíferas chinesas se revelam insuficientes para suprir as necessidades energéticas do país (sendo fonte, por conseguinte, de insegurança energética), a disponibilidade de petróleo estrangeiro para a China e a confiabilidade do aprovisionamento petrolífero para o país ameaçam a segurança petrolífera deste. Com efeito, sendo inegável a dependência que a China desenvolveu face ao petróleo estrangeiro – estima-se que “em 2015 as importações petrolíferas chinesas rondem os 320 milhões de toneladas, um aumento de 41% em relação a 2010” – a preocupação primeira de Pequim é a de se certificar que existe petróleo suficiente no estrangeiro para suprir as necessidades energéticas do país (Haibo Wang, 2010; The Oil Drum, 2012). Afinal de contas, segundo John Lee, “a segurança energética chinesa pode ser definida como a tentativa de garantir a confiabilidade dos abastecimentos externos de petróleo, a preços estáveis” (2012: 77).

Dan Blumenthal (2005) informa que “desde que a China se tornou um importador petrolífero, em 1993, os seus dirigentes têm considerado o desenvolvimento de relações com os produtores de petróleo do Médio Oriente como uma prioridade diplomática”. Apesar de haver petróleo suficiente no estrangeiro para satisfazer a procura energética chinesa nos próximos anos, importa, contudo, reconhecer que “a maior parte das importações chinesas de petróleo provém, sobretudo, de regiões politicamente instáveis” (ZhongXiang Zhang, 2012: 329). Poder-se-á questionar a eficácia desta opção (ou seja, o recorrer a estes produtores instáveis), porém, é fundamental ter-se presente que o facto de a China ter entrado tardiamente no mercado internacional de petróleo, contribuiu para que as potências ocidentais tivessem ganho controlo sobre os melhores campos petrolíferos então existentes, deixando a Pequim pouca escolha além do estabelecimento de acordos com os chamados Estados-pária (ZhongXiang Zhang, 2007, 2010b). Tal explica, segundo Mikkal E. Herberg, por que é que “as petrolíferas estatais chinesas estão tão empenhadas em adquirir ativos na África Ocidental, América Latina, Ásia Central e sudeste asiático” (Testimony before the U.S.-China Economic and Security Review Commission, 2012: para. 5). Todavia, no entendimento de ZhongXiang Zhang, “no âmbito da expansão das suas atividades no estrangeiro, as companhias petrolíferas estatais chinesas sobrestimam a probabilidade de uma possível interrupção do fornecimento de petróleo” (2012: 339). Tal explica que seja, por conseguinte, importante considerarmos a questão da confiabilidade do abastecimento petrolífero a partir da sua fonte de origem. De acordo com Chen Shaofeng, “a confiabilidade é definida como o nível de exposição a riscos vários a que estão sujeitos os abastecimentos energéticos da China” (2011: 616). Pode suceder que as importações petrolíferas corram o risco de ser recusadas ou interrompidas, em resultado de uma relação bilateral hostil, ou da instabilidade nos países abastecedores, por motivos de guerra, agitação social, conflitos étnicos, terrorismo, entre outros (IEA, 2011). Dito isto, como refere Chen Shaofeng, “países como o Sudão, Angola, Myanmar e Nigéria têm, todos eles, sido fustigados por conflitos internos, e Estados como o Equador e a Venezuela possuem relações tensas com os países vizinhos” (2011: 617). As grandes companhias petrolíferas internacionais são, com frequência, “objeto de repetidos incidentes de sequestro e de assassinato de trabalhadores seus em campos de petróleo locais” (Chen Shaofeng, 2011: 617). No caso da China, a questão da confiabilidade dos seus aprovisionamentos petrolíferos é, portanto, premente, uma vez que neste tipo de países, sujeitos a grande instabilidade política e social, se têm, por vezes, verificado ataques a jazidas petrolíferas e a trabalhadores chineses (assassinados ou raptados), como é o caso do Sudão ou da Etiópia (China Daily, 2007; Financial Times, 2008).

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1 Refira-se, a título de curiosidade, que o quebra-gelo chinês Snow Dragon (Xue Long) realizou quatro expedições ao Ártico, nos últimos anos. Por outro lado, a investigação científica polar chinesa conta com 26 expedições ao Ártico e à Antártida, desde 1984 (Spears, 2011).

2 China Energy Society é uma comunidade académica chinesa constituída pelos investigadores energéticos mais proeminentes do país.

 

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