O homem que mudou a história da segunda guerra e sua discreta admiração pelo Exército Brasileiro
Um dos personagens mais cultuados da mítica militar e da segunda grande guerra foi um austríaco de 1,90m de altura, chamado Otto Skorzeny, 1908-1975. Apelidado de “Cara cortada” – por causa de uma cicatriz da qual muito se orgulhava que ele ganhou em um duelo na universidade de Engenharia em Viena, prática comum na época – Skorzeny foi o coronel das Wafen-SS que se tornou famoso por ter resgatado o ditador italiano Benito Mussolini. Foi na universidade que conheceu Ernst Kaltenbrunner, que seria o futuro chefe de segurança do Reich na segunda metade da guerra. Kaltenbrunner foi julgado como criminoso de guerra e executado. A vida de Skorzeny, história digna dos melhores filmes de ação, é resumida brevemente neste texto.

Tão logo se iniciaram as hostilidades em 1939, Skorzeny se alista. Queria ser piloto da Luftwaffe, mas por causa de sua altura (ele não cabia nos caças alemães) ingressou na Leibstandarte, a guarda pretoriana de Adolf Hitler. Em 1943, com os avanços dos aliados sobre a Itália, o partido fascista decide destituir Mussolini. Hitler a esta altura disse: “Não sei onde está, mas quando descobrir, meus paraquedistas vão resgatá-lo”. Skorzeny recebe diretamente do ditador alemão a ordem para retirar o Duce de uma prisão em Gran Sasso, lugar acessível somente por teleférico.
A “operação Carvalho” durou cerca de quinze minutos! Fosse por vaidade pessoal, fosse por comprometimento com o dever, mesmo no desconforto do avião Fieseler Fi-156, Skorzeny insistiu em embarcar como guarda-costas de Mussolini, levando-o até a presença do Führer e garantindo assim o sucesso de sua missão. Mussolini posteriormente presenteou seu salvador com um relógio contendo a gravação da data do resgate. Skorzeny usou-o até o último dia de sua vida.
Mas, a importância da ação audaciosa de Otto Skorzeny transcendeu a mera operação militar em si. O objetivo de Hitler ao salvar o amigo italiano era também dar uma resposta moral aos fascistas, já que após a prisão de Mussolini a Itália já planejava se render aos aliados. O resgate rendeu mais um ano de guerra, já que o Duce, sob a proteção dos militares da SS, no norte do país, região de Vila Gargano, tentou instaurar sua República Social Italiana, o que deu fôlego à resistência fascista.
Depois da guerra, Skorzeny foi preso, mas teve sua fuga de um campo de detentos facilitada por americanos, que indicaram a Espanha como destino para refugiados como ele. Porém, antes de ter uma vida “normal” como empresário internacional, foi recrutado pela CIA, nos mesmos moldes do que ocorreu com cientistas como Wernher von Braun e tantos outros. Sua capacidade militar e seus talentos como espião eram tão notórios que alguns episódios de sua vida seriam tidos como fantásticos demais até para o cinema.
Esteve relacionado com a conhecida “rota dos ratos” da rede Odessa, organização “oculta” que se encarregava de facilitar a fuga de nazistas da Alemanha para outros pontos da Europa e para a América do Sul, principalmente Chile e Argentina. Fizeram uso dessa organização nazistas famosos como Adolf Eichmann, que foi para Argentina, e Josef Mengele, que veio para o Brasil. O próprio Skorzeny criou um ramo dentro da Odessa chamado “A Aranha”, que era especializado em resgatar prisioneiros alemães e tirá-los da Alemanha. Ele sempre negou isso. Diria em palavras de hoje tratar-se de teorias da conspiração.
Em 1958, o presidente do Egito Gamal A. Nasser lança um programa de foguetes para destruir Israel. Para isso busca recrutar cientistas nazistas. Quem foi o atravessador de cientistas? Sim, Otto Skorzeny. Mossad, o serviço secreto de Israel, sabendo disso, envia o mesmo agente que capturou Eichmann na Argentina, levando-o a julgamento em Israel, para recrutar Skorzeny. Disfarçados de funcionários da OTAN, dois agentes israelenses abordaram Skorzeny e lhe ofereceram o “emprego”. O pagamento foi bastante “justo”. Ao contrário do que aconteceu com Eichmann, Skorzeny não seria julgado, se aceitasse a oferta. Claro que ele não recusou.
Uma coleção inédita composta de mais de dois mil documentos, tais como diários, passaportes, cartas pessoais e até filmagens em 8mm foram disponibilizados pela viúva de Skorzeny após sua morte. Escondidos por muitos anos por uma família de jornalistas, esse material revela os trinta anos que Skorzeny viveu na Espanha, após ter saído da Alemanha. Um documentário recém lançado pela Netflix evidencia que além de ter se tornado empresário de sucesso, também se tornou traficante internacional de armas para fomentar regimes autoritários ao redor do mundo. Possivelmente o austríaco pode ter tido envolvimento indireto com o assassinato de John F. Kennedy.
Vaidoso e bastante orgulhoso de seu passado como militar altamente condecorado, Skorzeny escreveu vários livros. O mais lido deles foi sua autobiografia intitulada “Lebe gefährlich” (em tradução livre, “Vivendo perigosamente”). No Brasil esse “thriller” realista, digno de um filme de ação, foi publicado em dois volumes ineditamente pela BibliEx (Biblioteca do Exército Editora) em 1976, um ano após a morte do autor.
Longe de ser literatura política, o livro da vida militar de Skorzeny é empolgante e inspirador para o profissional das armas, sendo ainda hoje lido em escolas militares de diversos países. Segundo apresentação da BibliEx, “é leitura obrigatória na academia militar de Israel, onde foi publicada uma versão em hebraico”. “Com muito prazer, autorizo o Ministério do Exército a traduzir minha autobiografia para o português e a fazer uma edição limitada para a Biblioteca do Exército”, diz a resposta de Skorzeny a uma solicitação da BibliEx. O coronel abriu mão de seus direitos autorais para essa publicação em português. Otto Skorzeny morreu de câncer em 5 de julho de 1975.