O Ministério Público Federal (MPF) requisitou que a Justiça declare a responsabilidade civil de 42 ex-agentes da ditadura militar por ligação com a morte ou o desaparecimento forçado de opositores do regime.
A lista de envolvidos traz 26 ex-integrantes do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II Exército, em São Paulo. Entre eles, estão o ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury.
Também são alvos dos pedidos do MPF 16 ex-servidores do Instituto Médico Legal (IML) paulista.
As requisições fazem parte de uma ação civil pública que tem o objetivo de promover, além da responsabilização pessoal dos ex-agentes, uma série de medidas de reparação, preservação da memória e esclarecimento da verdade sobre o período da ditadura.
O Brasil tem obrigação constitucional e internacional de implementar essas providências para afastar a impunidade das violações cometidas entre 1964 e 1985 e impedir a repetição de atos autoritários que atentem contra os direitos humanos e o Estado Democrático de Direito.
Parte dessas medidas deve ser executada pela União e pelo Estado de São Paulo, também réus na ação. O MPF pede que a Justiça declare a omissão de ambos na tarefa de investigar e responsabilizar ex-agentes do sistema de repressão.
MEMORIAL CONTRA A DITADURA
Entre outras determinações, caberia ainda aos governos federal e estadual realizar a abertura de arquivos e acervos sobre o período vinculados a órgãos de segurança – como as Forças Armadas e a polícia paulista – e criar espaços de memória (online e físicos) que tratem das graves violações de direitos ocorridas na ditadura.
A partir disso, o MPF pede que todos sejam condenados a ressarcir os danos que as práticas ilegais causaram à sociedade e as indenizações que o Estado brasileiro já pagou às famílias das vítimas.
A cifra total passa de R$ 2,1 milhões, em valores sem atualização monetária. A ação requer também que os réus percam eventuais funções ou cargos públicos ocupados atualmente e tenham suas aposentadorias canceladas.
No caso daqueles já falecidos, o MPF destaca que eventual ordem judicial para reparação financeira deve ser cumprida por seus herdeiros.
ANISTIA DO AUTOPERDÃO
Os atos de tortura foram cometidos em um contexto de ataque sistemático e generalizado contra a população civil e, portanto, são considerados crimes contra a humanidade, aos quais não se aplica a prescrição nem a anistia, inclusive na esfera cível.
A imprescritibilidade dos atos de violação a direitos humanos foi fixada também em duas condenações ao Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O país aderiu voluntariamente à jurisdição do órgão e, portanto, é obrigado a cumprir suas sentenças.
Segundo as decisões, o Estado brasileiro deve empreender as medidas necessárias para investigar e responsabilizar ex-agentes da ditadura envolvidos em casos de tortura, morte e desaparecimento forçado.
As determinações também proíbem o Judiciário de barrar processos com base na Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79), que, segundo a corte, não possui efeitos jurídicos por constituir um instrumento de autoperdão a membros do aparato repressivo.
“A anistia brasileira é um típico exemplo de autoanistia, criada justamente para beneficiar aqueles que se encontravam no poder”, ressaltou a procuradora da República Ana Letícia Absy, autora da ação do MPF.
“Tal forma de anistia é claramente reprovada pelo Direito Internacional, que não vê nela qualquer valor. Não bastasse, o Congresso Nacional não possuía nenhuma autonomia e independência, e seria pueril crer que havia, àquela altura, uma oposição firme que pudesse se opor à aprovação da Lei de Anistia”, completou.